A geração Y
Programa típico dos cubanos: o jogo de dominó em mesas na calçada
Mais um elevador imprevisível me leva agora à casa de Yoani Sánchez, de 33 anos, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, na lista mais recente da revista'Time'. É Yoani, em pessoa, quem maneja os botões, para assegurar nosso desembarque ao apartamento onde ela vive, entre peixes e livros, com o jornalista Rei-naldo Escobar, o marido de 61 anos, e o filho Téo, de 12. Reinaldo é um jornalista conhecido em Cuba, mas foi demitido da imprensa estatal por escrever artigos que seriam naif perto do que sua mulher diz na internet.
Yoani é a voz mais poderosa de Cuba no momento. Seu blog, 'Genera-ción Y' (www.desdecuba.com/gene raciony), virou um fenômeno, com picos de 4 milhões de visitas mensais. Yoani escreve crônicas bem-humoradas e críticas, pela ótica de sua 'geração Y', aquela que nasceu nas décadas de 60 e 70, e tem em comum nomes como Yaniel, Yanisledis, Yunia... 'Nossos pais buscavam sons estrangeiros, em resposta aos nomes russos, comuns na época. Num sistema em que tudo é controlado, havia um espaço de liberdade: nomear os filhos. Assim surgiram os nomes mais exóticos.'
Filha de um maquinista e uma dona de casa, ambos comunistas, Yoani vivenciou as crises e contradições do socialismo. Sua geração é a que mais imigrantes contabiliza hoje. 'Vivemos uma frustração porque o futuro que nos prometeram nunca chegou. So-fremos uma overdose de ideologias, datas históricas e culto a mártires, que fez com que muitos se tornassem apáticos. A maioria opta por imigrar ou se calar', diz ela.
Com o diploma de filóloga na gaveta, Yoani também deu suas voltas, primeiro na Alemanha, onde se deu conta de que Cuba não era o 'umbigo do mundo', e em uma temporada na Suíça, vivendo de bicos, já com o marido e o filho. A decisão de voltar, a princípio, foi por uma razão prática: se um cubano passa mais de 11 meses fora, o governo confisca sua casa. 'Mas também era frustrante a sensação de que eu havia me obrigado a sair. Eu me sentia mal por não estar fazendo nada para mudar a realidade do meu país. Eu e Reinaldo juramos que, voltando, não íamos nos alienar.'
Assim nasceu a revista digital 'Consenso', e o blog que bombou, graças às peripécias de Yoani, com um laptop comprado de um balseiro que queria fugir do país. Para atualizar o blog, Yoani muitas vezes se fez passar por turista, falando alemão, para entrar nos hotéis e pagar uma pequena fortuna (4 dólares) por 20 minutos na internet. 'Meu luxo é postar', diz ela, que atualmente dá aulas de espanhol.
Mesmo com a experiência de ver um tio preso, condenado a 15 anos por escrever contra o regime, Yoani coloca sua foto e nome no blog. Até agora, diz que sofre apenas uma censura velada, feita de ataques pessoais e boicotes, como a instalação de filtros na internet que retardam o acesso a sua página. Em nosso encontro em Havana, ela estava ansiosa pela permissão do governo para ir a Espanha receber o prêmio Ortega y Gasset de Jornalismo, que venceu na categoria digital. Soube depois que, dessa vez, não conseguiu. E escreveu no blog: 'Não importa. No cyberespaço minha voz viaja sem limites...'.
Articulada, Yoani é craque em questionar clichês, como o de que o cubano não passa fome porque tem a ração do governo. 'Você não tem fome apenas de comida. Você tem fome de sabores que não pode comer, fome de poder temperar a comida à sua maneira. Esse é o tipo de fome que temos. Fome de escolher. Fome de dizer: 'Não quero arroz, quero batatas'', diz.
O maior desafio de Cuba, para a blogueira, é promover mudanças que afetem as liberdades civis. 'Precisamos selecionar as ideologias que queremos, sem que isso seja um delito.' Falar do presente, acredita ela, é a melhor maneira de construir esse futuro. 'Eu habito uma utopia que não é minha. Quero viver meus próprios sonhos, e não o que os que outros sonharam para mim', diz.
O táxi que me leva de volta ao hotel, agora, é um carro novo qualquer. No rádio, toca o hit americano 'Endless Love', com Lionel Richie e Diana Ross. O outdoor diz a mesma frase: 'Viva Cuba Libre!'. O mar do Malecón está calmo. Ao menos por enquanto.
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