Ouvir o outro lado é um avanço – mas que coisa pequena! O sujeito é acusado de ter matado a mulher e a sogra, de ter botado fogo na casa onde mora, de ter deixado o cachorro de estimação amarrado para morrer no incêndio. É ouvido e informa que não é casado, nem tem namorada – nem sogra, portanto. Não mora numa casa, mas num apartamento, onde aliás está sendo entrevistado (por telefone, claro, pois hoje ninguém gosta muito de sair da confortável redação para ir a lugares onde vai se misturar com gente do povo, nesse calor horroroso). Detesta cachorros, jamais teve um, e não poderia portanto colocá-lo no fogo. A matéria sai com todas as loucuras e, à guisa de “outro lado”, diz que Fulano nega as acusações.
Mas, mesmo que a coisa fosse bem feita, a verdade não tem apenas dois lados. A verdade é multifacetada, frequentemente não comporta o “sim” e o “não”. O caso mais interessante é o da extinção inexorável do rio São Francisco. Apenas como esclarecimento, este colunista não entende nada de rios e não tem condições de ser favorável ou contrário à transposição das águas do São Francisco.
Pois um grande jornal informou que o rio será extinto, ponto final. Base da informação: um biólogo – um único biólogo. Algum especialista em águas? Não. Outro biólogo? Não. Algum gráfico sobre a evolução do volume das águas num período amplo? Não. O biólogo pelo menos explica por que é impossível reverter a inexorável extinção do rio? Não. Algum exemplo de outro rio que tenha sido extinto? Não. E o outro lado? É o governo, dizendo que o rio não está sendo extinto, não. Por quê? Porque não, uai!
Há alguns anos, o então senador Antonio Carlos Magalhães, contrário á transposição, disse numa entrevista que o rio estava doente, com o recebimento de águas diminuído em virtude da redução das matas ciliares, não apenas dele como de seus afluentes, assoreamento não cuidado, desperdício da água existente com técnicas primitivas de irrigação. A entrevista do senador, curtinha, foi mais informativa que a página inteira de previsão do futuro. E ACM podia ser tudo, mas com certeza não era especialista em rios. Apenas acompanhava seus problemas.
by Observatório de Imprensa
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