quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Max Altman: Ao povo soberano da Venezuela caberá a última palavra


A Folha de S. Paulo desta terça-feira, 8 de janeiro de 2013, trombeteia em sua principal manchete: “Brasil dá apoio a manobra que adia a posse de Chávez”. É mais um típico exemplo de desinformação, manipulação e distorção da grande mídia.


Por Max Altman*, no Opera Mundi


Agência Brasil
Venezuela
Presidente Hugo Chávez está em Havana onde se recupera de uma cirurgia para a retirada de um câncer na região pélvica
O que a Folha considera manobra é o governo Dilma defender o adiamento da posse do presidente venezuelano Hugo Chávez, prevista para esta quinta-feira (10), e a manutenção do atual vice Nicolás Maduro no cargo por até 180 dias. O jornal deixa transparecer ao leitor menos avisado, de maneira falaciosa, que os 180 dias sugeridos correspondem a uma manobra e que esse prazo não passa de chute. 



Na página principal do caderno Mundo, o jornal traça, a seu modo, panoramas para a Venezuela, expõe o que diz a Carta da Venezuela, o que dizem os chavistas, o que diz a oposição, o que diz a cláusula democrática do Mercosul e o que diz o Brasil, mas em nenhum momento menciona ou transcreve, ou seja, esconde o art. 234 da Constituição da Venezuela que fundamenta a posição brasileira: “Art. 234 : As faltas temporárias do presidente ou presidenta da República serão supridas pelo vice-presidente executivo ou vice-presidenta executiva até por 90 dias prorrogáveis por decisão da Assembleia Nacional por 90 dias mais.

Se uma falta temporária se prolongar por mais de 90 dias consecutivos, a Assembleia Nacional decidirá por maioria de seus integrantes se deve considerar-se que há falta absoluta”.

Em que circunstâncias se dá a falta absoluta, o que obriga a convocar novas eleições, dependendo do caso? A resposta está no “Art. 233 : Serão faltas absolutas do presidente ou presidenta da República: sua morte, sua renúncia, ou sua destituição decretada por sentença do Tribunal Supremo de Justiça; sua incapacidade física ou mental permanente certificada por uma junta médica designada pelo Tribunal Supremo de Justiça e com aprovação da Assembleia Nacional; o abandono do cargo, declarado como tal pela Assembleia Nacional, assim como a revogação popular de seu mandato. 

Quando se produzir a falta absoluta do presidente eleito ou presidenta eleita antes de tomar posse, se procederá a uma nova eleição universal, direta e secreta dentro dos 30 dias consecutivos seguintes. Enquanto se elege e toma posse o novo presidente ou a nova presidenta, se encarregará da Presidência da República o presidente ou presidenta da Assembleia Nacional. 

Se a falta absoluta do presidente ou presidenta da República se produzir durante os primeiros quatro anos do período constitucional, se procederá a uma nova eleição universal, direta e secreta dentro dos 30 dias consecutivos seguintes. Enquanto se elege e toma posse o novo presidente ou a nova presidenta, se encarregará da Presidência da República o vice-presidente executivo ou a vice-presidenta executiva.

Nos casos anteriores, o novo presidente ou presidenta completará o período constitucional correspondente. 

Se a falta absoluta se produzir durante os últimos dois anos do período constitucional, o vice-presidente executivo ou a vice-presidenta executiva assumirá a Presidência da República até completar dito período”.

A oposição, apoiada freneticamente pela mídia local e internacional, insiste em que no dia 10 de janeiro encerra-se um período constitucional e começa outro. Encerrado o período deixam automaticamente de exercer suas funções o vice-presidente, Maduro, e todos os ministros designados anteriormente por Chávez. Se não houver posse do presidente eleito em 7 de outubro, sobrevem um vazio de poder. E para que não haja vazio ele só pode ser preenchido pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello. Alardeia a oposição que se em 10 de janeiro não ocorrer o juramento do presidente e não forem ativadas as disposições constitucionais relacionadas com a falta temporária do presidente da República, será consumada uma grave violação à ordem constitucional na Venezuela que afetará a essência da democracia. Ora como se viu acima, as disposições constitucionais relativas à falta temporária falam que esta será suprida pelo vice-presidente. E como o vice-presidente é nomeado pelo presidente e, segundo a oposição, suas funções se extinguem com o encerramento do período constitucional anterior, é o presidente da Assembleia Nacional, para que não haja vazio de poder, quem deve assumir. É aí que reside o golpe. Se o presidente da Assembleia assumir fica configurada a falta absoluta e ele deve obrigatoriamente convocar novas eleições em 30 dias. A oposição, derrotada em 7 de outubro e depois em 16 de dezembro, espera a revanche, agora sem a presença de Hugo Chávez.

E por quê Marco Aurélio Garcia sustenta que Nicolás Maduro deve responder pelo governo no período sugerido de 90 dias mais 90? Ele o faz apoiado na realidade de que há um processo de continuidade. O presidente eleito em 7 de outubro de 2012 é o mesmo que vinha exercendo o cargo, de modo que não há descontinuidade. Trata-se do mesmo presidente e de todos os seus auxiliares designados. Nesse caso concreto a posse e o juramento passam a ser uma formalidade que pode ser suprida quando o presidente eleito puder fazê-lo. A cirurgia de Chávez e a sua impossibilidade de tomar posse e jurar no dia 10 de janeiro é um motivo superveniente de que trata o “Art. 231: O candidato eleito ou a candidata eleita tomará posse do cargo de presidente ou presidenta da República em 10 de janeiro do primeiro ano de seu período constitucional, mediante juramento ante a Assembleia Nacional. Se por qualquer motivo superveniente o presidente ou presidenta da República não puder tomar posse ante a Assembleia Nacional, o fará ante o Tribunal Supremo de Justiça”.

A Constituição não estabelece prazo para que o fato superveniente possa ser superado. O limite está exatamente naqueles 90 mais 90 dias.

O colunista Clovis Rossi, na mesma edição do jornal, interpreta a seu talante esse artigo. Diz que “a data é fixa e inamovível. Móvel pode ser apenas o local de juramento. Qualquer outra interpretação é chicana política”. Imaginem o caso de um presidente venezuelano eleito que, estando no exterior, embarca no dia 9 de janeiro para poder estar presente nesse “inamovível” dia 10. O avião em virtude de mau tempo se vê impedido de levantar vôo e esse mau tempo perdura por mais 24 horas, tornando impossível sua presença nesse dia “inamovível”. O que acontece? Perde o lugar?

Todos os artigos acima citados são fundamentais mas dizem respeito apenas ao mecanismo de posse e das faltas temporária e absoluta. Somente periódica e eventualmente a eles se lança mão.

Permanente, cláusula pétrea e essência da democracia é o que dispõe o “Art 5º: A soberania reside intransferivelmente no povo, quem a exerce diretamente na forma prevista nesta Constituição e na lei, e indiretamente, mediante o sufrágio, pelos órgãos que exercem o Poder Público. 

Os órgãos do Estado emanam da soberania popular e a ela estão submetidos”.

Em 7 de outubro de 2012, o povo venezuelano, mediante sufrágio universal, direto e secreto, além de limpo, justo, democrático e concorrido, elegeu como seu presidente, pela terceira vez, Hugo Chávez. Mas não elegeu apenas Chávez, sufragou também um plano amplamente divulgado e debatido, o “Plano Socialista da Nação – 2013-2019”, programa histórico de cinco objetivos fundamentais, que tem por lema ‘desenvolvimento, progresso, independência, socialismo’.

É ao povo soberano que caberá a última palavra.

*Max Altman é jornalista


by http://www.vermelho.org.br


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