Na década de 1980, Cacilda Guedes de Andrades serviu cafezinho para políticos, artistas, reis e presidentes no apartamento do ex-governador Leonel Brizola no Rio
Foto: Marcelo Oliveira / Agencia RBS
Eduardo Rodrigues
Governanta relembra momentos que presenciou ao conviver com Brizola
Na década de 1980, Cacilda Guedes de Andrades serviu cafezinho para políticos, artistas, reis e presidentes no apartamento do ex-governador Leonel Brizola no Rio. Aos 89 anos e moradora de Taquara, Cacilda conserva retrato de Brizola.
Ela foi testemunha de célebres encontros num amplo e famoso apartamento de Copacabana, no Rio. Encontros que poderiam ter mudado a história do Brasil.
Com um sorriso acolhedor, Cacilda Guedes de Andrades recepcionou caciques políticos e líderes da esquerda em ascensão. Homens de terno e gravata que depois se tornariam figuras marcantes no cenário nacional.
Brizola com o deputado federal Miro Teixeira: pausa para o famoso café
Foto: Arquivo pessoal
Enquanto eles festejavam a anistia e discutiam a redemocratização do país, num ambiente regado a café e sonhos de mudança, ela esquentava água na cozinha de uma das residências mais movimentadas da Avenida Atlântica na década de 1980.
Cacilda, hoje com 89 anos, foi governanta de Leonel Brizola e Neusa Goulart Brizola durante oito anos no Rio. Entre 1980 e 1988, a simpática senhora de cabelos brancos serviu políticos, artistas, reis e presidentes. Conheceu Lula antes da consagração e madrugou para atender os pedidos de café do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) durante a conclusão do projeto do Sambódromo.
O príncipe Charles e a princesa Diana também se renderam ao pretinho saboroso feito à moda antiga. Até hoje Cacilda passa o café no coador de pano.
— Foi muito gostoso para mim. Conheci tanta gente importante que ia lá conversar com o doutor Brizola. Eu sempre os recebia na porta e depois servia o cafezinho — lembra.
Único filho vivo de Brizola, o engenheiro João Otávio, 60 anos, lembra dela com gratidão:
— Temos o maior carinho por ela, é uma pessoa fabulosa. Ajudou muito meu pai e minha mãe na volta do exílio.
Cacilda mora com a família numa casa de madeira no tranquilo bairro Jardim do Prado, em Taquara, a 72 quilômetros da Capital. A última vez em que viu o antigo patrão foi no aniversário de 80 anos dela, em 8 de abril de 2004. Ao levantar os olhos e avistar a velhinha que o aguardava na porta do carro, Brizola afirmou surpreso:
— Dona Cacilda, mas é a senhora. Olha, eu quero que tu voltes para lá!
Dois meses e 13 dias depois, Brizola morreria aos 82 anos. Naquele 21 de junho de 2004, parte da história de dona Cacilda se foi também. Mas na memória da governanta, o ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro continua vivo em fotos, lembranças e histórias.
Confira momentos em que Cacilda serviu autoridades na casa de Leonel Brizola:
O dia em que ela dobrou o rei
Embora não revele o segredo, o cafezinho que Cacilda faz alongou muitas conversas de políticos, foi fundamental na costura de acordos, recebeu elogios das realezas espanhola e inglesa e até dobrou a resistência inicial de um rei nacional, Pelé.
— Pelé me cumprimentou, mas a princípio não queria. Quando retornei com a bandeja para servi-los, Brizola disse:
— Toma, que esse da dona Cacilda tu vais gostar.
Figura polêmica, o cantor e ex-deputado federal Agnaldo Timóteo entrava cantando no apartamento, lembra ela.
Lula, quem diria, não deixou boa impressão
De Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Darcy Ribeiro a Doutel de Andrade e Marcelo Alencar, líderes da política brasileira se reuniam nos salões de sofás e poltronas confortáveis. O então líder sindical e fundador do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, esteve algumas vezes no apartamento de Brizola. Mas o futuro presidente da República não deixou boa impressão.
— Ele entrou e não me cumprimentou, me tratou como se fosse um animalzinho — recorda a governanta.
Realeza, aqui tem café no bule!
Era difícil guardar o nome de tanta gente, mas alguns dona Cacilda jamais esquecerá. O rei Juan Carlos e a rainha Sofia, da Espanha, e o príncipe Charles e a princesa Diana, da Inglaterra, também provaram do famoso café. E gostaram.
Sempre discreta, Cacilda trazia o pretinho na quentura certa em xícaras ordenadas harmoniosamente na bandeja. O aroma ficava no ar:
— Apenas servi, não falei com eles, mas acho que gostaram — diz.
Mitterrand, Fidel Castro, Mário Soares...
Presidente de honra da Internacional Socialista, Brizola vez por outra recebia chefes de Estado, como François Mitterrand, da França, Fidel Castro, de Cuba, e Mário Soares, de Portugal.
A presença de presidentes de nações importantes na residência do casal também ficou gravada na memória da governanta. A ponto de anos depois, em casa, ao lado da família em Taquara, ela reconhecer uma autoridade sempre que esta aparecia no noticiário da TV.
— Ela olhava e dizia: "Aquele ali esteve lá em casa" — afirma a nora, Laura Fagundes.
Niemeyer e as curvas do Sambódromo
No meio da conversa, dona Cacilda declara: "Eu também ajudei a construir o Sambódromo". Mas logo ela se apressa em explicar como contribuiu para o surgimento do símbolo do Carnaval carioca.
— Brizola e a equipe dos arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa passavam madrugadas debruçados sobre o projeto. Então eu não podia dormir. Ficava em pé, encostada na parede da cozinha. Lá pelas duas, três horas da manhã, Brizola pedia mais cafezinho — conta.
by Zero Hora
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