sexta-feira, 4 de julho de 2014

TJ considera adolescente prostituta e absolve fazendeiro

Atualizado: 03/07/2014
Morador de Pindorama, na região de Catanduva, fazendeiro foi preso em fevereiro de 2011 com duas meninas, uma de 14 e outra de 13 anos, dentro de sua caminhonete

Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo inocenta um fazendeiro de Pindorama (SP), preso em flagrante por estuprar uma menina de 13 anos, em 2011. Os desembargadores do TJ-SP consideraram que a menina era prostituta e por isso o fazendeiro teria sido levado ao erro sobre a idade da garota. À sentença do processo, que corre em segredo de Justiça, cabe recurso, que deve ser feito nos próximos dias pelo procurador-geral de Justiça do Estado, Márcio Fernando Elias Rosa. Líderes dos órgãos de defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente criticaram a decisão.

A decisão do TJ, de 16 de junho, favorece o fazendeiro G. B., hoje com 79 anos. Morador em Pindorama, na região de Catanduva, B. foi preso em fevereiro de 2011 com duas meninas, uma de 14 e outra de 13 anos, dentro de sua caminhonete, em um canavial na zona rural do município. As meninas disseram que tinham saído para fazer um programa, a mais velha teria recebido R$ 50 e a mais jovem, R$ 30. A conjunção carnal foi comprovada com a menina de 13 anos; o fazendeiro ficou preso por 40 dias, mas foi libertado e não voltou mais à prisão.

Em primeira instância, B. foi absolvido do crime de favorecimento à prostituição e condenado, a oito anos, pelo de estupro de vulnerável. O Ministério Público recorreu da absolvição, mas na análise da apelação, feita pela 1ª Câmara Criminal Extraordinária do TJ, o fazendeiro foi absolvido dos dois crimes. O acórdão do TJ diz que, por maioria de votos, os desembargadores decidem negar o recurso do MP e rejeitar a condenação do fazendeiro pelo artigo 217-A (estupro de vulnerável) com fundamento no artigo 386 do Código de Processo Penal por não constituir fato de infração penal (III) e não existir prova suficiente para condenação (VII).

Na análise do processo, o relator reconhece o caráter absoluto da presunção de violência para o crime de estupro de menores de 14 anos, presente em jurisprudência do Superior Tribunal Federal (STF), mas acolhe a alegação da defesa de que o fazendeiro foi levado a erro quanto à idade da menina devido à experiência anterior que ela tinha de vida sexual e da prática de prostituição.

"Não se pode perder de vista que em determinadas ocasiões podemos encontrar menores de 14 anos que aparentam ter mais idade, mormente nos casos em que eles se dedicam à prostituição, usam substâncias entorpecentes e ingerem bebidas alcoólica, pois em tais casos é evidente que não só a aparência física como também a mental desses menores se destoará do comumente notado em pessoas de tenra idade", diz o desembargador para em seguida inocentar o fazendeiro de dolo na ação. "...justamente pelo meio de vida da vítima e da sua compleição física é que não se pode afirmar, categoricamente, que o réu teve o dolo adequado à espécie".

"O acusado cometeu crime de violação dos direitos da criança e deveria ser punido por isso. Houve exploração sexual de menor, o que é crime hediondo e ele deveria ter sido condenado por isso", disse a presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Míriam Maria José dos Santos. "É uma pena que ainda existam tribunais no País com representantes que ainda não cumprem o Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece que é dever do Estado proteger a criança e o adolescente e colocá-los a salvo da exploração e da violência", afirmou.

Para Ariel Castro Alves, fundador da Comissão Especial da Criança da Ordem dos Advogados do Brasil, a decisão do TJ "é como uma espécie de licença para a exploração das crianças e adolescentes". Segundo ele, os desembargadores "afrontaram a legislação e a jurisprudência e violaram o princípio de proteção integral previsto na Constituição e no ECA". "A partir de agora em São Paulo qualquer abusador sexual pode explorar sexualmente crianças e adolescentes justificar que não sabia quem eram menores de idade para ficarem impunes", completou.

A reportagem ouviu conselheiros tutelares em Pindorama. Uma delas, que participou da abordagem feita ao fazendeiro no dia da prisão, disse que as duas meninas não eram prostitutas. "Elas eram usuárias de drogas", afirmou a conselheira, que pediu para não ser identificada. Segundo ela, a menina mais velha conseguiu sair do mundo das drogas, se casou e está grávida.

by Estadão

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