Desde 1974, a Seção 301 do Trade Act, legislação comercial dos Estados Unidos, confere ao governo norte-americano um dos instrumentos mais poderosos de pressão econômica do mundo. Ela autoriza o Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) e o presidente a investigar práticas comerciais estrangeiras consideradas injustas e retaliar unilateralmente países com tarifas, cotas e restrições. É, na prática, o fundamento jurídico que sustenta as chamadas “retaliações comerciais” — e um dos pilares do que críticos chamam de “xerife econômico” dos Estados Unidos.
De escudo comercial a ferramenta de pressão global
A novidade: dados e nomes vindos de outra frente
Nos últimos anos, porém, um elemento mudou o jogo. Com a aprovação da Lei Magnitsky (2012, ampliada em 2016), o governo americano ganhou um mecanismo inédito para mapear indivíduos e empresas envolvidas em violações de direitos humanos e corrupção ao redor do mundo. Embora a Magnitsky não faça parte formal da Seção 301, ela gera informações financeiras e comerciais valiosas que podem, em tese, embasar ações mais amplas contra países.
Especialistas em sanções afirmam que, quando uma lista Magnitsky identifica pessoas, empresas de fachada e offshores, os bancos globais são obrigados a reportar e encerrar relações. Isso cria um mapa detalhado de fluxos financeiros. Se dessas descobertas emergirem evidências de envolvimento estatal ou práticas comerciais desleais, o governo americano pode usar a Seção 301 para aplicar retaliações setoriais ou nacionais, alegando distorções sistêmicas.
Do micro ao macro: o efeito cascata
Na prática, o caminho funcionaria assim:
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Sanção individual via Magnitsky: congela bens e bloqueia transações de pessoas e empresas específicas.
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Reação do sistema financeiro: bancos e parceiros internacionais rompem relações para não sofrer penalidades.
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Mapeamento de redes: dados coletados revelam quem financia quem e como.
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Ação macro via Seção 301: com base nesse diagnóstico, Washington pode abrir uma investigação comercial e impor medidas contra o país inteiro ou setores inteiros.
É esse “efeito cascata” — do micro (indivíduos) para o macro (países) — que explica por que políticos e empresários ao redor do mundo veem com apreensão a combinação entre Magnitsky e Seção 301.
O que realmente assusta elites estrangeiras
Bipartidarismo e continuidade
A Seção 301 é fruto do Congresso de 1974, época em que democratas e republicanos buscavam proteger a indústria americana. Já a Lei Magnitsky nasceu no governo Obama, com apoio bipartidário, e ganhou aplicação intensiva no governo Trump. Essa combinação — lei criada por um democrata, aplicada com vigor por um republicano — reforça o caráter de política de Estado dessas ferramentas.
O novo tabuleiro geopolítico
À medida que mais países aprovam legislações “Magnitsky” próprias (Reino Unido, Canadá, União Europeia), o modelo de sanções direcionadas se espalha. Mas os EUA continuam liderando porque controlam o sistema financeiro global. A Seção 301, por sua vez, mantém-se como o instrumento mais contundente para atingir economias inteiras, caso as descobertas individuais revelem conluios estatais.