sábado, 10 de julho de 2021

Os nano influenciadores que espalham fake news sobre covid são perigosos’, diz professor


Luiz Peres Neto, da ESPM, explica como os influencers com até 10 mil seguidores ficam abaixo do radar das plataformas quando contribuem para desinformação.



Ilustração: Amanda Jungles/The Intercept Brasil; Getty Images

MENSAGENS DA AUDIÊNCIA denunciando nano influenciadores propagadores de fake news sobre a covid-19 se tornaram frequentes entre as sugestões de pauta enviadas ao Intercept Brasil. Instigada pela recorrência do assunto em minha caixa de e-mail, comecei a pesquisar o tema.

Descobri que, em 2018, o New York Times e o Guardian já haviam publicado matérias que discutiam o poder e a importância dos nano influencers. Em linhas gerais, o Marketing Digital os define como pessoas que têm entre 1 mil e 10 mil seguidores.

Em 2020, a plataforma global de marketing de mídia social Socialbakers apontou que, impulsionados pela pandemia, os nano e micro influenciadores despontaram como recursos de alto valor nas ações digitais e apresentaram alto impacto sem cobrar as grandes somas pedidas pelos macro e mega influencers.

As fake news se confundem com a história da humanidade. Existentes desde a Roma Antiga — segundo o livro “Fake news de la Antigua Roma: engaños, propaganda y mentiras de hace 2000 años”, do arqueólogo Néstor F. Marqués —, elas se popularizaram com Donald Trump durante as eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos. O termo acabou eleito, em 2017, a Palavra do Ano pelo Dicionário Collins.

Por suas pesquisas e seus artigos voltados à comunicação, à ética, à liberdade de expressão, à privacidade digital e ao discurso de ódio, o professor Luiz Peres Neto me pareceu a melhor a fonte para aplacar as inquietações do nosso público.

Neto é professor do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, e da Universidade de Girona, na Espanha, onde mora atualmente. Ele concedeu a entrevista abaixo via Zoom.

Intercept – No atual contexto, por que os nano influenciadores que espalham fake news sobre a covid-19 são perigosos?

Luiz Peres Neto – Essa é uma pergunta muito difícil de responder de uma maneira direta. Eles costumam trabalhar muito com a capilaridade. Esse é um primeiro diagnóstico que precisamos pensar para falar sobre o papel dos nano influenciadores.

Segundo a própria dinâmica das redes, a necessidade daqueles que alçam as posições de influencers é interagir e alimentar uma relação com os seus seguidores. Portanto, eles fazem parte de uma grande cadeia e de uma grande disputa por vozes. Isso acontece no mundo todo, não apenas no Brasil.

‘Esses nano influenciadores têm uma relação de proximidade, que facilita a legitimação de discursos’.


Há 20 anos, pensávamos que a internet seria transformadora porque potencializaria, de alguma maneira, as vozes marginalizadas. Isso aconteceu, mas não da maneira que imaginávamos. Na verdade, a internet não é igual em termos de poder, os nós são desiguais.

Esses nano influenciadores são parte dessas estruturas desiguais. Por isso, para acertar um determinado nicho, eles, muitas vezes, acabam reproduzindo as opiniões que entendem que suas respectivas audiências querem ver validadas.

A ideia dessa relação entre influenciadores e seguidores é quase que possessiva. É sobre a minha audiência, como interajo com ela. Isso ganha uma dimensão quase religiosa. O próprio termo seguidor revela muito dessa lógica.

Por causa dessa desigualdade estrutural da internet e por terem poucos seguidores, muita gente crê que os nano influenciadores não são perigosos, que devem ser ignorados. Podemos fazer isso?

Não podemos. Eles são perigosos, pois legitimam as mensagens. Quando você segue uma pessoa, é por que você entende que ela tem algo a lhe dizer. É um discurso a ser escutado, é um discurso legítimo. É um vínculo. Ou seja, esses influenciadores têm um lugar de fala.

Por exemplo, meu tio de Lins, no interior de São Paulo, por uma relação de confiança e de proximidade, acredita nos influenciadores que segue nas redes sociais. Para ele, o discurso que vem dessas fontes é legítimo e mais importante que um discurso, por exemplo, científico, que vem de outras fontes, que são distantes dele.

Esses nano influenciadores têm uma relação de proximidade, que facilita a legitimação de discursos. Principalmente, quando têm discursos similares ao que a audiência gostaria que fosse verdade.

De onde vem isso?

Eles herdaram a cultura de comunidade lá do começo da Web 2.0, das comunidades no Orkut, dos grupos no Facebook, entre outros. Por exemplo, qual era a preocupação do cara que era criador de uma comunidade no Orkut? Era cuidar do rebanho mesmo. Ele criava aquela comunidade, atraía as pessoas e cuidava daquele quinhão da internet que entendia que era dele.

Os nano influenciadores têm muito disso. Pois, dali, eles vão construir possibilidades de ganhar alguns trocados, reputação, aparecer, de ter visibilidade, de lacrar, de fazer com que as suas opiniões ressoem. É uma construção que mistura vínculos pessoais, de afeto — afeto no sentido de afetação — e de interesse mútuo.

Do lado dos seguidores, temos que falar sob a perspectiva de uso e gratificações. Por exemplo, eles podem pensar: o que esse influencer vai me dar?, vai me entreter?, vai me abrir os meus olhos para alguma coisa?, vai me dar algo?

Luiz Peres Neto é professor da ESPM e da Universidade de Girona. Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

E no recorte da covid-19 e fake news, qual o impacto que eles causam em seus seguidores?

É um paradoxo. Enquanto esses nano influenciadores apresentam um risco para a credibilidade das plataformas porque estão espalhando informação errada, fake news, etc, a presença deles alimenta os ganhos das mesmas.

Para tentar resolver a questão, as plataformas começaram a etiquetar informações e remetê-las às fontes institucionais. Sob a perspectiva do Vale do Silício, isso é tranquilo. Por mais que Trump tenha tentado e levado tudo ao extremo, os Estados Unidos são um país onde as instituições são fortes.

No entanto, há países onde elas são débeis. Por exemplo, no Brasil, se um médico manda, em uma rede social, nebulizar cloroquina para salvar pacientes, e a referência que a plataforma coloca é a do Ministério da Saúde, temos um problema, pois esse órgão já reforçou o uso da cloroquina.

Dessa forma, o propagador de fake news sai legitimado. Por quê? As diretrizes do próprio Ministério da Saúde começam a ser questionadas. E os seguidores pensam: “esse cara, que é médico e está perto de mim, deve saber alguma coisa”. Com a proximidade, o discurso dele é muito mais legítimo do que o outro, que está longe.

Na atual conjuntura, vira e mexe, as big techs lançam campanhas e ações contra as fake news relacionadas à covid-19. Apesar disso, os nano influenciadores saem ilesos. Você poderia explicar por que eles não são atingidos?

Porque essas soluções são pouco eficazes para essa categoria de influenciador. Vamos usar uma peneira como metáfora. Se eu tiver uma piscina e passar a peneira para limpar a água, só vou limpar a superfície. Eu não conseguirei limpar o fundo. Com ela, só poderei limpar o que é mais evidente.

A partir dessa metáfora, vemos que as medidas adotadas pelas plataformas são soluções que só controlam o que está na superfície. O que está nas profundezas permanece com as mesmas dinâmicas e passa, muitas vezes, despercebido. Por isso, esses nano influenciadores podem, sem que percebamos, impactar, proporcionalmente, um grande número de pessoas.

De acordo com o site StatCounter, as redes sociais mais acessadas no Brasil, neste momento, são o Facebook, o Pinterest, o YouTube, o Twitter, o Instagram e o Tumblr. A partir disso, há como definir um padrão de como esses nano influenciadores ligados à covid e à fake news agem nessas redes sociais? Como o WhatsApp e o Telegram ficam nessa?

Nessa classificação que você passou, o WhatsApp não está entre os mais usados. Nesse aspecto, tem uma coisa que nunca podemos esquecer quando falamos do Brasil. No país, o acesso à internet se dá, basicamente, via celular. Então, esse é um fator que temos que colocar na mesa. Não só quais são as redes sociais mais acessadas, mas quais são as mais consumidas.

Nesse acesso mobile, grande parte do tráfego acontece nas redes que não consomem dados dos planos. Então, talvez, o número de acessos não seja a variável que mais explique o tempo de uso e consumo em uma determinada rede.

Acho que isso é o primeiro passo. As dinâmicas são muito diferentes, e os grupos de WhatsApp são um assunto à parte. Os nano influenciadores, que estamos falando, estão muito mais centrados nas plataformas do que, propriamente, nos grupos de WhatsApp, Telegram e outros aplicativos de troca de mensagem.

Em geral, tanto os das fake news quanto os outros, é isso?

Não, a indústria das fake news usa tudo e tem um poder muito forte com a utilização de bots e grupos de WhatsApp. Por mais que o WhatsApp tenha tentado limitar a rede de fake news no Brasil, ela foi estabelecida via esse comunicador instantâneo.

Se pensarmos em plataformas como o Instagram, o Twitter e o Facebook, esses nano influenciadores de fake news estão ali capitalizando a visibilidade deles, construindo, de alguma maneira, reputação. Esse trabalho não está sendo feito no WhatsApp porque ele não monetiza diretamente.

Outro ponto são alguns influenciadores que criam grupos privados no WhatsApp, mas isso é uma migração. Geralmente, eles usam prioritariamente uma plataforma — digamos, tradicional —, depois podem ter os subsidiários de mensagem instantânea.

No caso de encontrar um nano influenciador propagador de fake news ligadas à covid-19, o que os usuários comuns devem fazer?

Essa pergunta ninguém sabe responder. Sabemos que é uma coisa que está corroendo a democracia, corroendo a cidadania, que está corroendo os valores mais humanos que nos constituem como tal — que são a solidariedade, a empatia, o respeito pelo outro, a valorização da vida, entender a vida como bem-supremo.

‘Não temos controle sobre os algoritmos, eles não são auditáveis’.


Chegamos a um ponto que perdemos isso, e o comportamento desses nano influenciadores têm um papel fundamental nessa desconstrução, nessa corrosão do humano.

Nesse atual contexto de segmentação das audiências e dessas dinâmicas das redes, vejo pouco espaço para que nós, enquanto audiência, façamos algo.

Até porque as plataformas nos dão os limites da nossa ação. Por exemplo, o Facebook e o Twitter limitam o que vamos fazer, como podemos fazer e o alcance de nossas ações. Não conseguimos fazer nada fora da internet. Não estar nas plataformas é ser excluído do mundo digital. No entanto, ao mesmo tempo, estamos espremidos entre as dinâmicas que limitam muito o que podemos fazer e o que conseguimos ver.

Não temos controle sobre os algoritmos, eles não são auditáveis. Estamos submetidos a receber informações desses nano influenciadores e o que podemos fazer é checar de forma exaustiva.

Diante desse cenário desanimador, como identificá-los?

Primeiro, desconfiar de tudo. Segundo, resgatar uma coisa tão importante para o jornalismo e que, hoje em dia, nos é pouco cara, que é a questão da credibilidade. Sem credibilidade não se constrói nada. Para nós, audiência, vivemos a pior situação, porque a crise dos intermediários é evidente.

Nesse sentido, temos que entender e repensar o nosso estar nas redes. Por que estamos lá? O que queremos por lá? E refletir que nem toda informação é, necessariamente, verídica.

Com matérias publicadas no New York Times e no Guardian, o poder da nano influência voltado ao marketing está sendo discutido desde, pelo menos, 2018. No ano passado, levantamentos como o relatório do estado do marketing de influência da Socialbakers apontou 2020 como um ano bom para os nano influenciadores, ou seja, eles já fazem parte do nosso cotidiano. Nesse contexto, há como separar o joio do trigo?

Não há uma resposta para isso. Quem falar que sabe, mente. Precisamos dialogar para entender o que estamos fazendo com os meios digitais. Enquanto grupo, podemos investir em letramento digital, ou seja, saber se comunicar em diferentes situações no mundo online, saber encontrar informações e compreendê-las, saber selecionar o que é pertinente e avaliar a sua credibilidade.

E isso não tem nada a ver com formação universitária ou com formação intelectual. É trabalho transversal, que deve ser voltado a todos.

*Colaborou Ana Paula Carvalho.

Foi publicada hoje (2/10/2003) no Diário Oficial da União a Lei nº 10.740/03, que altera a Lei nº 9.504/97 e a Lei nº 10.408/02, para implantar o registro digital do voto.

 Lei que implanta o registro digital do voto é publicada no DOU


Foi publicada hoje (2/10) no Diário Oficial da União a Lei nº 10.740/03, que altera a Lei nº 9.504/97 e a Lei nº 10.408/02, para implantar o registro digital do voto.

Segundo a lei, a urna eletrônica irá dispor de recursos que permitem o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, mediante utilização de assinatura digital, resguardando o anonimato do eleitor.

Todos os programas de computador utilizados nas urnas eletrônicas para os processos de votação, apuração e totalização, poderão ter suas fases de especificação e de desenvolvimento acompanhadas por técnicos indicados pelos partidos políticos, Ordem dos Advogados do Brasil e Ministério Público, até seis meses antes das eleições.

Leia a íntegra:

LEI Nº 10.740, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003.

Altera a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e a Lei nº 10.408, de 10 de janeiro de 2002, para implantar o registro digital do voto. 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Os arts. 59 e 66 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, com as alterações introduzidas pela Lei nº 10.408, de 10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 59 ..................................................................

..................................................................

§ 4º A urna eletrônica disporá de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor.

§ 5º Caberá à Justiça Eleitoral definir a chave de segurança e a identificação da urna eletrônica de que trata o § 4º.

§ 6º Ao final da eleição, a urna eletrônica procederá à assinatura digital do arquivo de votos, com aplicação do registro de horário e do arquivo do boletim de urna, de maneira a impedir a substituição de votos e a alteração dos registros dos termos de início e término da votação.

§ 7º O Tribunal Superior Eleitoral colocará à disposição dos eleitores urnas eletrônicas destinadas a treinamento." (NR)

"Art. 66 ..................................................................

§ 1º Todos os programas de computador de propriedade do Tribunal Superior Eleitoral, desenvolvidos por ele ou sob sua encomenda, utilizados nas urnas eletrônicas para os processos de votação, apuração e totalização, poderão ter suas fases de especificação e de desenvolvimento acompanhadas por técnicos indicados pelos partidos políticos, Ordem dos Advogados do Brasil e Ministério Público, até seis meses antes das eleições.

§ 2º Uma vez concluídos os programas a que se refere o § 1º, serão eles apresentados, para análise, aos representantes credenciados dos partidos políticos e coligações, até vinte dias antes das eleições, nas dependências do Tribunal Superior Eleitoral, na forma de programas-fonte e de programas executáveis, inclusive os sistemas aplicativo e de segurança e as bibliotecas especiais, sendo que as chaves eletrônicas privadas e senhas eletrônicas de acesso manter-se-ão no sigilo da Justiça Eleitoral. Após a apresentação e conferência, serão lacradas cópias dos programas-fonte e dos programas compilados.

§ 3º No prazo de cinco dias a contar da data da apresentação referida no § 2º, o partido político e a coligação poderão apresentar impugnação fundamentada à Justiça Eleitoral.

§ 4º Havendo a necessidade de qualquer alteração nos programas, após a apresentação de que trata o § 3º, dar-se-á conhecimento do fato aos representantes dos partidos políticos e das coligações, para que sejam novamente analisados e lacrados.

.................................................................." (NR)

Art. 2º São revogados os arts. 61-A, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e 4º da Lei nº 10.408, de 10 de janeiro de 2002.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, observado o disposto no art. 16 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993.

Brasília, 1º de outubro de 2003; 182º da Independência e 115º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Márcio Thomaz Bastos


sexta-feira, 9 de julho de 2021

TCU pede explicações ao governo sobre negociação do valor da Covaxin

 Vacina foi oferecida ao governo pelo valor de US$ 10, mas nas negociações subiu para US$ 15, sem justificativa nem questionamento. Após denúncias, compra acabou não sendo efetivada.



Por Camila Bomfim

    O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Benjamin Zymler pediu nesta segunda-feira (5) ao Ministério da Saúde esclarecimentos sobre o preço da vacina indiana Covaxin, a mais cara negociada pelo governo federal até agora.
Zymler também pediu cópia de todos documentos e atas de reunião que trataram das negociações para a compra da vacina, desde as primeiras tratativas até o fechamento do ajuste do preço.
    Os pedidos fazem parte de um processo do TCU que apura possíveis irregularidades nas negociações da vacina Covaxin.
    Entenda o caso da vacina Covaxin, que resultou em abertura de investigação sobre Bolsonaro
    Em novembro, segundo relato do ministro no despacho, a vacina foi oferecida para o governo pelo valor de US$ 10. Depois, sem qualquer justificativa nem questionamento por parte do Ministério da Saúde, foi fechado em fevereiro um acordo para compra por US$ 15.
    Depois que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão dele, o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda, denunciaram suspeitas de irregularidades na compra da vacina, o governo suspendeu o contrato.


Zymler pediu os seguintes esclarecimentos ao Ministério da Saúde:


    a)as razões pelas quais o valor da dose da vacina indiana Covaxin foi fixado em U$ 15,00, no acordo final celebrado com a fabricante e a sua representante no país, considerando a existência de uma proposta inicial de U$ 10,00; e
    b)cópia de todos os memorandos de entendimento e de todas as atas de reunião que trataram do assunto da aquisição do referido imunizante, desde as primeiras tratativas até o fechamento do ajuste.
    O ministro deu o prazo de dez dias para a pasta prestar os esclarecimentos.
    Ele solicitou ainda que o ministério responda a questionamentos feitos anteriormente pelo tribunal, mas que ainda não foram respondidos:

    a)se foi realizado algum gerenciamento dos riscos do contrato;
    b) se as investigações prévias contra as empresas que vendem a Covaxin chegaram ao conhecimento do ministério e se foram consideradas na gestão dos riscos da contratação;
    c) se o ministério realizou alguma negociação do preço de aquisição; e
    d) se o ministério realizou algum comparativo entre o preço ofertado para a pasta e o preço contratado da mesma vacina em outros países.
    Por causa das denúncias da Covaxin, a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu inquérito para saber se o presidente Jair Bolsonaro cometeu prevaricação. Ou seja, se ele ficou sabendo de suspeitas e não tomou as medidas necessárias.


                                            Esclarecimentos sobre empresa


    Ainda no despacho, Zymler dá para a Controladoria-Geral da União (CGU) 15 dias para enviar cópia integral dos documentos e informações produzidas na investigação instaurada para analisar o contrato com a Precisa.
    A Precisa Medicamentes era a representante no Brasil do laboratório Bharat Biotech, que produz a Covaxin.
    A Anvisa também terá 15 dias para informar o resultado da análise do pedido de uso emergencial da vacina.
    Por fim, a CPI da Pandemia terá 30 dias para encaminhamento ao TCU dos documentos relacionados à contratação da vacina Covaxin, incluindo as quebras de sigilo da Precisa e de seus representantes e de servidores do Ministério da Saúde envolvidos.
    Já o Ministério Público terá 30 dias para enviar cópia dos inquéritos envolvendo a Precisa e seus representantes e dos servidores do Ministério da Saúde que participaram da contratação.

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Bolsonaro vai à Justiça contra lei que garante internet na educação pública


Por Sandy Mendes 

Jair Bolsonaro Isac Nóbrega/PR

O presidente Jair Bolsonaro acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra o repasse de recursos da União para garantir acesso à internet a alunos e professores da educação básica da rede pública. A verba, equivalente a R$ 3,5 bilhões, está prevista na Lei 14.172/2021, que institui o pagamento desse montante aos estados e municípios para ações que visem a ampliar a conectividade nas escolas de todo o Brasil.

A lei é de autoria da Câmara dos Deputados e foi aprovada pelo Senado em 24 de fevereiro deste ano, mas recebeu veto do presidente. O Congresso, no entanto, conseguiu derrubar o veto e agora ela está pendente apenas de publicação no Diário Oficial da União. Uma vez publicada, os recursos deverão ser transferidos em até 30 dias para os entes federados.

Ao vetar o texto, Bolsonaro argumentou que o projeto era um empecilho para o cumprimento da meta fiscal do governo. Agora Bolsonaro questiona a norma no STF por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) protocolada via Advocacia-Geral da União. A ação terá como relator no Supremo o ministro Dias Toffoli.

Na peça apresentada ao Supremo, o governo afirma que a lei interfere na gestão material e de pessoal da administração pública e que o assunto só poderia ser tratado em uma iniciativa direta do Executivo, e não do Legislativo.

O que diz a lei

Pela Lei 14.172/2021, a União deve repassar R$ 3,5 bilhões, tendo como fontes de recursos o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e o saldo correspondente a metas não cumpridas dos planos gerais de universalização do serviço telefônico fixo. Esse dinheiro deve ser aplicado para compra de tablets e pacotes de dados móveis por estados e municípios.

A estimativa é de que 14 milhões de estudantes brasileiros e 1,5 milhão de professores dos ensinos fundamental e médio possam ser beneficiados. O texto exige que a família do estudante esteja inscrita no Cadastro Único (CadÚnico) ou que ele esteja matriculado em escolas de comunidades indígenas e quilombolas.

Esses recursos visam a diminuir prejuízos gerados pela dificuldade de acesso à educação em decorrência da pandemia que levou à suspensão das aulas nas escolas públicas. Dados do Instituto de Pesquisas Aplicada (Ipea) divulgados em setembro do ano passado atestaram que ao menos seis milhões de estudantes brasileiros não possuíam acesso à internet em casa, dos quais 5,8 milhões eram estudantes da rede pública.

Se você chegou até aqui, uma pergunta: qual o único veículo brasileiro voltado exclusivamente para cobertura do Parlamento? Isso mesmo, é o Congresso em Foco. Estamos há 17 anos em Brasília de olho no centro do poder. Nosso jornalismo é único, comprometido e independente. Porque o Congresso em Foco é sempre o primeiro a saber. Precisamos muito do seu apoio para continuarmos firmes nessa missão, entregando a você e a todos um jornalismo de qualidade, comprometido com a sociedade e gratuito. Mantenha o Congresso em Foco na frente.

Ministro confirma reunião com filho mais novo de Bolsonaro e diz que só soube quem era ao ser apresentado

Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) foi chamado pela Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara para explicar encontro. PF investiga se houve tráfico de influência.

Por Jamile Racanicci, TV Globo — Brasília

Ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) participa de audiência na Câmara dos Deputados — Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, confirmou nesta terça-feira (6) em audiência na Câmara dos Deputados ter se reunido no ano passado com o empresário Jair Renan Bolsonaro. Acrescentou que só soube que se tratava do filho mais novo do presidente Jair Bolsonaro quando eles foram apresentados.

Rogério Marinho foi chamado pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle a dar explicações sobre o encontro. Conforme mostrou o Jornal Nacional, quando a reunião aconteceu, a agenda pública de Marinho continha somente o nome de um assessor da Presidência, sem menções ao filho do presidente ou a outros empresários.

Segundo o ministro, a reunião foi pedida "pelo gabinete do presidente" e, no encontro, foi apresentada uma "inovação tecnológica" na área de habitação (leia detalhes mais abaixo).

A Polícia Federal abriu um inquérito para investigar a empresa de Jair Renan, a pedido do Ministério Público, por suspeita de tráfico de influência.

"A reunião que ocorreu conosco foi em 2020. [...] Foi solicitada pelo gabinete do presidente, por um de seus auxiliares", afirmou Marinho durante a audiência desta terça.

"Só soube que ele era filho do presidente porque alguém me apresentou a ele", acrescentou o ministro, em outro trecho.

Na avaliação de Marinho, o fato de Jair Renan ter estado presente ao encontro "não causou nenhum tipo de constrangimento". "Até porque ele entrou calado e saiu calado", completou. O ministro, contudo, não detalhou quem mais participou.

>>> Relembre no vídeo abaixo a abertura do inquérito pela Polícia Federal:

PF abre inquérito para investigar Jair Renan Bolsonaro, filho mais novo do presidente

Como foi a reunião

Aos deputados, Rogério Marinho disse que, no encontro, a empresa apresentou uma "inovação tecnológica" para o setor de habitação, encaminhada para a Secretaria Nacional de Habitação (SNH), órgão do ministério.

"[A secretaria] recebe cotidianamente centenas de contribuições, que são levadas em consideração ou não", afirmou Marinho nesta terça.

Ainda durante a audiência, o ministro negou que o ministério contrate diretamente conjuntos habitacionais ou soluções tecnológicas.

"Quem o faz são as empresas que atendem aos editais através do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) ou do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS)", disse.

"Não tem nenhuma relação de causa e efeito a presença do filho do presidente", concluiu.

Olavo de Carvalho retorna ao Brasil para tratamento em hospital público


Segundo colunista, Olavo foi para o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)

Por

Olavo de Carvalho dita concepções que influenciam o governo (Foto: Reprodução)

O escritor Olavo de Carvalho, 74 anos, chegou ao Brasil na manhã desta quinta-feira, 8, para prosseguir com com tratamento médico. Desde abril, ele se internou por conta de problemas respiratórios em um hospital em Virgínia, estado em que mora nos EUA desde 2005.

De acordo com informações do colunista Igor Gadelha, do portal Metrópoles, Olavo foi para o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O hospital universitário faz atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na unidade, ele será atendido pelo cardiologista José Antonio Ramires.

O escritor, que já ficou internado três vezes neste ano, também esteve sob cuidados médicos durante alguns dias no mês fevereiro por causa de uma pneumonia. Na ocasião, um comunicado sobre a hospitalização do ideólogo foi feito aos seus seguidores em um de seus perfis nas redes sociais. Ele convive há anos com a doença de Lyme, causada por uma bactéria transmitida por carrapatos.

Conhecido como “guru de Bolsonaro”, Olavo é fortemente crítico à esquerda e tornou-se influente nos círculos bolsonaristas. Depois de apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro para Presidência da República, ele chegou a indicar o nome de ministros do governo.

No ano passado, Olavo divulgou um vídeo em que afirma que havia rompido com o governo e ameaçou derrubá-lo. Com a repercussão negativa, voltou atrás e disse que ainda está do lado de Bolsonaro, mas alertou que o presidente não esperasse mais “palavras doces”.

Viúva de capitão Adriano fecha delação premiada com Ministério Público


Delação está na segunda fase, ou seja, já foi aceita pelos procuradores
Guilherme Amado






A viúva do capitão Adriano da Nóbrega, miliciano que era ligado a Flávio Bolsonaro e que foi assassinado na Bahia no ano passado, está perto de homologar uma delação premiada com o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro e o Ministério Público no estado. Júlia Emílio Mello Latufo está negociando há algumas semanas com os procuradores, tendo como seu advogado o ex-senador Demóstenes Torres, que voltou a advogar. A delação já está na segunda fase, ou seja, já foi aceita pelos procuradores e agora está focada em tratar de anexos específicos e envolve um conjunto de temas que trata de uma série de homicídios cometidos no Rio de Janeiro por organizações criminosas.
Júlia Lotufo viveu um relacionamento amoroso de 10 anos com Adriano da Nóbrega e chegou a acompanhá-lo até a Bahia, onde ele foi morto em fevereiro de 2020. Ficou foragida e teve a prisão preventiva decretada, mas a punição foi reduzida a prisão domiciliar. Antes da morte de Nóbrega, ela trabalhou na Subdiretoria-Geral de Recursos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Agora, ela responde a um processo da 1ª Vara Criminal Especializada da Capital do RJ, por organização criminosa e lavagem de dinheiro. Com a morte do marido, segundo esse processo, coube a ela cuidar do espólio de atividades ilegais de Adriano. Ela foi denunciada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ), e nesse processo consta um documento da contabilidade dos negócios ilegais de Adriano. Essa planilha foi obtida na quebra do sigilo telemático da viúva.

Partiu de Júlia a iniciativa de fazer contato com os investigadores. Ela procurou inicialmente a Polícia Civil. O secretário de Polícia, Alan Turnowski, procurou o MP do Rio com o objetivo de fazer uma reunião da defesa de Júlia com a promotora Simone Sibílio, responsável pela investigação dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Este encontro ocorreu há algumas semanas, mas Sibílio inicialmente não se interessou sobre as informações que Júlia tinha a fornecer sobre o caso Marielle.
A defesa de Júlia foi encaminhada para outra área do Ministério Público, que investiga a participação de milicianos em assassinatos de aluguel — mortes como as cometidas pela organização criminosa Escritório do Crime. Posteriormente, o Ministério Público Federal foi envolvido na negociação e tudo caminha para que na semana que vem haja a homologação.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Biografia escrita por jornalista da Veja mostra José Dirceu “maior” que Luiz Inácio




Por Euler de França Belém


Ao contrário do que dizem petistas ortodoxos, e até do que sugere Otávio Cabral, o livro “Dirceu — A Biografia” acaba por fortalecê-lo em termos históricos. O ex-guerrilheiro é responsável pela metamorfose que levou Lula da Silva à Presidência da República
Resenha publicada em junho de 2013

O paradoxo de “Dirceu — A Biografia” (Record), do jornalista da “Veja” Otávio Cabral, parece ser este: pretende transformar o personagem em pó — a última frase do livro, “José Dirceu de Oliveira e Silva jamais chegou a lugar nenhum”, é demolidora —, mas o que consegue, ao fim de suas 363 páginas, é a construção da história de um político poderoso e decidido. Um líder, enfim. Talvez até mais do que Lula da Silva, que é mais político, matreiro como Getúlio Vargas, do que líder. Amigos e aliados de Dirceu começam a criticar com acidez o best-seller escrito pelo repórter¹ da revista da Editora Abril e a apontar erros mínimos para desqualificar a obra em geral. Dada a leitura radical, mais uma defesa do que uma leitura, deixam de perceber que, ao contrário do que pretende Otávio Cabral, o livro acaba por ser um elogio, ainda que indireto, do personagem principal da trama. O “anão” suposto pelo jornalista “termina”, ao final do ensaio biográfico — não se pode dizer que se trata de uma biografia exaustiva —, como uma espécie de “gigante”, aquele que, dotado de um pragmatismo exacerbado, percebeu a mudança dos ventos da história e contribuiu, de maneira decisiva, para a metamorfose de Lula da Silva. Sem Dirceu, o petista-símbolo teria se tornado presidente e teria escapado das teias da radicalidade petista, avessa a alianças com o centro político e, sobretudo, com a direita? Não sabemos, porque não é possível prever a história, mas é provável que, sem o homem de Havana no Brasil, Lula tivesse desistido da quarta disputa, em 2002, depois de três derrotas consecutivas — uma para Fernando Collor e duas para Fernando Henrique Cardoso (de brincadeira, pode-se que seu problema era com Fernandos).

O problema das biografias de oportunidade é que, para agradar os leitores, precisam apresentar um quadro amplo da vida de seu protagonista, porém, com ele vivo e com uma história não terminada, fica difícil apresentar uma conclusão. Não só. Quando se escreve em cima dos fatos, com as paixões muito vívidas, às vezes, especialmente quando o personagem é por demais contraditório (talvez todos sejam) e provoca amor e ódio na mesma proporção, nem sempre se consegue um retrato nuançado. Porém, ao se propor escrever um livro quase vingador, exibindo a ascensão e a queda de um político — destacando notadamente sua ruína —, Otávio Cabral, quem sabe por ser jornalista competente, daí a objetividade necessária na exposição dos fatos, que aqui e ali parece contradizer suas opiniões, no lugar de destruir, acaba por construir um Dirceu muito mais multifacetado e poderoso do que a imprensa costuma apresentar. Por incrível que pareça, embora os aliados do petista não concordem, Dirceu sai “maior” da biografia do, como insistem os petistas, “jornalista da ‘Veja’”.

Ao dizer que “José Dirceu de Oliveira e Silva jamais chegou a lugar nenhum”, Otávio Cabral desconstrói aquilo que, em quase 400 páginas, edificou com zelo de repórter preciso. Talvez seja possível dizer que o repórter é mais rigoroso do que o analista. Aquele que apresenta os fatos, arrolando-os de maneira em geral isenta (o termo mais preciso talvez seja objetividade) e metodicamente — e, ao contrário do que “pregam” os petistas radicais, apresentando dúvidas e reticências —, difere, algumas vezes, do intérprete conclusivo. Sua conclusão, ao contrário da que apresenta, poderia ser: “José Dirceu de Oliveira e Silva, um político de visíveis limitações, chegou longe demais”. A biografia é interessantíssima, muito boa mesmo, apesar de suas limitações, que não são do jornalista, e sim do fato de que Dirceu é mesmo um personagem enigmático, até camaleônico, que só aos poucos vai sendo decifrado. Como quase todo político de larga vivência — o petista está no cenário do país há pelo menos 45 anos —, Dirceu deixou pistas que, embora pareçam objetivas, às vezes não o são. Talvez sejam cascas de banana dispostas de modo a fazer o pesquisador escorregar e, especialmente, a não ter uma visão mais ampla dos fatos. Sua passagem por Cuba, na qual se tornou uma espécie de xodó de Fidel Castro e Alfredo Guevara, e sua vida escondida (sob disfarce) no Paraná, mesmo depois de várias entrevistas e do livro de Otávio Cabral, ainda são passagens nebulosas e que, por isso, demandam pesquisas mais exaustivas. Quanto ao “julgamento” do personagem não há mal nas interpretações do biógrafo, que talvez devesse relativizar algumas, apontando que falta esclarecer alguns pontos. A filósofa Hannah Arendt sugeriu que é preciso julgar sempre, e com rigor, os personagens históricos — em cima dos fatos e adiante. Aquele que não julga, talvez para não ser julgado, está mortíssimo. Julgar e comparar, em termos históricos e mesmo pessoais, são fundamentais… para esclarecer e iluminar.
Luiz Gushiken, Lula da Silva e José Dirceu | Foto:

Ao término da leitura, fica-se com a impressão de que Lula, apesar dos dois mandatos e da trajetória vitoriosa, tanto que contribuiu para eleger dois postes — Dilma Rousseff, a presidente da República, e Fernando Haddad, a prefeito de São Paulo —, e não Dirceu, é um personagem menor, indeciso, navegando ao sabor das circunstâncias e deixando o trabalho digamos mais “sujo” aos outros, para não sair contaminado. É provável que, quando for possível fazer uma avaliação histórica mais precisa, Lula da Silva se torne um personagem menor do que Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Ernesto Geisel — o general que matou a ditadura — e mesmo Fernando Henrique Cardoso? Pode ser que sim. Mas pode ser que não. Talvez se torne um personagem mais sólido se, tempos depois, for possível constatar que o avanço social, a incorporação dos pobres à economia de mercado, se deu mais devido às suas ações do que à expansão capitalista.

Antes de apresentar a história do petista, um comentário sobre o título “Dirceu — A Biografia”. Há algum tempo, a Editora Difel publicou o livro “Lênin — A Biografia Definitiva”, do notável historiador inglês Robert Service. No original, não há nada disso. Em inglês o título é “Lênin — Uma Biografia”. O motivo é prosaico: Lênin, embora tenha falecido em 1924, ainda é uma obra aberta. Como pesquisador criterioso, Service sabe que os arquivos soviéticos foram abertos apenas parcialmente e há informações relevantes sobre Lênin que precisam ser checadas e comparadas. Portanto, modestamente e embora sua biografia seja de fato excelente, Service optou por “uma” e não por “a” — e muito menos aceitaria, por ser um historiador consciencioso, a palavra “definitiva” como complemento. Otávio Cabral (ou a editora) optou por “Dirceu — A Biografia”, como se estivesse comparando-a com a que está sendo escrita por Fernando Morais. Por ser amigo de Dirceu — e seu defensor —, Morais, embora seja um pesquisador criterioso e autor de pelo menos uma biografia sensacional, “Chatô — Rei do Brasil”, sobre Assis Chateaubriand, o Cidadão Kane patropi, dificilmente terá independência para “julgá-lo”. Mesmo assim, por acrescentar a versão de Dirceu (que a tem apresentado de modo fragmentário), dará, possivelmente, uma sólida contribuição aos pesquisadores. Ninguém mais adequado para apresentar os “anos cubanos” de Dirceu do que Morais, darling de Fidel e Raúl Castro há anos. É o “nosso” Gabriel García Márquez.

Lula da Silva, Fidel Castro e, mais ao fundo, José Dirceu | Foto: Reprodução

Petistas ou dirceuzistas alegam que Otávio Cabral raramente menciona os nomes das fontes. Mas as informações, mesmo com fontes anônimas, são falsas? Com Dirceu vivo e, mesmo afastado do centro do poder, ainda influente no PT, e mesmo no governo federal, as fontes falariam em “on”? Dificilmente. Dirceu não quis atender o jornalista, mas várias fontes são apresentadas (entrevistas e perfis de Dirceu foram usados fartamente). E há, é claro, a indústria do processo. Entretanto, se Dirceu processar Otávio Cabral, estará cometendo um equívoco: o livro, insistamos, o engrandece, ao mostrá-lo o tempo todo no centro do poder, articulando e manipulando forças políticas de porte. Pode-se dizer que, de alguma forma, o poder passava mais por Dirceu do que por Lula.

A seguir, contemos a história de José Dirceu de Oliveira e Silva desde o começo.
Filho de udenista e Ronnie Von das massas

Dirceu nasceu a 16 de março de 1946, há 67 anos, em Minas Gerais. Seu pai, Castorino, era udenista. Aos 8 anos, Dirceu disse à mãe, Olga: “Um dia seu filho será presidente da República”. Menino, “amarrava barbante em rabo de cachorro, colocava bombinhas presas no rabo dos gatos”. Em 1961, quando aos 14 anos deixa Passa Quatro, “as professoras e as mães dos amigos comemoraram: ‘Estamos livres do Zé Dirceu’”. A fonte? O próprio Dirceu, no livro “Abaixo a Ditadura” (Editora Garamond, e não Garamont), escrito em parceria com Vladimir Palmeira.

Em São Paulo, vivendo com dificuldade, quase passando fome, Dirceu posiciona-se, desde cedo, contra a ditadura — indicando que o personagem não é vira-folha. Na PUC, onde cursava Direito, militava no Partido Comunista Brasileiro e desafiava os professores. Tornou-se presidente do Centro Acadêmico e defendia os estudantes com vigor. “Dirceu não gostava dos estudos. Brigava com professores, faltava às aulas daqueles que não tolerava”, conta Otávio Cabral.

Bonito, logo Dirceu revelou-se conquistador. O primeiro grande amor foi Iara Iavelberg, depois companheira de Carlos Lamarca. Às amigas, Iara escreveu: “Faltam a José Dirceu alguns dotes intelectuais. Mas não terá medo de dizer ‘eu te amo’”. No festival da Record de 1966, revelando seu caráter engajado e ausência de refinamento estético, Dirceu torceu, ao lada de Iara, por “Disparada”, de Geraldo Vandré, contra “A Banda”, de Chico Buarque. Iara acabou por deixá-lo, porque Dirceu a traía com frequência.

Antes de se tornar “guerrilheiro” (em Cuba é que ampliou sua militância guerrilheira), Dirceu foi preso, porque dois amigos italianos eram ligados à Ação Libertadora Nacional, a ALN de Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. Em 1968, presidente da União Estadual dos Estudantes, era o “principal líder estudantil do Estado” de São Paulo. O “Alain Delon dos pobres” e “Ronnie Von das massas”, desde aquela época, 1968, tinha aversão à imprensa. Mas comandava a massa. Era um líder amado e temidoMaça Dourada, a espiã que conquistou José Dirceu



Namorador inveterado, “não perdoava” as belas mulheres que estivessem ao alcance de seus olhos. Era um homem bonito e charmoso. Entre suas muitas conquistas estava Heloísa Helena Magalhães, que, depois, se revelou ser espiã do Dops, apelidada de Maçã Dourada. No Congresso da UNE em Ibiúna, Dirceu deveria ter saído consagrado como líder máximo, mas a polícia impediu sua realização e prendeu os estudantes.

Em 1969, com o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, Dirceu foi colocado na lista dos que deveriam ser libertados. Antes, no Dops, “foi espancado, chutado e cuspido”.

Em Cuba, o líder estudantil se torna guerrilheiro de fato. Em 1970, é submetido a duro treinamento militar na selva, ao lado de 32 brasileiros. Ferido durante num deles, Dirceu, agora com o codinome Daniel, é apadrinhado por Alfredo Guevara. O brasileiro morou na casa de Guevara, que era homossexual e os maledicentes chegaram a dizer que formavam um casal — boato desmentido por Otávio Cabral, pois Dirceu gostava e gosta mesmo é de mulheres.

Guevara aproximou Dirceu de Fidel Castro e de seu irmão Raúl Castro, o chefão das Forças Armadas cubanas. Ao se especializar em questões militares, o brasileiro se tornou “homem de confiança dos” hermanos Castro, que o escolheram para “implantar um novo foco guerrilheiro” no Brasil. O historiador Luís Mir (autor de “A RevoluçãoImpossível”), citado por Otávio Cabral, sustenta que “suas opiniões eram vistas com desdém e as propostas que fazia, todas, eram invariavelmente derrotadas”. Mas, enquanto a vida dos demais esquerdistas brasileiros era difícil, Dirceu “tinha carro, bebia os melhores runs, fumava charutos Montecristo e vestia belas fardas”, anota Paulo de Tarso Venceslau. “A voz corrente na esquerda é de que era agente do G2, o serviço secreto cubano”, acrescenta Paulo de Tarso. O jornalista Fernando Gabeira corrobora: “Ele repassava ao governo [cubano] informações sobre o comportamento dos brasileiros”.

Para se proteger, Dirceu procurou entrar na ALN. Fidel e Raúl colocaram-no para “liderar” o chamado Grupo dos 28, Grupo Primavera e, depois, rebatizado de Movimento de Libertação Popular (Molipo). “Os outros 27 desconfiavam de que fosse agente de Fidel infiltrado. (…) Em um exercício noturno de sobrevivência no mar, tentaram afogá-lo.”


José Dirceu e Lula: o pacto faustiano deu certo durante algum tempo, mas o segundo acabou por devorar o primeiro, responsabilizando-o por ações que o beneficiaram

Para voltar ao Brasil, “fez uma cirurgia plástica que mudou sua face”. A operação foi feita por um médico chinês. Ao contrário do que dizem alguns de seus adversários, Dirceu realmente se empenhou em organizar a guerrilha, participou de um assalto, comprou armas para os companheiros. Mas o Molipo, que começou a enviar seus militantes para o Brasil “no final de 1970”, parecia não ter compreensão exata do que acontecia no país. A ditadura estava mais articulada e a guerrilha estava praticamente destruída. Quase todos os militantes do Molipo foram mortos por militares e policiais. Por que o Molipo foi tão prontamente devastado? Fala-se em delação, mas o que poderiam fazer 32 pessoas contra uma ditadura estabilizada, com forte apoio popular — dados o farto consumo e, mesmo, o medo do comunismo — e com amplos recursos financeiros e armamentos? Não há prova alguma de que Dirceu tenha delatado os colegas.

Dirceu volta para Cuba, mas o governo cubano o reenvia para o Brasil, em 1975. Esteve até em Rondônia. Percebendo que a guerrilha havia sido destruída, Dirceu esconde-se no Paraná, vivendo lá até a Anistia, no final da década de 1970. Mentiu para Clara Becker, sua mulher, para sobreviver. Ele vivia com nome falso.
Dirceu menosprezou o líder sindical Lula da Silva

No fim da década de 1970, José Dirceu volta à ativa, mas, apesar de instado por amigos e aliados políticos, como Frei Betto, não se mostra interessado em conhecer Luiz Inácio Lula da Silva. Porque não tinha apreço pelo movimento sindical. Em 1980, o dominicano apresentou os dois. “Em menos de meia hora de conversa, já aceitara o convite de Lula para participar da fundação do Partido dos Trabalhadores”, conta Otávio Cabral. Apesar do ciúme, um sempre achou que o outro queria o papel de ator principal, Dirceu e Lula aprenderam a conviver. “Lula, desde a primeira campanha, percebeu que precisava da capacidade de organização partidária de Dirceu, que viu na proximidade com o líder carismático, dono de uma oratória invejável, a grande possibilidade de crescer na política e na vida.” Lula foi derrotado na disputa pelo governo de São Paulo, em 1982.

Para controlar o PT, Dirceu criou a Articulação e, desde aquela época, início da década de 1980, entendeu que, para se fortalecer, precisava criar “pontes fora” do partido. Indicado pelo PT, integra a coordenação do movimento das Diretas Já. Em 1986 se elege deputado estadual e, “pragmático, avaliava que o PT só chegaria ao poder um dia se abandonasse o sectarismo e excluísse de seus quadros as correntes mais radicais”. Foi voto vencido.

Como deputado, pouco a pouco passou a ser uma das figuras mais influentes do PT, atacando os radicais que defendiam a luta armada e trabalhando para uma maior abertura de alianças no PT. Tornou-se tão bem-sucedido que Lula o convocou “para comandar sua campanha a presidente da República em 1989”. No segundo turno, Dirceu operou para atrair o peemedebista Ulysses Guimarães e o apoio do empresariado, mas Lula desautorizou-o, arrependendo-se mais tarde. Lula perdeu para Fernando Collor.

Em 1990, numa carreira ascendente, Dirceu foi eleito deputado federal. Na Câmara dos Deputados, tornou-se o darling da imprensa e contribuiu para a queda do presidente Fernando Collor. Tornou-se amigo do publicitário Duda Mendonça e do tucano Tasso Jereissati.

Em 1994, seguindo o PT e Lula, Dirceu desdenha o Plano Real. Chegou-se a cogitar uma chapa Lula (presidente) e Jereissati (vice), mas a cúpula tucana rejeitou-a. Candidato a governador de São Paulo, Dirceu ficou nervoso ao saber que Lula havia prometido apoiar Mário Covas se o PSDB indicasse o seu vice. O Real derrotou Lula para Fernando Henrique Cardoso. Dirceu e seu protegido Silvio Pereira “foram acusados de desviar recursos da campanha”. Ele procurou Lula e disse que não aceitaria qualquer punição do partido e disse que as mesmas empreiteiras que o bancaram financiaram a campanha nacional. Lula recuou e Dirceu foi protegido e se tornou presidente do PT. Mesmo assim, adiante, teria dito, aos berros: “Lula é o maior atraso da esquerda brasileira. Ele não tem formação política de esquerda. Ele é oportunista, só se cerca de pessoas que pode controlar. O Lula tem resistência à esquerda tradicional, à esquerda que militou na luta armada”.

Em 1997, depois de duas derrotas, Lula diz ao deputado Chico Alencar: “Cansei de rodar minha bolsinha esfarrapada por aí. Para ganhar eleição, vou precisar de aliança e de grana. Dei todo o poder para o Zé Dirceu arrumar isso. Falei: ‘Zé, articula e faz. Pode até contratar o Duda Mendonça. Não quero saber como você fez, só quero que a gente ganhe a Presidência’”. Em 1998, com Fernando Henrique Cardoso desgastado, Leonel Brizola sugeriu a derrubada de FHC, mas Dirceu encerrou a conversa: “Se é para botar o Marco Maciel, deixa o FHC mesmo”.

Realista, enquanto o PT fazia discursos bombásticos, o realista Dirceu dizia: “O PT não nasceu ortodoxo nem doutrinário. Se a esquerda insistir em apresentar um programa socialista, não vamos derrotar Fernando Henrique Cardoso”. Em 2002, ele conseguiu convencer “Lula a contratar Duda Mendonça”. A Carta ao Povo Brasileiro, para acalmar a sociedade e o mercado, foi uma ideia do ex-guerrilheiro.

Lula da Silva, José Alencar e José Dirceu: caminhando para o centro | Foto: Reprodução

Com carta branca, Dirceu foi responsável por três metamorfoses. Primeiro, domou o PT, tornando-o mais moderado. Segundo, com o auxílio de Duda Mendonça, contribuiu para que Lula se vestisse melhor, aparasse a barba e melhorasse sua linguagem. Terceiro, bancou na vice o empresário José Alencar, o que indicou ao empresariado que o PT não era mais o mesmo. Mas Lula, que não queria Dirceu sozinho, pôs o médico Antonio Palocci no jogo.

Ao se tornar pragmático, o PT começou a negociar apoio com dinheiro. O PL de Valdemar Costa Neto exigiu de 15 milhões a 20 milhões para apoiar Lula. José Sarney, o rei do Maranhão, e Antonio Carlos Magalhães, monarca da Bahia, também apoiaram o petista. Lula foi eleito presidente. A bolsinha não era mais esfarrapada. O ex-líder sindical pôs Dirceu para fazer o pacto com o “demônio” — as elites políticas e financeiras — e ele próprio negociou com os “anjos”, contaminando-se quase nada.
Negociação com o PMDB poderia ter evitado o mensalão, mas Lula vetou.

Michel Temer: negociação com o líder do PMDB talvez tivesse evitado o mensalão | Foto: Reprodução

Na montagem da base de apoio ao governo de Lula da Silva, mesmo antes da posse, José Dirceu conversou com o presidente do PMDB, Michel Temer, que exigiu os ministérios da Integração Nacional e de Minas e Energia — com “porteira fechada”. “Lula, precisamos resolver o problema do PMDB. Sem eles, nossa vida no Congresso vai ser complicada. A gente tem que fazer como o Fernando Henrique e dar os dois ministérios de porteira fechada para eles”, disse Dirceu. Lula replicou: “Não sei, não, Zé. Tenho medo desse PMDB nos dar dor de cabeça. Não tem outro jeito de fazer a maioria no Congresso?”. Depois, o presidente eleito acrescentou: “Você [Dirceu] precisa desfazer esse acerto com o PMDB. Eu não vou entregar nenhum ministério para eles”. Ciro Gomes e Dilma Rousseff ganharam os dois ministérios que deveriam ter sido ocupados por peemedebistas. “Isso vai dar merda”, disse Dirceu. Tinha razão.

Dirceu, que queria ser ministro da Fazenda, aceitou a Casa Civil e ampliou seu poder, praticamente montando um governo paralelo ao do presidente Lula. Eles começaram a se estranhar, mas precisavam um do outro. Haviam feito um pacto faustiano. Quando irritado, o petista-chefe dizia: “Foda-se o Zé Dirceu. Ele precisa entender que quem ganhou a eleição fui eu”.

De fato, Lula ganhou, mas a missão inglória de montar uma base parlamentar no Congresso passou a ser de José Dirceu. Não só. Com o apoio de Delúbio Soares, começou a reunir dinheiro para pagar as dívidas de campanha do PT e dos partidos aliados. Ao ser informado das ações, Lula dizia: “Resolva como você achar melhor, só não me crie problemas”.

No poder, com o PMDB inicialmente sem cargos, Lula tendo autorizado, Dirceu decidiu montar uma base parlamentar no Congresso com base em dinheiro obtivo por Delúbio Soares e Marcos Valério em bancos “amigos”, como BMG e Rural. O esquema pagava luvas de 300 mil, 500 mil e até 1 milhão e mais 30 mil reais por mês. PTB, PL e PP entraram na dança. Três deputados tucanos optaram por deixar o PSDB e filiaram-se ao PTB, para participar do mecenato político. Mais tarde, descoberto, o mensalão derrubou Dirceu e provocou sua cassação e condenação à prisão pelo Supremo Tribunal Federal.

Delúbio Soares: um dos aliados de José Dirceu na operação do PT | Foto: Divulgação

A rigor, Lula é o pai do mensalão, mas a herança maldita ficou mesmo para Dirceu, o pragmático que, ao final, foi “embrulhado” por aquele que, intelectualmente, desprezava. Lula, com o mensalão, ficou livre de Dirceu. Ele planejava que Antonio Palocci fosse seu sucessor em 2010, mas este envolveu-se num escândalo e Lula bancou Dilma Rousseff, que foi eleita.
A empreiteira Delta dobrou faturamento com apoio de Dirceu

Depois de “provar” que José Dirceu foi essencial para o PT conquistar o poder e que, mesmo errando com o mensalão, foi responsável pela montagem da base de apoio à governabilidade da gestão do presidente Lula da Silva, o biógrafo Otávio Cabral relata, no capítulo “O maior lobista do Brasil” — sem compará-lo a outros lobistas, para comprovar sua assertiva —, que o ex-guerrilheiro, cassado e afastado da linha de frente do governo federal, supostamente decidiu ficar rico.

Dirceu criou a JD Assessoria e Consultoria e começou a representar os interesses de vários empresários, como Carlos Slim, dono da Embratel e da Claro e um dos homens mais ricos do mundo. Só do bilionário mexicano teria faturado cerca de 10 milhões de reais. Em seguida, segundo Otávio Cabral, tornou-se “uma espécie de embaixador de Eike [Batista] na América Latina, abrindo portas e resolvendo problemas”. Eike pagou, avalia o biógrafo, 6 milhões de reais ao ex-guerrilheiro.

A Ongoing, empresa de comunicação portuguesa, se tornou o terceiro grande cliente de Dirceu. O objetivo era “construir no Brasil uma rede de TV, rádio, jornais e internet”. Pela operação, Dirceu recebia 80 mil reais por mês. A Ongoing chegou a comprar o “Jornal do Brasil”, no qual Dirceu escreve, mas o projeto não foi adiante. O “JB” só na internet praticamente deixou de existir.

Fernando Cavendish: com o apoio de José Dirceu, a construtora Delta dobrou seu faturamento | Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo

A Vale se tornou outro cliente de peso do escritório de Dirceu, que faturou 5 milhões de reais por um contrato de quatro anos. O presidente Lula começou a pressionar Dirceu, trabalhando para que não faturasse empresas ligadas ao governo. Dirceu não aceitou a pressão e continuou recebendo dinheiro. “Eu agora sou capitalista”, dizia o ex-guerrilheiro. Ele chegou a intermediar asilo político no Brasil para o oligarca russo Boris Berezovsky, mas não conseguiu.

A Delta Construtora se tornou cliente da JD Assessoria e Consultoria em 2009. “Em um contrato feito por meio de uma subsidiária, a Sigma Engenharia, [a Delta] pagava R$ 20 mil por mês para que Dirceu fizesse lobby no governo de modo a que a empresa conseguisse obras do PAC. Naquele ano, a Delta, do engenheiro Fernando Cavendish, receberia R$ 733 milhões do governo, o dobro do ano anterior.”

Em seis anos, de 2006 a 2012, Dirceu faturou cerca de 40 milhões de reais. O socialista se tornou, de fato, capitalista. Mas perdeu aquilo que mais ama — o poder — e deve perder a liberdade, o verdadeiro “oxigênio” do indivíduo.
Treze goianos são citados no livro sobre José Dirceu

Treze (número do PT) goianos são citados no Livro “Dirceu — A Biografia”, do jornalista Otávio Cabral: Carlinhos Cachoeira, Delúbio Soares, Demóstenes Torres, Eduardo Siqueira Campos (seu pai, Siqueira Campos, militou na política goiana), Enio Tatico, Hamilton Pereira (Pedro Tierra), Henrique Meirelles, Luciano (cantor), Marconi Perillo, Neyde Aparecida, Raquel Teixeira, Sandro Mabel (nascido em São Paulo, mas se fez como empresário e político em Goiás) e Zezé Di Camargo. O Estado de Goiás e Goiânia também são citados.

Carlinhos Cachoeira é citado duas vezes, às páginas 202 e 320. Na primeira, conta-se a história de como gravou-se dando dinheiro a Waldomiro Diniz, em 2004. “Ele pedia propina para si mesmo e dinheiro para a campanha eleitoral do PT. Em troca, prometia beneficiar Cachoeira em uma concorrência pública”, relata Otávio Cabral. Na segunda, o biógrafo diz que Lula “chamou” o ministro do Supremo Gilmar Mendes “para jantar e insinuou que deveria votar pela absolvição [de José Dirceu, José Genoíno e João Paulo Cunha] se não quisesse ser investigado pela CPI do Cachoeira”. Aqueles que queriam derrubar o governador de Goiás, Marconi Perillo, e o então senador Demóstenes Torres, do DEM, espalharam a informação, falsa, de que o ministro do STF havia viajado para a Alemanha com as despesas pagas pelo contraventor goiano.

Delúbio Soares é o goiano mais citado. Seu nome aparece em 31 páginas. O professor goiano, ex-tesoureiro do PT, era a pessoa encarregada de pagar as contas do PT e, também, de arranjar dinheiro, com o publicitário Marcos Valério, para aplacar a fome por dinheiro do PL de Valdemar Costa Neto, hoje mandachuva do PR², e de outros deputados do PL e do PP. José Dirceu o encarregou de pagar o publicitário Duda Mendonça. O empresário Jorge Gerdau Johannpeter, maior produtor de aço do Brasil, visitou Lula, quando este era presidente, para denunciar Delúbio, que o estaria pressionando para obter 1 milhão de reais para o PT. Lula convocou José Dirceu, o chefe político de Delúbio, e disse: “Segura o Delúbio. O Gerdau veio reclamar que ele está pegando pesado”. Segundo Otávio Cabral, “Dirceu prometeu advertir o subordinado mas nada fez”. Motivo: Delúbio era o homem que arranjava o dinheiro para pagar o mensalão, segundo o processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Na página 212, são arrolados os então deputados federais por Goiás Raquel Teixeira, do PSDB, e Enio Tatico, do PL. Otávio Cabral faz o relato de como o governador Marconi (amigo de Dirceu e inimigo de Lula, é apontado em cinco páginas) advertiu o presidente Lula, em 2014, sobre a existência do mensalão. Ao se encontrar com Lula, em Rio Verde, município do Sudoeste de Goiás, “Marconi faria uma grave denúncia: o governo estava pagando a deputados para que trocassem de partido e dando uma mesada para que votassem de acordo com os interesses do Palácio do Planalto. E ilustraria a acusação com dois casos concretos. A deputada federal Professora Raquel Teixeira, do PSDB, recusara uma proposta para se filiar ao PL em que receberia R$ 1 milhão à vista e uma mesada de R$ 30 mil. O convite fora feito pelo deputado Sandro Mabel, que dizia ter o aval de Dirceu. O outro caso era o do deputado Enio Tatico, que trocara o PSC pelo PL após aceitar os argumentos de Mabel”. Na página 247, repete-se a história, agora exposta por Roberto Jefferson (PTB), “de que Sandro Mabel tentara comprar dois deputados”. Otávio Cabral não apresenta a versão de Mabel e Tatico. Mabel sustentou várias vezes que não fez qualquer oferta de luvas de R$ 1 milhão e “salário mensal” de R$ 30 mil à ex-deputada tucana e Enio Tatico.

Na página 211, Otávio Cabral assinala que o deputado federal Miro Teixeira disse a Lula: “Presidente, eu fui nomeado para ser líder do governo, não para comprar deputado”. Segundo o biógrafo, Teixeira havia sido “pressionado por uma comitiva formada pelos deputados Valdemar Costa Neto (PL-SP), Sandro Mabel (PL-GO) e Pedro Henry (PP-PT). Queriam saber a quem deveriam recorrer para receber a mesada, ou o ‘mensalão’ — termo usado por Valdemar”.

O goiano de Anápolis Henrique Meirelles, ex-presidente do BankBoston e do Banco Central, é listado em quatro páginas. Otávio Cabral sustenta que Meirelles não era primeira opção de Lula para o BC. “Era a sexta opção e só chegou ao cargo porque todos os demais recusaram o convite.” Detalhe curioso: uma entrevista de Meirelles ao Jornal Opção, na qual disse que sabia como articular as finanças do país, foi examinada por Lula e equipe. Sabe-se que, ao escolhê-lo, Lula não consultou Dirceu. O biógrafo frisa que, publicamente, Dirceu elogiava Meirelles e o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Privadamente, atacava-os. Chegava a incentivar o vice-presidente, José Alencar, a atacar a política econômica, sobretudo os juros altos.

Demóstenes Torres é citado apenas uma vez, à página 183. Otávio Cabral revela que, quando ministro-chefe do Gabinete Civil, Dirceu mantinha contato com o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e os então senadores Demóstenes (DEM) e Eduardo Siqueira Campos (PSDB-TO). O intermediário era o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, sócio do restaurante Piantella e dono de um requestado escritório de advocacia.

Eduardo Siqueira Campos é mencionado em quatro páginas. Na página 210, o autor do livro narra o encontro de Dirceu com os senadores Antonio Carlos Magalhães, Rodolpho Tourinho (PFL-BA), Roseana Sarney (PFL-MA) e Eduardo Siqueira Campos. Na página 213, contrariando Lula, o senador tocantinense defendeu a legalização do bingo no Brasil.

A deputada Neyde Aparecida (hoje, secretária da Educação da Prefeitura de Goiânia)³ ganha uma citação, à página 262. Quando o PTB pediu a sua cassação, “para fugir do assédio da imprensa e de políticos”, Dirceu mudou-se “para o apartamento da deputada Neyde Aparecida, do PT de Goiás, em um prédio próximo ao seu. Só saía de lá para ir à Câmara, sempre pela garagem, para que o esconderijo não fosse descoberto”.
Chefão do PT “passou” uma noite com bela garota do Big Brother

José Dirceu, maior líder da história do PT, é apontado como mulherengo no livro “Dirceu — A Biografia”, do jornalista Otávio Cabral. Ele lista 16 mulheres — a maioria pelo nome. Mas há muito mais, sugere o biógrafo, que apresenta o petista com paquerador inveterado. Quando foi anunciado que ficaria preso, devido a condenação pelo mensalão, perguntou logo se teria direito a sexo. A história mais caliente está contada no capítulo “Um presente entre duas crises”, que começa à página 207. Em setembro de 2004, um ministro ligou para o chefe da Casa Civil, espécie de primeiro-ministro sem parlamentarismo: “Zé, você vai ficar em Brasília amanhã à noite? Tenho que te entregar aquele presente que prometi”.

Agradecido por ter se tornado ministro com o apoio de José Dirceu, o político contratou por R$ 30 mil uma garota que havia participado do Big Brother Brasil e posado nua para uma revista masculina (o biógrafo não informa se a “Playboy”, a preferida das participantes do “BBB”, ou a “Sexy”, a prima classe média da outra publicação). O “contrato” era só por uma noite. Depois da primeira pergunta, o ministro-cafetão ligou: “Seu presente chegou. Está na suíte presidencial do Hotel Naoum. É só chegar lá e bater na porta”. Otávio Cabral conta que “Dirceu seguiu as instruções e encontrou a inesquecível lembrança deitada na cama. Passaria as duas horas seguintes na suíte. Na saída, enquanto esperava seu motorista, telefonou ao ministro para agradecer: ‘Cara, você é maluco! Que presente foi esse? Foi a melhor coisa que eu ganhei na minha vida!’”

Entre as mulheres que amaram Dirceu estão: Maria Aparecida Sá de Castelo Branco, uma dançarina chinesa, Iara Iavelberg (que achava Dirceu inculto e, depois, apaixonou-se por Carlos Lamarca), a dançarina espanhola Ivone, Heloísa Helena Magalhães (a agente do Dops “Maçã Dourada”), Silvia, Clara Becker (com quem ficou casado durante anos, sem revelar que era o Dirceu guerrilheiro; adotou outro nome, Carlos Henrique Gouveia de Melo, e iludia o povo de uma cidade do Paraná), Suzana Lisboa, Miriam Botassi, Maria Ângela da Silva Saragoça, uma mulher casada, Maria Rita Garcia de Andrade, Evanise Santos, uma empresária paulista (que se apaixonou pelo Dirceu ministro; ela disse: “Eu amo esse homem” e acrescentou: “Se você perder o mandato e ficar sem emprego, pode deixar que eu te sustento. Conte sempre comigo”) e Simone. “Além da política, só as mulheres o tiravam do sério”, registra o livro.
Notas

¹ Otávio Cabral não trabalha mais na revista “Veja”.

² Agora é PL.

³ Neyde Aparecida não é mais secretária da Educação da Prefeitura de Goiânia.

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