domingo, 6 de julho de 2014

O maior prejudicado até agora pelas denúncias contra a Petrobras


A história do homem que ganhou um contrato de R$ 443 milhões com a Petrobras, foi cercado de benesses, perdeu tudo e hoje anda de ônibus

DIEGO ESCOSTEGUY
04/07/2014

DIFERENTE Vladimir Magalhães, sócio da Ecoglobal. Ao contrário dos outros investigados poderosos, ele não  fugiu nem se escondeu.  Foi o único cujo contrato, considerado suspeito, foi cancelado pela Petrobras (Foto: Andre Arruda/ÉPOCA)
Às 6 e meia da manhã do dia 11 de abril, o engenheiro carioca Vladimir Magalhães acordou com a Polícia Federal à sua porta, num apartamento de classe média em Copacabana, no Rio de Janeiro. Vladimir é um senhor de 67 anos. Mora com a mulher e a filha. Os policiais cumpriam mandados da Operação Lava Jato. Estavam atrás de documentos que ligassem a empresa de Vladimir, a Ecoglobal, ao esquema liderado pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef. Tinham ordens de levar Vladimir para depor. Também foram à sede da Ecoglobal no Rio e à filial da empresa em Macaé, onde a Petrobras concentra boa parte de suas operações de exploração de petróleo. Acabaram indo até a Petrobras, como logo se soube, para espanto do país. “Podem vasculhar à vontade”, disse Vladimir, tentando acalmar a família. Estava irritado, mas compreendia por que os policiais estavam lá.
Semanas antes, a PF descobrira um documento suspeito num dos endereços do doleiro Youssef. Era uma proposta de sociedade, assinada em setembro do ano passado, entre a Ecoglobal de Vladimir e empresas de laranjas de Youssef e Paulo Roberto. Pelo documento, Youssef e Paulo Roberto poderiam se tornar sócios da Ecoglobal, que vencera meses antes uma licitação para prestar serviços altamente especializados à Petrobras. Era um contrato de R$ 443 milhões por quatro anos. Ao lado da proposta, a PF encontrou balanços da Ecoglobal, além de outros documentos internos. Os investigadores haviam, ainda, interceptado e-mails sobre as negociações dessa proposta, trocados entre pessoas próximas a Vladimir e, posteriormente, reenviados a Youssef. Somados, os documentos sugeriam uma sociedade oculta entre a turma de Paulo Roberto e a empresa de Vladimir.
Havia, portanto, razões consistentes para as buscas. Vladimir foi à PF e disse que não conhecia Youssef e Paulo Roberto. Admitiu que conhecia dois personagens capitais no enredo da Operação Lava Jato: Pedro Storti e Marcos Lauria, amigos de Paulo Roberto com influência na Petrobras. A dupla tinha negócios na estatal e se aproximara de Vladimir quando a Ecoglobal conquistara o contrato de R$ 443 milhões. Vladimir teria pouco mais de um ano para levantar o dinheiro necessário para subcontratar fornecedores e importar peças. No jargão dos grandes contratos da Petrobras, é o “período de mobilização”. À PF, Vladimir disse que Storti e Lauria queriam virar sócios na Ecoglobal e ajudar na capitalização da empresa. Disse ainda que, quando descobriu que Youssef estava por trás da proposta de setembro de 2013, desistiu do negócio.
Naqueles dias de abril, em que se descobriam evidências fortes de envolvimento de dezenas de empreiteiras e multinacionais no esquema de Paulo Roberto, o comportamento de Vladimir destoou. Ele não se escondeu. Não contratou advogados. Foi ao Jornal Nacional dizer que era honesto e nada fizera de errado. Nenhuma outra empresa ou executivo fizera algo semelhante. O comportamento da Petrobras com Vladimir também destoou. Há semanas, ela cancelou o contrato de R$ 443 milhões com a Ecoglobal, sem dar maiores explicações. Seria um exemplo de rigor diante das suspeitas da PF. Seria, não fosse um fato: a Petrobras cancelou apenas o contrato da Ecoglobal. Não cancelou os contratos das empreiteiras e gigantes do petróleo sobre as quais pesam evidências mais fortes de corrupção.
Vladimir contara à PF e à imprensa apenas o que legalmente podia. Uma cláusula de confidencialidade o obrigava a não revelar quem eram, na verdade, todos os seus parceiros na Ecoglobal. Agora, meses depois, destruído financeira e emocionalmente, resolveu contar a ÉPOCA tudo o que afirma saber. Apresentou dezenas de documentos. Os papéis, em larga medida, corroboram suas palavras. Revelam que, se o caso da Ecoglobal precisa ser investigado, Vladimir não é o único obrigado a dar explicações. Não há evidências, até o momento, de que Paulo Roberto ou Youssef fossem seus sócios na Ecoglobal. Mas sobram provas de que, no dia em que a PF o acordou em Copacabana, seus parceiros na empresa eram uma constelação de renomados executivos, grandes bancos e os maiores fundos de pensão do Brasil. Entre eles: Rodolfo Landim, ex-diretor da Petrobras; Demian Fiocca, ex-presidente do BNDES e amigo do ministro da Fazenda, Guido Mantega; a Caixa Econômica Federal e o banco Santander; e Previ, Funcef e Petros, sem contar outros quatro fundos de pensão. Todos haviam se comprometido a investir na Ecoglobal. Todos haviam assinado com Vladimir o mesmo tipo de proposta que levara a PF à porta dele. E haviam assinado a proposta também com Storti e Lauria, a dupla ligada a Paulo Roberto. A constelação já ajudava a tocar a empresa e havia até um codinome para o negócio: “Projeto Vermelho”.
 
PROJETO Rodolfo Landim,  ex-diretor da Petrobras.  Ele era sócio de Vladimir  e buscava recursos para a Ecoglobal. Depois, sumiu (Foto: Fábio Motta/Estadão Conteúdo)
Rodolfo Landim,  ex-diretor da Petrobras.  Ele era sócio de Vladimir  e buscava recursos para a Ecoglobal. Depois, sumiu (Foto: reprodução)
“Projeto Vermelho” era um chiste com o passado de Vladimir. Na juventude, ele pegara em armas contra a ditadura. Considerava-se marxista, até que viu um amigo ser morto pela polícia política. Sobreviveu incólume, ao menos fisicamente, a uma semana de prisão nos porões. Fez carreira na Eletrobras. Há 20 anos, após se aposentar, resolveu aprender algo novo. Virou capitalista. Nascia o embrião da Ecoglobal, uma empresa que começou modesta. Prestava pequenos serviços de limpeza de detritos nas plataformas. Nacionalista, orgulhava-se de descobrir pequenas empresas de tecnologia estrangeiras, com quem fazia intercâmbios, e de adaptar o que aprendia  às necessidades da Petrobras.
Aos poucos, Vladimir conquistava mais contratos e tentava entrar na área de exploração e produção, a mais lucrativa e concorrida da indústria do petróleo.  É aquela área que, como uma vez definiu o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, quando tentava indicar um afilhado para a Petrobras, “fura poço e acha petróleo”. No Brasil, nossos valiosos hidrocarbonetos estão em águas profundas. Isso torna ainda mais cara para a Petrobras – e rentável para os fornecedores – a tarefa de furar poço e achar petróleo. Uma tarefa, historicamente, para grandes multinacionais, como a americana Halliburton ou a francesa Schlumberger.
Elas dominam as principais tecnologias para extrair o petróleo em alta profundidade, transportá-lo até a superfície e analisar a qualidade dele. Essa análise, conhecida como “well testing”, ou “avaliação de formações”, é estratégica. Descobrem-se o volume de petróleo disponível, quanto cada poço poderá produzir, a melhor maneira de extraí-lo e, finalmente, quanto custará transformá-lo num produto economicamente viável. A soma dessas informações compõe uma espécie de tomografia da região a explorar. No caso da Petrobras, que opera sobretudo nessas águas profundas, constitui também um raio X da própria empresa. Sabendo quanto uma petroleira tem de petróleo, e quanto poderá conseguir, pode-se calcular quanto ela valerá no futuro próximo. São informações de imenso valor econômico e geopolítico.
Parece incompreensível que uma empresa de tintas nacionalistas como a Petrobras, tão orgulhosa de ser o combustível do desenvolvimento do Brasil, deixe que empresas estrangeiras façam esse tipo de serviço e que possam deter esse tipo de informação. Mas é o que acontece. A Petrobras depende muito dessas multinacionais. “Se a Halliburton e a Schlumberger acordarem um dia e resolverem ir embora, a Petrobras para”, diz um técnico da área. Foi esse contrato que a Ecoglobal ganhou. Pela primeira vez, uma empresa nacional faria esse tipo de serviço. Dividiria a tarefa com as duas multinacionais. Os contratos da Halliburton somavam cerca de R$ 2 bilhões; os da Schlumberger, R$ 1,5 bilhão.
Não é preciso ser um especialista em petróleo para perceber o potencial econômico da Ecoglobal. O contrato de R$ 443 milhões prometia ser o primeiro de muitos, de uma empresa que poderia virar uma gigante. “Não sou vítima. Meu erro foi ter confiado nas pessoas erradas”, diz Vladimir.  Ele se refere à aproximação da dupla Storti e Lauria, que prometia capitalizar a Ecoglobal. “Sabia da relação com Paulo Roberto, mas não tinha ideia de quem era Youssef. Nunca paguei um centavo para político ou para gerente da Petrobras. Prefiro morrer com dignidade.”
Após o episódio com os laranjas de Youssef, em setembro do ano passado, os amigos de Paulo Roberto prosseguiram em negociações para levantar dinheiro para a Ecoglobal. Tiveram reuniões com o banco BTG Pacutal, entre outros grandes investidores. Até que chegaram a Landim e Fiocca, donos da Mare Investimentos. Ao lado deles, ao banco Santander, por meio da Mantiq. Essa turma geria dois fundos destinados a investir em petróleo. O dinheiro vinha dos fundos de pensão e de alguns investidores particulares, cuja identidade é mantida em sigilo. A Caixa administrava os investimentos. Pelo regulamento desse tipo de investimento, Landim e Fiocca não poriam apenas dinheiro na Ecoglobal. Participariam da gestão da empresa. “Achei uma excelente ideia”, diz Vladimir.
Após meses de negociação, depois de revirar os balanços da Ecoglobal, a turma de Landim resolveu virar sócia da Ecoglobal. Acordos e mais acordos foram assinados, à medida que as tratativas avançavam. Landim e Fiocca, com a ajuda de economistas do Santander, passaram a cuidar da Ecoglobal. Como o início do contrato com a Petrobras se aproximava, negociavam com fornecedores e se empenhavam em conseguir mais investidores para o negócio. Entre janeiro e fevereiro, Landim e Fiocca chegaram a participar de duas reuniões na Petrobras, em que explicaram como investiriam cerca de R$ 80 milhões, inicialmente, na Ecoglobal. Fizeram isso para acalmar o gerente de Construção de Poços da Petrobras, Virmondes Alves Pereira, responsável pelo contrato com a Ecoglobal e as multinacionais. Virmondes dizia temer que a Ecoglobal não seria capaz de cumprir o contrato. “Virmondes sempre agiu, não sei por que razão, criando dificuldades. Esperou meses até assinar o contrato. Constrangia nossos fornecedores. Para a Halliburton e a Schlumberger, não havia nenhuma cobrança”, diz Vladimir.
TODOS JUNTOS 1. Documento mostra  que Landim e Fiocca acertam investimentos para a Ecoglobal 2. O contrato é assinado por Landim, Fiocca, Vladimir e os amigos de Paulo Roberto: Storti e Lauria (Foto: reprodução)
2. O contrato é assinado por Landim, Fiocca, Vladimir e os amigos de Paulo Roberto: Storti e Lauria (Foto: reprodução)
Em março, pouco antes da Operação Lava Jato, Vladimir assinou com a turma de Landim uma proposta. Os amigos de Paulo Roberto também assinaram. Todo mundo assinou. Por esse tipo de documento, os fundos tinham três meses para depositar o dinheiro na Ecoglobal, desde que Vladimir e os demais cumprissem sua parte. “De nossa parte, fizemos tudo. Nem quando a PF bateu na minha casa quebrei minha palavra”, diz Vladimir. Quando o nome da Ecoglobal foi parar no noticiário, diz Vladimir, todos sumiram. “Fiquei sozinho. Ninguém atendeu mais o telefone.”
No mês passado, Vladimir tomou um susto quando recebeu a carta, de apenas uma página, em que a Petrobras rescindia o contrato. “Aquilo me quebrou. Já havia feito todos os pedidos aos fornecedores. Não tenho como pagar. Demiti todos os funcionários. Fali”, diz. Também o chocou o autor da carta: o gerente Virmondes. No mesmo dia em que Vladimir foi depor, Virmondes também foi obrigado a falar à PF; ele assinara o contrato com a Ecoglobal e as demais empresas. Apesar de ser investigado pela PF, ele continua no cargo. Um de seus filhos, o engenheiro Henrique Machado, trabalha na Halliburton. Outra filha, uma geóloga, já trabalhou na Petrobras. Agora, trabalha na Queiroz Galvão Exploração e Produção, que tem negócios com a Petrobras. O genro de Virmondes trabalha na Siem Offshore, que também presta serviços para a Petrobras. Agora, a Petrobras está em via de repassar os serviços que seriam feitos pela empresa de Vladimir à Halliburton e à Schlumberger.
A Mare Investimentos e a Mantiq Investimentos afirmam que contactaram diretamente representantes da Ecoglobal no fim de 2013, após tomar conhecimento, por meio de um banco internacional, da existência de uma oportunidade de investimento. Em 7 de março de 2014, Mantiq e Mare afirmam que formalizaram sua proposta de investimento à Ecoglobal, então representada por executivos apresentados como seus acionistas. A proposta, dizem as empresas, estava condicionada ao atendimento de exigências. As duas gestoras de fundo informam que, em 6 de junho, vencido o prazo para o cumprimento delas, e seguindo critérios técnicos que pautam todas as suas decisões, comunicaram formalmente à Ecoglobal que o investimento não seria efetivado. A Halliburton informa que não fornece detalhes sobre funcionários ou contratos. A Queiroz Galvão Exploração e Produção afirma que contratou a geóloga Fernanda Cardia “em processo seletivo, pelo qual passam todos os colaboradores que ingressam na companhia”. Ela foi procurada, mas não respondeu aos recados deixados por ÉPOCA. A Petrobras, como desde o início da Operação Lava Jato, não quis se manifestar.
“Só não me mato porque verifiquei que meu seguro de vida não cobriria minhas dívidas”, diz Vladimir, baixinho, após dias de conversa. Suas mãos tremem enquanto fala. Alterna a angústia da culpa com a raiva pelo abandono de quem ele julgava lhe dever lealdade. “Meu tempo passou. Só restou meu nome, que preciso passar limpo para minha família”, diz. Ele vendeu o carro e não pagou a conta dos cartões de crédito. Em nossa última conversa, não conseguiu pagar a conta. “A vida é assim. Um erro e você pode acabar. Nunca soube julgar as pessoas. Errei, e acabou”, disse, antes de se despedir e subir num ônibus.

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