sexta-feira, 9 de junho de 2023

Folie à Deux: Transtorno delirante induzido


Photo by Elvin Ruiz

Também conhecido como psicose de associação, o transtorno delirante induzido é um fenômeno raro no qual um sujeito em um quadro psicótico transfere seus delírios para outras pessoas. Geralmente, isso ocorre entre pessoas em um relacionamento íntimo (mãe-filhos, marido-mulher, irmãos etc.) e em condições de isolamento (por barreiras linguísticas, geográficas, sociais, entre outras). No entanto, nem sempre é necessário tal isolamento para que o fenômeno ocorra.

Na maioria dos casos, o indivíduo que “recebe” o delírio (indivíduo secundário) não sofre de qualquer tipo de transtorno psicótico, apresentando sintomas apenas enquanto há contato com o indivíduo indutor (que transfere o delírio). Muitas vezes, o afastamento das duas pessoas resolve o problema para o indivíduo secundário, que tende a ser passivo na sua relação com o indivíduo indutor.

O quadro foi relatado pela primeira vez por Harvey, em 1641, mas ganhou mais detalhes nos relatos de Laségue e Falret, em 1877. De acordo com estes autores, para que o delírio seja transmitido de uma pessoa à outra, é necessário que o conteúdo do delírio seja verossímil, ou seja, facilmente acreditável para o indivíduo secundário. Ainda segundo eles, o fenômeno seria mais frequente em mulheres, sendo elas as principais indutoras de delírios em seus familiares — especialmente filhos e parceiros românticos.

Um outro nome para o transtorno é folie à deux (“loucura a dois” em francês), que pode sofrer modificações de acordo com a quantidade de indivíduos secundários: folie à trois, à quatre, à famille (“em família”) ou à plusieurs.

Em geral, delírios persecutórios são os mais comuns nesse transtorno. No entanto, podem ocorrer delírios religiosos, necessitando um bom discernimento entre o que é fé e o que é sintoma psicótico. Uma boa maneira de ver isso é observar se as outras pessoas também foram afetadas, ou se só poucos dos indivíduos em convivência partilham o delírio. Além disso, se os sintomas se espalham para dimensões além da religiosa, pode ser um indício de que não se trata apenas de fé.

Além disso, é comum que o indivíduo secundário tenha uma predisposição biológica para o desenvolvimento de sintomas psicóticos. No que tange o ambiente em que a pessoa está inserida, o contato prolongado com o indivíduo primário e uma falta de contato com outros círculos sociais estão associados ao desenvolvimento do transtorno.

Apesar de ser um transtorno raro, quando identificado, o tratamento pode ter uma evolução bem favorável, embora muitas vezes envolva o afastamento de duas pessoas ou mais.
Subtipos de folie à deux

De acordo com Gralnick, o transtorno delirante induzido pode ser dividido em 4 subtipos. Contudo, esses subtipos não são reconhecidos pelo CID-10 (Classificação Internacional de Doenças, 10ª edição) nem pelo DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição) e, portanto, estão listados aqui apenas a título de curiosidade.Folie imposée: Ocorre quando os delírios da pessoa indutora são transferidos a uma pessoa secundária mentalmente saudável. Os delírios do indivíduo secundário desaparecem após a separação.

Folie simultanée: Quando ocorre um delírio simultâneo e idêntico em duas pessoas intimamente associadas e predispostas à psicose.

Folie communiquée: O indivíduo secundário possui uma resistência inicial ao delírio induzido mas, após algum tempo, passa a apresentar os sintomas e demora mais para se recuperar, mesmo após o afastamento do indivíduo indutor.

Folie induite: Dá-se quando um indivíduo que já se encontra em um quadro psicótico adota novos delírios induzidos por outro indivíduo em episódio psicótico.

Photo by Jake Davies

Folie à deux na história e na ficção

Apesar de se tratar de uma condição rara, existem diversos casos de transtorno delirante induzido na história — e também em algumas obras de ficção. Aqui vão alguns exemplos:

Caso Margaret e Michael
Um dos primeiros casos de transtorno delirante induzido registrado se passou com o casal Margaret e Michael, ambos com 34 anos de idade na época. Os dois acreditavam que algumas pessoas os perseguiam. De acordo com o casal, tais perseguidores entravam em sua casa espalhando poeira e outras sujeiras, chegando até mesmo a desgastar seus sapatos.
Sr. e Sra. A

O caso do Sr. e da Sra. A parece até mesmo história de filme, mas aconteceu de verdade. Desde criança, Sra. A conversava com deuses de elementos da natureza, como o mar, o céu e as estrelas. Sua família acreditava na religião espírita, mas mesmo assim repreendiam os comportamentos da menina pois não eram completamente compatíveis com suas crenças.

Já o Sr. A foi diagnosticado com esquizofrenia quando tinha apenas 8 anos de idade, e acreditava ter em sua companhia 3 demônios “bons”.

Após publicar um anúncio a procura de uma companheira, Sr. A recebeu uma resposta de Sra. A. Em apenas uma semana, os dois se conheceram, se apaixonaram e casaram. Em seguida, Sra. A viu seu marido ser “possuído” por um dos demônios, que a fez a acreditar que ele era o mesmo deus do mar com quem ela conversava quando era criança.

Durante muitos anos, o casal viajou a procura de emprego seguindo os conselhos dos demônios. Em um determinado momento, um dos demônios disse que Sr. A seria assassinado e a Sra. A seria estuprada, o que fez com que o casal adquirisse uma arma.

Em uma determinada noite, o casal foi jantar em um restaurante, onde viram dois garçons rindo deles. Os dois foram para casa, chateados, e os demônios então disseram que eles deveriam ir ao restaurante matar os garçons. Eles pegaram a arma e voltaram ao restaurante, atirando e matando os dois garçons.
Após o incidente, Sr. e Sra. A se separaram.

Família Tromp
Em 2016, uma família australiana deixou sua fazenda em Silvan, no estado de Victoria, de maneira repentina. Mark Tromp pegou sua mulher, Jacoba, e seus 3 filhos adultos Mitch, Ella e Riana, e deixou sua casa completamente destrancada, indo em direção a Nova Gales do Sul, um outro estado australiano.

No segundo dia de viagem, os irmãos ficaram com medo a respeito do que iria acontecer e resolveram se separar do casal. Mitch ficou em Bathurst e foi para Sydney, onde pegou um trem para voltar para Melbourne, capital do estado de Victoria. Já Ella e Riana foram para Goulburn, onde se separaram.

Riana foi encontrada em estado catatônico se escondendo na parte de trás de uma picape. Ella, por outro lado, roubou um carro e voltou para casa. Poucos dias depois, Jacoba foi avistada perdida na pequena cidade de Yass e foi levada para o hospital. Por último, Mark foi encontrado perto de Wangaratta, uma cidade ao nordeste de Victoria, ainda delirando e tentando fugir de pessoas que ele acredita que iriam matá-lo.

Felizmente, a família se encontra novamente em casa nos dias atuais. Todos receberam tratamento médico e psicológico para lidar com o trauma do evento, e hoje voltaram a levar a vida cuidando da fazenda.

O Babadook
Se você assistiu o filme australiano O Babadook (2014), já deve ter se perguntado como aqueles eventos pareciam tão reais tanto para a mãe quanto para o filho. Trata-se de um caso de folie à deux no qual o delírio da mãe era transmitido ao filho.

Ainda que seja raro, o transtorno delirante induzido é uma realidade com a qual os profissionais da saúde mental devem estar preparados para lidar. Embora alguns casos de folie à deux sejam curiosos, outros causam prejuízos graves aos indivíduos envolvidos, que tendem a piorar caso não haja intervenção médica. Por isso, é de extrema importância levar em consideração a quantidade de pessoas apresentando sintomas semelhantes.

Caso você conheça alguém que passou a se comportar de maneira diferente e prejudicial após um tempo em contato frequente com uma pessoa em específico, não hesite em conversar sobre a possibilidade de procurar ajuda.

Referências

Nishihara, R. M. and Nakamura, C. T. (1993) A Case Report of Folie’a Deux: Husband-and-Wife. Jefferson Journal of Psychiatry, 11(1) , Article 9. DOI: https://doi.org/10.29046/JJP.011.1.012 Available at: http://jdc.jefferson.edu/jeffjpsychiatry/vol11/iss1/9

Machado, L.; Cantilino, A.; Petribú, K. & Pinto, T. (2015). Folie à deux (transtorno delirante induzido). Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 64(4), 311-314. https://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000095

http://listverse.com/2018/03/26/10-highly-unusual-examples-of-folie-a-deux-or-shared-psychosis/

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Desembargador de SC denunciado por manter mulher em condições análogas à escravidão por 20 anos é especialista em direito do trabalho; saiba quem é

Segundo o MPF, vítima residia na casa de Jorge Luiz de Borba e esposa e executava tarefas domésticas. Ela não tinha carteira assinada e sofria maus-tratos.


Por Sofia Mayer, g1 SC
06/06/2023 14h47 


Desembargador Jorge Luiz Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina — Foto: YouTube/Reprodução

O desembargador Jorge Luiz de Borba, alvo da investigação que apura suspeita de trabalho análogo à escravidão, é especializado em Direito do Trabalho pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb), onde já havia se formado em direito, segundo a plataforma Currículo Lattes. O mandado foi cumprido na casa do magistrado, em Florianópolis, nesta terça-feira (6).

O desembargador disse em nota que "aquilo que se cogita, infundadamente, como sendo 'suspeita de trabalho análogo à escravidão', na verdade, expressa um ato de amor. Haja vista que a pessoa, tida como vítima, foi na verdade acolhida pela minha família" (confira nota na íntegra abaixo).

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) foi procurado e informou que não irá se manifestar.

Natural de Blumenau, ele presidiu a subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no município do Vale do Itajaí em 1991 e recebeu o título de cidadão emérito da cidade em 2017.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Borba e a esposa são suspeitos de manter uma mulher com deficiência auditiva como empregada doméstica por 20 anos sem carteira assinada.

Há indícios de prática criminosa, conforme o MPF, e relatos de trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes.

A ação

O MPF informou que a ação na casa do desembargador foi motivada por uma investigação que apura "indícios da prática criminosa" após relatos de "trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes".
Desembargador Jorge Luiz de Borba — Foto: TJSC/ Divulgação

Em nota enviada às 11h40, o órgão disse que a medida tem como objetivo apurar denúncias de que Borba, nomeado para o desembargo em 2008, e a esposa mantêm a trabalhadora em condição análoga à escravidão.
"A trabalhadora seria vítima de maus tratos em decorrência das condições materiais em que vive e em virtude da negativa dos investigados em prestar-lhe assistência à saúde", informou o MPF.

Conforme o órgão, a trabalhadora tem deficiência auditiva, nunca teve instrução formal e não possui o convívio social resguardado.

O que diz o desembargador
Confira abaixo a nota na íntegra do desembargador investigado.

Nota de Esclarecimento

Venho manifestar surpresa e inconformismo com o ocorrido, antecipando, desde logo, que aquilo que se cogita, infundadamente, como sendo “suspeita de trabalho análogo à escravidão”, na verdade, expressa um ato de amor. Haja vista que a pessoa, tida como vítima, foi na verdade acolhida pela minha família.

Trata-se de alguém que passou a conviver conosco, como membro da família, residindo em nossa casa há mais de 30 anos, que se juntou a nós já acometida de surdez bilateral e muda, tendo recebido sempre tratamento igual ao dado aos nossos filhos.

Embora irresignado, confio serenamente na justa elucidação dos fatos, certo de que, quem faz o bem não pode ser penalizado. Colocamo-nos à disposição de todos, posto que dispomos de elementos suficientes para comprovar a dignidade dos nossos propósitos, que foram, são e serão exclusivamente humanitários, de amor ao próximo.

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