Enviado por Janer @ 8:09 PM
Mas o melhor – ou pior, conforme a ótica – vem adiante. A entrevistadora quer saber se a monogamia é uma experiência tão real quanto a traição. Responde o psicanalista:
As duas formas são construções sociais. O capitalismo trivializou a paixão, fez com que as pessoas se desiludissem em relação ao amor. Isso leva a pensar que as relações sexuais são algo que se compra no mercado só para levar a vida adiante. O capitalismo tenta dissuadir a criação de vínculos reais. E valoriza demais o prazer. E, para a psicanálise, o prazer é sempre um problema. Qualquer pessoa que te venda um prazer fácil está mentindo. Se o que queremos é prazer profundo, com troca entre pessoas, ele será difícil, cheio de conflitos.
Quando alguém condena o capitalismo, ipso facto está afirmando que na outra sociedade – a socialista – as coisas seriam diferentes. A deduzir-se de suas palavras, o amor só existe no mundo socialista. Como se no mundo socialista não houvesse sexo pago. O capitalismo tenta dissuadir a criação de vínculos reais? Mas que vínculos reais existiam no mundo socialista, que priorizava os vínculos com essa entidade abstrata, o Estado? O capitalismo valoriza demais o prazer? Ora, quem não valoriza o prazer? E, afinal, que há de mal em valorizar o prazer? Se para a psicanálise o prazer é um problema, este problema é dos psicanalistas. Phillips conclui suas sandices com uma chave de ouro: “se o que queremos é prazer profundo, com troca entre pessoas, ele será difícil, cheio de conflitos”.
Desde quando o tal de prazer profundo é difícil, cheio de conflitos? E por que há de ser difícil, cheio de conflitos? Adam Phillips é a mais viva demonstração de que, para um psicanalista, toda pessoa tem conflitos. Até mesmo quem tem prazeres profundos. Você está bem consigo mesmo? Não pode ser. Você deve estar cheio de conflitos. Ou então a psicanálise não teria sentido.
A entrevistadora quer saber “do que precisamos, afinal?”
De boas histórias que nos ajudem a viver. As únicas verdades úteis são as que nos ajudam a viver. Num relacionamento, o que você precisa é criar uma história na qual se sinta vivo com a outra pessoa.
Hoje, temos mais opções para criar essa história?
Não sei. A cultura liberal oferece mais escolhas do que havia antes. Mas o capitalismo cria a ilusão de que temos muitas escolhas, quando na verdade temos muito poucas.
Devo ser alguma espécie de monstro moral. Nunca precisei de boas histórias que me ajudassem a viver. Precisei, isto sim, de trabalho, de amigos e amigas. É o que dá algum sentido à vida, a esta vida que em si não tem sentido algum. Não consigo entender o conceito de verdades úteis. Verdade é verdade, seja útil ou inútil. Nunca precisei criar histórias para sentir-me vivo com outra pessoa. A outra pessoa me bastava, sem precisar de qualquer história.
Quanto a afirmar que no capitalismo temos poucas escolhas, isto é bobagem que nem merece ser comentada. No capitalismo, as escolhas são tantas que chegam a atordoar os pobres de espírito. Espanta ver a Folha dar tanto espaço a quem profere tantas bobagens.
PS - Falar nisso, trouxe de Paris dois livros sobre o embuste. Le Crépuscule d’une idole – l’affabulation freudienne, de Michel Onfray, e Le Livre noir de la psychanalyse – vivre, penser et aller mieux sans Freud, de vários autores, coordenados por Catherine Meyer. Provavelmente voltarei ao assunto.
Ou não.
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