domingo, 28 de dezembro de 2025

Patrimônio imobiliário e cargos públicos: o rastro de imóveis de Alexandre de Moraes




by Deise Brandão

Entre novembro de 2006 e agosto de 2009, um período sensível da carreira pública de Alexandre de Moraes, chama atenção pelo volume e pelo padrão dos negócios imobiliários realizados. Foram oito aquisições, incluindo apartamentos de andar inteiro em bairros nobres, terrenos em condomínio de luxo e propriedade rural, com valores declarados que somam R$ 4,5 milhões à época — sem correção monetária.

O intervalo coincide com sua saída do governo de Geraldo Alckmin, a atuação como conselheiro do Conselho Nacional de Justiça e parte do período em que foi secretário municipal na gestão de Gilberto Kassab. À época, sua renda pública conhecida não explicava, por si, a escalada patrimonial.

Do padrão médio ao alto luxo

Até 2005, Moraes declarava um patrimônio típico de classe média: dois apartamentos (Saúde e Aclimação) e uma casa de fim de semana em São Roque. Havia ainda herança familiar da esposa, Viviane Barci de Moraes, e rendimentos como professor e autor de obras jurídicas.

Em novembro de 2006, porém, ocorre a virada: um apartamento de 332 m², andar inteiro, no Itaim Bibi, por R$ 2,03 milhões (valor declarado). Embora a escritura registre pagamento exclusivo da esposa, um adendo posterior indica que um imóvel do próprio Moraes foi usado para abater R$ 650 mil do preço — contradição documental relevante.

Seis meses depois, em maio de 2007, outro salto: 365 m², também andar inteiro, cinco vagas, no edifício Mansão Tucumã, frente ao Clube Pinheiros. O preço declarado foi R$ 1,82 milhão (cerca de R$ 3,27 milhões corrigidos), enquanto a tabela municipal apontava R$ 4,1 milhões. Em 2014, o imóvel passou para a Lex Estudos Jurídicos, empresa ligada ao ministro.

À época dessas compras, Moraes era conselheiro do CNJ, com salário bruto em torno de R$ 23,2 mil.

Compra, venda e lucro

O apartamento do Itaim foi vendido em julho de 2010 por R$ 3,02 milhões (valor declarado), um lucro de cerca de R$ 1 milhão frente ao preço informado na compra. Na sequência, foi adquirido um imóvel de 217 m² no mesmo bairro, por R$ 850 mil, destinado ao escritório de advocacia.

A sequência na gestão Kassab

Nomeado secretário em agosto de 2007, Moraes acumulou pastas estratégicas (Transportes e Serviços), além de presidir SPTrans e CET. Nesse período, vieram mais seis aquisições:

  • Dez/2007: Aclimação (para a mãe) — R$ 145 mil

  • Fev/2008: Perdizes — R$ 200 mil

  • Jun/2009: Cambuci — R$ 150 mil

  • Jun/2009: dois terrenos em São RoqueR$ 100 mil

  • Ago/2009: 1/3 de sítio em Inimutaba (MG)R$ 40 mil

Os valores declarados, em vários casos, ficaram abaixo do mercado, segundo corretores e referências oficiais.

A casa de campo e os terrenos contíguos

Em São Roque, os dois terrenos de 2009 dobraram a área do lote já existente para 5.000 m², dentro do Patrimônio do Carmo, condomínio de alto padrão com segurança reforçada. Avaliações comparáveis indicam que lotes menores na mesma área foram avaliados entre R$ 150 mil e R$ 200 mil, enquanto um imóvel semelhante, com terreno menor, foi avaliado em R$ 1 milhão em leilão judicial (2016).

As terras em Minas

Em Inimutaba, Moraes adquiriu, com dois magistrados colegas da USP, 40 hectares do Sítio Novo Horizonte. Cada um declarou R$ 40 mil. Corretores locais estimam o hectare entre R$ 10 mil e R$ 12 mil, o que projeta valor total bem acima do declarado.

Um negócio atípico

Durante a gestão Kassab, Moraes vendeu apenas um imóvel: o apartamento da Aclimação (comprado em 1998). Em 2008, foi vendido a Luiz Herrmann Júnior, da Editora Atlas — editora das obras do ministro — por R$ 750 mil. Um mês depois, o comprador revendeu com prejuízo registrado de R$ 150 mil.

Iniciativa privada só depois

A entrada formal de Moraes na iniciativa privada ocorreu após deixar a prefeitura. Seu escritório, rebatizado com o sobrenome da esposa quando assumiu o ministério, passou a se chamar Barci de Moraes Advogados Associados. Reportagem posterior revelou pagamentos milionários recebidos da JHSF, empresa investigada à época.

Por que o tema permanece atual?

Porque o conjunto — volume de aquisições, subavaliações recorrentes, contradições documentais e coincidência temporal com cargos estratégicos — segue levantando perguntas legítimas sobre transparência patrimonial e conflitos de interesse no topo do poder. Atualizar esses fatos é relembrar que patrimônio público e privado não podem caminhar sem escrutínio.


Nota de responsabilidade editorial
Este texto não formula acusações novas nem juízos criminais. A atualização consiste na reorganização cronológica dos fatos, contextualização institucional e análise jornalística a partir de informações previamente publicadas e documentos públicos acessíveis.  Esta matéria tem como base reportagens investigativas já publicadas, documentos públicos e registros oficiais, devidamente atualizados e contextualizados.O conteúdo reflete exclusivamente o trabalho editorial da autora, baseada nas fontes abaixo.

Imprensa
Série de reportagens investigativas (2017–2018), fundamentadas em: matrículas e escrituras imobiliárias,certidões de cartórios de São Paulo e Minas Gerais,entrevistas com corretores de imóveis, tabelas oficiais de avaliação imobiliária,imagens de satélite e plantas de condomínios.

Folha de S.Paulo
Reportagem publicada em outubro de 2017 informando que o escritório Barci de Moraes Advogados Associados recebeu cerca de R$ 4 milhões da empresa JHSF, investigada à época na Operação Acrônimo.

Documentos públicos consultados
Cartórios de Registro de Imóveis
São Paulo (Itaim Bibi, Aclimação, Perdizes, Cambuci)
São Roque (SP)
Inimutaba (MG)

Prefeitura de São Paulo
Tabelas oficiais de IPTU e valores venais
Registros de área construída e dados cadastrais
Leilões judiciais e avaliações públicas
Imóveis e terrenos no condomínio Patrimônio do Carmo (São Roque/SP)
Órgãos e informações institucionais
Conselho Nacional de Justiça
Dados funcionais e remuneração do período em que Alexandre de Moraes atuou como conselheiro.

Prefeitura de São Paulo
Nomeações e cargos exercidos durante a gestão Gilberto Kassab
Atuação nas secretarias municipais e empresas públicas vinculadas.

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