A chuva torrencial da madrugada de 12 de janeiro de 2011 provocou deslizamentos e inundações matando ao menos 428 pessoas em Nova Friburgo, município da Região Serrana do Rio de Janeiro. Pela manhã, quando a tempestade cessou, grande parte da cidade estava destruída, e os dias seguintes seriam de muito sofrimento para os 180 mil habitantes. Semanas depois, começou um surto de leptospirose, doença provocada pela urina dos ratos que empesteavam residências, escolas e hospitais. A prefeitura havia recebido R$ 10 milhões do governo federal para ações emergenciais e, com parte desses recursos, contratou uma empresa para eliminar as ratazanas e outras pragas. Os roedores, porém, continuariam a disseminar infecções porque os R$ 400 mil pagos à dedetizadora foram desviados em saques na boca do caixa, entre março e junho de 2011. Por sorte, havia uma espécie de “ratoeira” na agência do Banco do Brasil onde as transações ocorreram. As câmeras de segurança filmaram tudo.
As gravações foram requisitadas ainda em 2011 pela Procuradoria da República, que, dois anos depois da tragédia, ainda investiga os desvios das verbas. Muito da roubalheira já veio à tona, mas as filmagens permaneciam inéditas até agora. As imagens foram apresentadas à Justiça Federal no mês passado, como peça da denúncia criminal contra um grupo de 20 pessoas envolvidas na fraude. ÉPOCA obteve, com exclusividade, os vídeos (assista ao lado) que mostram dois empresários, donos da dedetizadora, entrando no banco, andando de um lado para outro, esperando atendimento e, finalmente, enchendo uma mochila e envelopes com maços e maços de dinheiro. Os dois estavam acompanhados ora do principal assessor do gabinete da prefeitura, ora de um amigo de longa data do então prefeito, Dermeval Barboza (eleito pelo PMDB e hoje no PT do B).
“As imagens são muito eloquentes. Era muito dinheiro, um monte, que botavam numa espécie de saco sem parar. É algo muito chocante, se pensarmos nas carências do país e no que a população de Nova Friburgo sofria naquele momento”, disse o procurador regional da República Rogério Soares do Nascimento. Do total de R$ 10 milhões que Nova Friburgo recebeu do Ministério da Integração Nacional, R$ 3 milhões foram desviados sob o comando do então prefeito, Dermeval Barboza, acusa o procurador Nascimento. Além dos saques, as garfadas ocorreram por meio de fraudes nas licitações, em pagamentos por serviços não prestados e superfaturamento nos preços em vários tipos de obra: da limpeza das ruas à reconstrução de prédios públicos.
O esquema que culminou nos saques começou a ser tramado um dia depois de a tragédia ocorrer. Ainda havia pessoas à espera de socorro, em 13 de janeiro de 2011, quando o empresário Adão de Paula e seu filho Alan Cardeck Miranda de Paula, respectivamente dono e gerente da empresa Cheinara Dedetilar Imunização, procuraram o então prefeito e ofereceram seus serviços. A contratação foi fraudulenta, com a apresentação de orçamentos falsos em nome de uma empresa que não participava da concorrência. Além do mais, a Cheinara não tinha licença ambiental para operar e sua sede não foi localizada no endereço informado à prefeitura. Adão de Paula não era uma figura desconhecida do prefeito, pois trabalhara na clínica de repouso Santa Lúcia, da qual Dermeval é sócio cotista. O empresário também não estava longe da política. Na época, ele presidia com seu filho Alan Cardeck o diretório municipal do partido nanico PSDC.
O esquema que culminou nos saques começou a ser tramado um dia depois de a tragédia ocorrer. Ainda havia pessoas à espera de socorro, em 13 de janeiro de 2011, quando o empresário Adão de Paula e seu filho Alan Cardeck Miranda de Paula, respectivamente dono e gerente da empresa Cheinara Dedetilar Imunização, procuraram o então prefeito e ofereceram seus serviços. A contratação foi fraudulenta, com a apresentação de orçamentos falsos em nome de uma empresa que não participava da concorrência. Além do mais, a Cheinara não tinha licença ambiental para operar e sua sede não foi localizada no endereço informado à prefeitura. Adão de Paula não era uma figura desconhecida do prefeito, pois trabalhara na clínica de repouso Santa Lúcia, da qual Dermeval é sócio cotista. O empresário também não estava longe da política. Na época, ele presidia com seu filho Alan Cardeck o diretório municipal do partido nanico PSDC.
Em vez de fazer transferências eletrônicas para pagar a empresa de dedetização, como seria o normal na administração pública, o prefeito Dermeval emitiu cheques em valores altos para que fossem descontados no banco. Segundo a Procuradoria, foi uma forma de desviar os recursos, pois fica difícil rastrear a destinação final de dinheiro vivo. Dois meses após a contratação da Cheinara, começaram os saques na conta da prefeitura. Às 13 horas e 11 minutos do dia 18 de março de 2011, quando a cidade ainda vivia clima de luto, Adão de Paula entrou no Banco do Brasil. As imagens mostram, a seu lado, Allan Ferreira, amigo do prefeito e filho do gerente de gabinete da prefeitura, Iran Ferreira. No vídeo, Adão e Allan passam pelos caixas e conversam alguns instantes num canto, antes de se sentarem nas poltronas no centro da agência. Um minuto depois, Alan Cardeck, filho de Adão, se reúne aos dois, trazendo uma mochila preta nas costas.
Não demorou muito para o painel anunciar a senha de atendimento. Adão de Paula e o filho se puseram de pé rapidamente, enquanto Allan Ferreira preferiu ficar sentado discretamente nas cadeiras ao fundo. Oito minutos depois, ele finalmente se levantou, falando ao celular, e se juntou aos dois empresários na boca do caixa. Meia hora depois, a funcionária do banco começou a entregar maços de dinheiro que Alan Cardeck calmamente guardava na mochila. Assim se foram R$ 172.100 dos cofres da prefeitura.
ÉPOCA obteve cópias dos depoimentos prestados à Justiça Federal pelos três envolvidos na operação daquele dia. Allan Ferreira apresentou uma explicação pouco convincente. Disse que Alan Cardeck pediu “uma cobertura” para que os clientes do banco não vissem o saque vultoso. O amigão do então prefeito contou que resolveu ficar parado na boca do caixa ao lado dos dois empresários. Assim, segundo ele, os três usariam o corpo para esconder de eventuais curiosos os maços de dinheiro. A versão de Adão de Paula também foi inusitada. Ele argumentou que foi apenas coincidência o encontro com Allan Ferreira na agência, mas a Justiça Federal rechaçou essa tese do acaso ao determinar o afastamento de Dermeval no fim de 2011. O empresário afirmou ainda que resolveu sacar o grande volume de dinheiro por medo de uma iminente greve dos bancários, mas não soube explicar “a destinação dada aos valores recebidos em espécie”, porque é “homem vindo da roça” e não entende nada da parte financeira de seus negócios. Por meio de seu advogado, os empresários disseram que os serviços contratados foram prestados e negaram os desvios.
Não demorou muito para o painel anunciar a senha de atendimento. Adão de Paula e o filho se puseram de pé rapidamente, enquanto Allan Ferreira preferiu ficar sentado discretamente nas cadeiras ao fundo. Oito minutos depois, ele finalmente se levantou, falando ao celular, e se juntou aos dois empresários na boca do caixa. Meia hora depois, a funcionária do banco começou a entregar maços de dinheiro que Alan Cardeck calmamente guardava na mochila. Assim se foram R$ 172.100 dos cofres da prefeitura.
ÉPOCA obteve cópias dos depoimentos prestados à Justiça Federal pelos três envolvidos na operação daquele dia. Allan Ferreira apresentou uma explicação pouco convincente. Disse que Alan Cardeck pediu “uma cobertura” para que os clientes do banco não vissem o saque vultoso. O amigão do então prefeito contou que resolveu ficar parado na boca do caixa ao lado dos dois empresários. Assim, segundo ele, os três usariam o corpo para esconder de eventuais curiosos os maços de dinheiro. A versão de Adão de Paula também foi inusitada. Ele argumentou que foi apenas coincidência o encontro com Allan Ferreira na agência, mas a Justiça Federal rechaçou essa tese do acaso ao determinar o afastamento de Dermeval no fim de 2011. O empresário afirmou ainda que resolveu sacar o grande volume de dinheiro por medo de uma iminente greve dos bancários, mas não soube explicar “a destinação dada aos valores recebidos em espécie”, porque é “homem vindo da roça” e não entende nada da parte financeira de seus negócios. Por meio de seu advogado, os empresários disseram que os serviços contratados foram prestados e negaram os desvios.
Três meses depois, em 22 de junho, ocorreu novo saque na mesma agência bancária, dessa vez com a presença de Iran Ferreira, gerente de gabinete da prefeitura e pai de Allan Ferreira. Em depoimento à Justiça, Iran se define como “uma espécie de vale-tudo” de Dermeval, pois está “sempre quebrando o galho” e levando “recados”. Às 14 horas e 12 minutos, o assessor entrou no banco dando a impressão de que procurava alguém. Ameaçou ir em direção aos caixas, mas recuou e se sentou numa poltrona próxima à entrada. Passado pouco mais de um minuto, Alan Cardeck, que estava na boca do caixa com Adão de Paula encaminhando o saque, veio ao encontro de Iran. O empresário se apoiou na poltrona da frente, inclinou a cabeça e começou a falar ao ouvido do assessor da prefeitura. Depois, os dois se levantaram e trocaram mais algumas palavras com os rostos quase colados. Iran saiu em seguida, e o empresário voltou ao caixa. Minutos depois, Alan Cardeck começou a colocar maços de dinheiro num envelope. Foram R$ 207 mil naquele dia.
Intimados pela Justiça Federal, o empresário e o assessor disseram que se encontraram também por acaso no banco e que a breve conversa era apenas um inocente convite. Alan Cardeck queria que Iran fosse candidato a vereador pelo PSDC. Não explicou por que precisou cochichar a proposta. O circuito de segurança do BB ainda registrou um saque menor, no valor de R$ 29 mil, em maio de 2011, mas a Procuradoria da República não detalhou as circunstâncias.
Em dezembro passado, a Procuradoria da República denunciou Dermeval, seu amigo, seu assessor e os dois empresários por lavagem de dinheiro. Os vídeos das câmeras de segurança foram anexados ao processo como prova contundente contra os acusados. O ex-prefeito responde também por fraude em licitação e corrupção passiva. Se aplicadas as penas máximas, ele pode ser condenado a 27 anos de prisão. Dermeval foi afastado do cargo no fim de 2011, por determinação do juiz federal Eduardo Francisco de Souza. Ele, porém, continuou recebendo salário e lutando na Justiça para voltar à prefeitura, até que as eleições de 2012 sepultaram seu mandato. Nem Dermeval nem seus assessores retornaram as ligações de ÉPOCA para comentar a reportagem.
Em dezembro passado, a Procuradoria da República denunciou Dermeval, seu amigo, seu assessor e os dois empresários por lavagem de dinheiro. Os vídeos das câmeras de segurança foram anexados ao processo como prova contundente contra os acusados. O ex-prefeito responde também por fraude em licitação e corrupção passiva. Se aplicadas as penas máximas, ele pode ser condenado a 27 anos de prisão. Dermeval foi afastado do cargo no fim de 2011, por determinação do juiz federal Eduardo Francisco de Souza. Ele, porém, continuou recebendo salário e lutando na Justiça para voltar à prefeitura, até que as eleições de 2012 sepultaram seu mandato. Nem Dermeval nem seus assessores retornaram as ligações de ÉPOCA para comentar a reportagem.
Os desvios de recursos em Nova Friburgo ajudam a explicar por que todos os anos dezenas de pessoas morrem no Rio de Janeiro e em vários outros Estados do país em decorrência das chuvas. Em Santa Catarina, foram 135 mortes no final de 2008. Na Região Serrana em 2011, as vítimas chegaram a 909, num rastro de destruição de prédios, estradas e pontes. Semanas atrás, uma enchente desabrigou 3 mil pessoas e matou duas em Duque de Caixas, na Baixada Fluminense. Conhecido por sua alegria, o cantor Zeca Pagodinho percorria desconsolado as ruas para socorrer as vítimas no Distrito de Xerém, onde tem uma casa.
O governo federal tem dinheiro em caixa para obras de prevenção aos desastres, mas investe pouco. Em 2012, gastou 35% de uma verba de R$ 5,7 bilhões. Quando ocorrem as tragédias, quantias milionárias são liberadas para os municípios em caráter de emergência. De afogadilho, fica difícil fiscalizar a correta aplicação dos recursos e evitar desvios. É uma fórmula nefasta que combina descaso, incompetência e a mais sórdida e rasteira forma de corrupção envolvendo autoridades públicas que deviam zelar pela vida dos cidadãos.
O governo federal tem dinheiro em caixa para obras de prevenção aos desastres, mas investe pouco. Em 2012, gastou 35% de uma verba de R$ 5,7 bilhões. Quando ocorrem as tragédias, quantias milionárias são liberadas para os municípios em caráter de emergência. De afogadilho, fica difícil fiscalizar a correta aplicação dos recursos e evitar desvios. É uma fórmula nefasta que combina descaso, incompetência e a mais sórdida e rasteira forma de corrupção envolvendo autoridades públicas que deviam zelar pela vida dos cidadãos.
Os vídeos que vieram a público agora, além de indignar, ensejam uma reflexão importante, principalmente neste mês de janeiro, época do ano em que as chuvas costumam destruir cidades. Não resta dúvida de que haverá novas vítimas e que o dinheiro continuará a ser desviado. O governo federal precisa usar de planejamento ao investir na prevenção a catástrofes, repassando o dinheiro em etapas para as prefeituras e com fiscalização rígida. O modelo atual, de liberações emergenciais, é um prato cheio para prefeitos corruptos. No caso de Nova Friburgo, só as ratazanas agradecem a leniência do Poder Público.
by Época
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