Quando pensamos em cores, imaginamos fogo, sangue, paixão, calor. Mas, em português, a palavra que nomeia tudo isso — vermelho — não nasceu do fogo nem do sangue.
by Deise Brandão
Nasceu de um bicho.
Enquanto quase todas as línguas europeias seguiram o caminho do latim ruber (origem de rojo, rosso, rouge, rubro), o português tomou uma rota diferente e profundamente material: escolheu nomear a cor com base no corante extraído de um inseto.
A nossa palavra “vermelho” vem de:vermiculus → “pequeno verme” → cochonilha.
Esses pequenos insetos, esmagados desde a Antiguidade, produzem um pigmento intenso, o carmim, usado para tingir tecidos, mantos reais, arte sacra e roupas de alto prestígio.
O corante era tão marcante — e tão valioso — que acabou vencendo a disputa lexical.
Em vez de chamar a cor pelo nome clássico (ruber), o português a associou ao material que de fato produzia o vermelho mais vivo da época.
É uma escolha linguística rara: dar nome à cor pela sua origem, e não pela sua aparência.
VERMELHO: a cor que chega pelo tato, não pelos olhos
O curioso é que, por muito tempo, “vermelho” não descrevia exatamente o que hoje chamamos de vermelho.
O termo podia se aproximar de tons escuros, profundos, às vezes até tocar o que chamamos de púrpura.
O vocabulário português medieval ainda preferia “rubro”, “encarnado”, “purpúreo”.
Com o avanço do comércio de pigmentos, o carmim tornou-se dominante.
E a palavra ligada ao inseto — vermiculus — acabou vencendo o uso cotidiano.
A língua seguiu o caminho concreto:
não o fogo, não o sangue, não a abstração,mas a matéria-prima.
Enquanto isso, no resto da Europa…
As demais línguas europeias ficaram no sistema clássico:rosso (italiano),rojo (espanhol),rouge (francês),rot (alemão, com raiz semelhante), red (inglês, influenciado pelo germânico e pelo latim)
Todas conectadas ao mesmo conceito antigo: ruber, o vermelho brilhante, visível, solar.
O português não.
O português olhou para o chão, não para o céu.
O nosso vermelho tem corpo, tem cheiro, tem peso.
É fruto de um trabalho manual: esmagar insetos para extrair cor.
A lição oculta na palavra
“Vermelho” nos lembra que a língua não nasce de ideias abstratas.
Ela nasce da vida real: das mãos que esmagam o pigmento, dos tecidos tingidos, do comércio, do ofício.
É a cor que não vem de um símbolo — vem de um processo.
A cor que não vem do brilho — vem do esforço.
A cor que não nasce da imagem — nasce da matéria.
Em português, o vermelho é a cor da origem física.
É a cor que sangra, mas não do corpo humano — da cochonilha.
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