segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Era assim. quem viveu, viu e sentiu. by Deise



O Caso dos Generais

Eles fizeram e aconteceram.
Para o bem e o mal.
Agora só querem sossego

Leonel Rocha
Para seus defensores, era Movimento Revolucionário 31 de Março. Para os críticos, Quartelada de 1º de Abril. Os primeiros acham que salvaram o Brasil de uma maré montante esquerdista, perfeitamente visível no governo João Goulart, por meio da qual o país seria irremediavelmente comboiado em direção a um sistema de governo socialista ou, pior ainda, a uma guerra civil. Já os adversários dos militares acham que o mais notável do governo dos fardados é que o Brasil foi privado da democracia e a repressão se instalou no país, chegando às câmaras de tortura, apoiadas por parte da corporação como forma de combater as organizações terroristas. Quinze anos depois do fim da ditadura militar, o que se conclui sobre aquele período é que ele foi uma zona de contradições. Os militares de fato conseguiram modernizar. Construíram estradas, hidrelétricas, estimularam fortemente a indústria nacional. Mas todo o avanço ficou aquém dos sonhos daqueles que dirigiam o país a partir da força de suas estrelas. Os generais remanescentes daquela fase da História nacional ilustram de certa forma aquilo que ficou do regime.
Orlando Brito

Figueiredo em sua última apariçãopública num momento de Glória como Presidente


Durante os últimos dois meses, VEJA conversou com catorze dos mais importantes generais do regime de 64. São homens que estão chegando ou já chegaram à linha dos 80 anos, desligaram-se da vida pública há tempos e, na maioria, vivem de forma reclusa. Há várias notas comuns entre eles, além da farda que vestiram no passado. São pessoas tristes, como tantos velhos. Têm poucos amigos. Seu padrão de vida é bom, mas nenhum deles é rico. São senhores de classe média, o que desmente a impressão comum durante a ditadura de que a Revolução produziu enormes negociatas e alguns chefões militares milionários (e corruptos). Os generais aposentados pensam no regime que ergueram e sustentaram durante 21 anos e são críticos a respeito do que fizeram. Nenhum grupo ou pessoa – nem mesmo o imperador Pedro II – teve tanto poder para realizar um projeto no Brasil. Os militares tiveram tudo. Sufocaram a oposição e tinham um flexível instrumento jurídico, o Ato Institucional nº 5, que os livrava de obedecer à Constituição. Censuravam livros, imprensa, TV, teatro e cinema. Podiam contratar os técnicos que bem entendessem, redigiam seus orçamentos sem nenhum palpite do Congresso e nomeavam governadores como se contratassem capatazes de fazenda.
Tinham dinheiro, pois os empréstimos internacionais eram fáceis e baratos em sua época. Sobretudo, tinham a idéia bem definida de transformar o Brasil numa potência capitalista do primeiro escalão, com influência política internacional. Não conseguiram. Eles imaginavam que seus dotes de quartel, como trabalho duro, objetividade, respeito hierárquico, pensamento lógico, hábito de planejamento, disciplina, espírito de corpo, os qualificariam como gerentes superiores. Erraram. Quando a ditadura se encerrou, em 1985, o Brasil era um país diferente, mais rico, mais moderno, mas estava longe de ser potência política ou econômica. Não por culpa dos civis, mas dos gerentes militares, o país mergulhou a seguir numa de suas piores crises econômicas. Que durou dez anos e, por ironia, só começou a ser resolvida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, forçado ao exílio pela Revolução.
Os generais tiveram muito tempo para pensar. Hoje, quando se conversa com eles, o que se nota é frustração, entre outros sentimentos. A missão que se auto-atribuíram não foi cumprida. Talvez tenham percebido também que não são superiores em nada aos homens comuns. Nem em habilidades profissionais, em questões morais ou em amor pela pátria. É praticamente certo que a auto-imagem dos que governaram durante o regime de 64 foi de alguma forma abalada. E que o isolamento em que esses homens vivem seja em parte justificado pelo fato de que a Revolução não é bem-vista pela maioria esmagadora dos brasileiros. Ao deixar o poder, o último presidente militar, João Baptista de Oliveira Figueiredo, disse uma frase grosseira, bem ao seu estilo de cavalariano. "Quero que me esqueçam", afirmou Figueiredo quando um jornalista lhe perguntou que mensagem gostaria de passar aos brasileiros na hora em que se afastava da Presidência. Por ironia, as pessoas estão mesmo esquecendo as coisas boas que o regime militar fez. Mas as coisas más continuam vivas. Fala-se no milagre econômico dos anos 70 como uma preparação da crise econômica que viria, um prelúdio do desastre. Lembra-se dos mortos, torturados e desaparecidos. Há a lembrança, correta, de que muitos militares abusaram da farda para conseguir emprego, furar fila e estacionar o carro em lugar proibido.
Entende-se, por tudo isso, que essa gente se tenha recolhido. E que muitos dos que foram poderosos há vinte ou trinta anos cheguem agora aos 80 anos com pontos de drama em sua vida. O primeiro presidente do ciclo de 64 foi o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, um oficial intelectualizado que governou por pouco menos de três anos. Naquele tempo, até os militares achavam que sua intervenção seria passageira. Castello Branco morreu quatro meses depois de afastar-se do governo, em um acidente aéreo. O último presidente, o general Figueiredo, uma pessoa carrancuda, mais chegada a cavalos de raça do que a livros, governou seis anos, numa época em que já não havia razão, ou sentido, para um governo militar. A Guerra Fria estava terminando e o Brasil tinha perdido todo o empuxo econômico.
João Figueiredo fará 82 anos em janeiro e é um homem muito doente. Começa a esquecer pessoas e fatos. Raramente sai de seu apartamento no luxuoso condomínio Praia Guinle, em São Conrado, no Rio de Janeiro, onde vive com a mulher, Dulce, na companhia de alguns seguranças e enfermeiras. Só recebe visitas dos filhos Paulo e João ou do irmão Diogo, também general da reserva. O general sempre levanta por volta das 8 da manhã. Já não pode ler ou escrever. De manhã, ele mata o tempo assistindo à TV, esperando a hora do almoço. Um segurança lhe faz a barba apenas duas ou três vezes por semana. Almoça sempre um prato leve preparado pela mulher e, no começo da tarde, volta a dormir. Até os passeios de carro que fazia à tarde na orla do Rio entre os bairros de São Conrado e a Barra escassearam.
Em nada se parece com o homem atlético que montava cavalo, fazia ginástica e posava de sunga para fotografias à beira da piscina. Sua hérnia de disco, que adquiriu na prática da equitação, limita seus movimentos. Ele só caminha amparado por um segurança ou um enfermeiro. Perdeu 70% da visão. Sofre de incontinência urinária. Seus rins não funcionam bem e toda noite, enquanto dorme, se submete a hemodiálise peridural, o que o obriga a permanecer com um cateter preso ao ventre durante o dia. Há duas semanas, foi internado pela segunda vez neste ano na Casa de Saúde São José, no Rio, para uma bateria de exames. No quarto 815 do hospital, poucos foram visitá-lo. Apenas o irmão Diogo, os filhos, a mulher e dois ou três amigos. O general está só. Está esquecido, como havia pedido aos brasileiros.
Em vários sentidos, o sofrimento do ex-presidente comove. Figueiredo foi um bom oficial, nunca teve jeito para ditador, de certa maneira é um homem modesto, teve a ambição de ser querido pelas pessoas e, afinal, entregou o governo a um civil (Tancredo Neves) que lhe fazia oposição. Pôs fim à ditadura que ajudou a criar e saiu de cena. Faltavam-lhe vocação e legitimidade para exercer a Presidência. Além disso, para alguém com sua responsabilidade, foi um péssimo fazedor de frases. Certa vez disse que preferia o cheiro de cavalos ao do povo. De outra, falou que "quem não quiser a abertura, eu prendo e arrebento". Essas frases, evidentemente, não poderiam ser tomadas em seu sentido literal. Mas foram ditas num momento em que os brasileiros sofriam com o fracasso econômico e simplesmente não suportavam mais os governos militares.
Era inevitável que tivesse saído do governo como saiu, sem um pingo de prestígio político, sem nenhum reconhecimento. São impressionantes as coisas que acontecem atualmente com o homem que atingiu o topo da casta militar e governou o país por tanto tempo. Há dois anos, desesperado com o problema da hérnia, apelou para o curandeirismo. Submeteu-se a uma cirurgia espiritual, feita por um médium que diz incorporar o espírito do "Doutor Fritz", o mesmo que movia o falecido Zé Arigó. Não adiantou. O general também está com problemas financeiros. Há pelo menos quatro anos tenta vender uma propriedade que possui em Petrópolis, o Sítio do Dragão, mas não acha comprador. Já vendeu objetos de valor ganhos na época em que era presidente da República e aceitou doações de amigos para pagar o tratamento médico. Figueiredo recebe aposentadoria do Exército de 6.000 reais por mês, além da de ex-presidente, de 8.500. Ele se trata por um plano de saúde privado e quer distância dos hospitais públicos, que não considera confiáveis.
A última aparição pública de Figueiredo ocorreu há quatro meses. A convite de quinze amigos, o ex-presidente almoçou na churrascaria Oásis, no Rio, perto de onde mora. Estavam lá alguns de seus antigos colaboradores, como os ex-ministros Nestor Jost, da Agricultura, Alfredo Karam, da Marinha, e Ernane Galvêas, da Fazenda, e o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Gil Macieira. Ele não deixará nenhum testemunho sobre sua vida. Há pouco tempo, os amigos Antonio de Oliveira Santos, presidente da Confederação Nacional do Comércio, e Ernane Galvêas tentaram convencê-lo a gravar um depoimento sobre o tempo em que ficou no governo. Ele concordou, chegou a gravar algumas fitas, mas desistiu e destruiu todo o material que tinha gravado. "Agora não há mais tempo. Ele começou a se esquecer de coisas", disse Galvêas.
Como fato histórico, o movimento militar de 64 é uma conta ainda não encerrada. A seu respeito, muitas coisas precisam ser pesquisadas e esclarecidas pelos historiadores. E, por sua proximidade no tempo – a maioria de seus protagonistas ainda vive – , é difícil julgar isso e aquilo com isenção. Mas algumas coisas podem ser afirmadas com certeza. Os militares brasileiros sempre se julgaram possuidores do direito de tolerar ou vetar atos políticos praticados pelos paisanos. Vetaram e exilaram o imperador em 1889. Deram um fim à República Velha em 1930, trocando o presidente eleito, Júlio Prestes, pelo candidato derrotado, Getúlio Vargas. Depuseram o ditador Getúlio, em 1945, e contribuíram ativamente para o fim de seu segundo governo, este eleito democraticamente, em 1954. Atazanaram a vida dos presidentes civis que se seguiram. Mas foi só no ambiente de radicalização política da época de João Goulart que os militares mudaram a prática.
Em 1964, decidiram não apenas substituir um paisano por outro. Eles próprios assumiram o comando. Em contraste com o que veio depois, o marechal Castello Branco foi um brando reformador. Do ponto de vista econômico, suas reformas foram boas. Em seu governo foi criado o Banco Central, o mercado aberto para os títulos públicos e o Banco Nacional da Habitação, o BNH. A inflação foi controlada. Segundo historiadores, Castello pretendia promover eleições diretas após a intervenção. Só que era uma época de divisão aguda entre capitalismo e comunismo e a guerra entre as duas correntes se dava tanto nas selvas do Vietnã quanto nas ruas de Paris. Os militares ficaram, com uma diferença. Além de financiar empresas, fortalecer estatais, tomar empréstimos externos para estimular o desenvolvimento econômico, iriam também surrar a oposição. De várias maneiras. Nos casos mais simples, cassando os direitos políticos dos opositores ou decretando sua aposentadoria nos cargos públicos. Nos casos mais graves, sua ala mais radical prendeu, torturou, matou.
É pela marca da linha dura que se conhecerá o período de sete anos durante o qual governaram dois outros militares, o marechal Artur da Costa e Silva (que morreu de trombose em 1969) e o general Emílio Garrastazu Médici, falecido em 1985. O sucessor de Médici foi Ernesto Geisel, pertencente a uma outra família – esta disposta a acabar com a tortura e iniciar a distensão política. Como queria Geisel, a abertura política seria lenta. Foi lentíssima. Durou dez anos. Na forma e na prática, a ditadura de 64 foi diferente de outras que se espalharam pelo mundo. Nenhum de seus chefes quis permanecer indefinidamente no Planalto. Davam ao seu revezamento uma aparência de legitimidade – eram empossados pelo voto de um colégio eleitoral. O Congresso foi fechado, mas por períodos breves. Os políticos de oposição podiam ao menos fazer discursos, embora se arriscassem a perder o mandato. Os militares que torturaram não foram punidos e a probabilidade é de que nunca se saiba quem eram e quantos eram. Mas também não subiram na carreira. A tortura e o assassinato não foram digeridos entre os colegas de arma e é compreensível que muitos se envergonhem até hoje dessa mancha.
A revolução perdeu o rumo econômico na segunda metade da década de 70. Por essa época, investimentos pesados já estavam feitos na infra-estrutura do país (nos setores de energia e de telecomunicações, por exemplo) e a indústria leve, de consumo, estava suficientemente preparada para uma abertura econômica. A prudência recomendava essa abertura, assim como a contenção dos gastos públicos, para evitar a inflação, e do endividamento externo. Mas para que frear a máquina, se ela estava correndo, dava empregos, exibia progressos – e tudo isso escondia a falta de eleições e todos os outros defeitos revolucionários? Economicamente, o regime de 64 encerrou-se em 1981, com a crise da dívida. Politicamente, foi liquidado em 1982, com a primeira eleição direta para governadores. Os militares nunca fizeram questão de adular eleitores. Figueiredo foi o único que tentou, e não conseguiu. Desprezavam os políticos tradicionais. Por isso não podiam mesmo voltar à política nos braços do povo, como aconteceu com Getúlio. Restou-lhes tempo e o sofá de casa, para reflexão. UEIREDO

O general João Baptista Figueiredo assumiu a Presidência em 15 de março de 1979. Logo no início de seu governo, enfrentou os resultados do fim do "milagre econômico". A taxa de crescimento do PIB caiu rapidamente, chegando a -4% em 1983. A crise econômica significava também o desemprego e a queda do poder aquisitivo dos salários, comprometidos pela inflação.

De 1979 a 1981, ocorreram movimentos grevistas em todo o país, envolvendo milhares de trabalhadores de várias categorias, que reivindicavam melhores salários. O governo federal reprimiu esses movimentos, intervindo em sindicatos, destituindo suas diretorias e prendendo seus integrantes. Em agosto de 1981, as lideranças sindicais se reuniram na primeira Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), na tentativa de organizar o movimento sindical em âmbito nacional. Dois anos mais tarde foi criado a CUT (Central Única dos Trabalhadores), que, apesar de no início não ser reconhecida oficialmente, representava uma grande parcela dos trabalhadores brasileiros.

A recessão econômica aprofundava a insatisfação popular com relação ao sistema político. O presidente Figueiredo deu prosseguimento à política de "abertura" e deixou as claras suas intenções logo no início do seu governo, declarando "Juro que farei deste país uma democracia". No seu governo foram dados os passos importantes nessa direção, mas sempre sob o controle do poder central.

Em agosto de 1979 foi assinada a Lei da Anistia, suspendendo as penalidades impostas aos opositores do regime militar. Assim, foram libertados os últimos presos políticos e os exilados puderam voltar ao Brasil. Ampla e irrestrita, a Lei da Anistia garantiu, por outro lado, o esquecimento dos crimes cometidos contra as oposições nos anos anteriores. Ainda em 1979, dando continuidade ao processo de "abertura" política, o governo extinguiu o bipartidarismo. No lugar da Arena e do MDB, organizaram-se cinco partidos:

* Partido Democrático Social (PDS), reunindo a maioria dos integrantes da antiga Arena;

* Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), sucessor do MDB; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que reivindicava a herança do trabalhismo de Getúlio Vargas juntamente com o Partido Democrático Trabalhista (PDT);

* Partido dos Trabalhadores (PT), de tendência socialista, que reunia os setores ligados ao movimento sindical que se reorganizava desde 1978.

Um sexto partido, o Partido Popular, formado por dissidentes da Arena, teve curta duração e integrou-se ao PMDB.

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