segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DE OLIGOPÓLIOS


Elaboração de um marco regulatório para os meios de comunicação não avança no Executivo. Entidades consideram a Lei de Meios da Argentina um exemplo a ser seguido pelo governo brasileiro.

O debate sobre a necessidade de de­mocratização da comunicação no Bra­sil tem sido feito há muito tempo. Mo­vimentos sociais, parlamentares e orga­nizações da sociedade civil defendem a criação de um marco regulatório para o mercado midiático brasileiro, para que se amplie o acesso de diferentes vozes aos meios de comunicação em massa.

No final do segundo mandato do ex­presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 2009, a esperança pela criação da lei pa­ra o setor foi fortalecida com a realiza­ção da Conferência Nacional de Comu­nicação (Confecom). No encontro, fo­ram levantadas mais de 600 propostas para a democratização da comunicação brasileira, que tratavam desde o fim do monopólio no setor até o fomento à pro­dução independente nacional. Um estu­do para a elaboração da nova legislação chegou a ser encomendado por Lula pa­ra o então ministro das Comunicações, Franklin Martins. No entanto, a discus­são não avançou no Executivo.

Como forma de pressionar o governo federal para a elaboração do marco re­gulatório, diversas entidades lançaram em agosto deste ano a campanha “Para expressar a liberdade, uma nova lei pa­ra um novo tempo”. A campanha, en­cabeçada pelo Fórum Nacional pela De­mocratização da Comunicação (FNDC), alerta para a urgência em se ter uma no­va lei de regulação da mídia. O atual Có­digo Brasileiro das Telecomunicações (CBT), única legislação do setor, com­pletou 50 anos em 2012 e, segundo as organizações sociais, “é de outro tem­po, de outro Brasil”. O ministro das Co­municações, Paulo Bernardo, chegou a anunciar que uma proposta seria apre­sentada em consulta pública ainda neste ano, o que não ocorreu até o momento.

Monopólios
Mesmo sem ter um avanço na elabo­ração da nova legislação, grandes grupos de comunicação e parlamentares a eles ligados acusam que a instituição do mar­co regulatório representaria uma tenta­tiva de cercear a liberdade de imprensa. A reação é decorrente da possibilidade de perderem concessões públicas de uso das radiofrequências e terem o controle do setor comprometido.

De acordo com o estudo Donos da Mí­dia, do FNDC, o Brasil possui 9.477 veí­culos de comunicação, mas quatro gran­des grupos nacionais controlam diferen­tes mídias, criando uma espécie de oli­gopólio no setor da comunicação. A Re-de Globo de Televisão possui 340 veí­culos; o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) tem 195; a Rede Bandeirantes de Televisão, 166; e a Rede Record, 142.

O marco regulatório visa, entre outras coisas, democratizar o acesso a essas concessões públicas, garantindo, assim, a pluralidade de meios e a diversidade de ideias e opiniões a serem difundidas. Es­te é, também, o objetivo da Lei de Servi­ços de Comunicação Audiovisual da Ar­gentina, mais conhecida como Lei de Meios. A lei foi aprovada em 2009, mas ainda não entrou em plena vigência de­vido ao embate travado pelo Grupo Cla­rín, expressão do monopólio midiático no país, contra o governo da presidenta Cristina Kirchner. O Clarín tem conse­guido impedir a aplicação da lei, que de­veria ter entrado em vigor no último dia 7 de dezembro, por meio de liminares ju­diciais. O motivo é que, com a nova le­gislação, o conglomerado perderá gran­de parte de seus veículos. Isto porque a Lei de Meios estabelece que nenhuma empresa pode ter mais do que dez emis­soras de rádio e televisão e 24 licenças de TV a cabo, nem superar 35% de alcance em relação ao total da população ou do total de assinantes. O Clarín possui 240 concessões no sistema de cabo, nove rá­dios AM, uma FM e quatro canais na te­levisão aberta.

Em visita não-oficial ao Brasi em dezembro de 2012, o rela­tor especial para promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e ex­pressão da Organização das Nações Uni­das (ONU), Frank La Rue, elogiou a lei argentina, justamente porque comba­te o monopólio dos meios de comunica­ção e cria um órgão regulador indepen­dente para o setor. “Na América Latina, temos permitido que a comunicação so­cial seja vista, especialmente o rádio e a TV, pela ótica comercial. E isto é um er­ro. Qualquer Estado, inclusive o Brasil, tem a obrigação de regular o uso das fre­quências audiovisuais como um patri­mônio da nação”, defende.
Segundo La Rue, o Uruguai também está produzindo uma legislação seme­lhante “ou mais avançada”. Para o rela­tor da ONU, todo país deve ter um órgão regulador no setor das comunicações porque as concessões são bens públicos e devem ser ofertadas de forma igualitá­ria entre todos. Ele pondera, contudo, que este órgão deve seguir princípios es­tabelecidos a partir de um amplo debate com os diversos setores da sociedade. “É importante que o órgão regulador seja coletivo, com a representação de muitos setores de diferentes partes, e que haja um processo de diálogo com a sociedade para a aplicação e implementação da re­gulação”, explica.

Democratização
Nesse sentido, Rosane Bertotti, coor­denadora-geral do FNDC, afirma que a Lei de Meios é um exemplo para os paí­ses que ainda não possuem uma regula­ção específica para o setor, como o Bra­sil. “Ela é fruto de um processo de debate e construção política pública feitos com o povo argentino”, descreve.

A mesma opinião é compartilhada por Pedro Eckman, do Coletivo Intervozes. Segundo ele, a lei tornou-se uma refe­rência internacional, pois “diminui a concentração de meios e aumenta a plu­ralidade e diversidade de pontos de vis­ta, atores e falas, o que reforça a questão da liberdade de expressão”.

No caso do Brasil, Eckman conta que a concentração midiática por alguns gru­pos específicos impede a consolidação da democracia no país, já que por meio de seus veículos influenciam a opinião de grande parte da população. “A de­mocracia, em seu sentido mais amplo, não vai se consolidar no Brasil enquan­to a gente não conseguir democratizar a comunicação, porque ela é parte consti­tuinte da cultura da sociedade”, afirma.

Por isso, de acordo com a deputada fe­deral Luciana Santos (PCdoB), o deba­te pela regulação das concessões públi­cas de frequências audiovisuais no país é estratégico e deve ser ampliado. “É im­portante enfatizar o papel da comunica­ção enquanto direito básico de qualquer cidadão, que repercute diretamente no seu modo de agir, de pensar e de se rela­cionar culturalmente”, analisa.

O relator da ONU, durante sua pas­sagem pelo país, ouviu diversos relatos de violação da liberdade de expressão e de dificuldades de setores da sociedade brasileira de terem acesso aos meios de difusão de informação. Ele disse espe­rar um convite oficial para que possa re­tornar ao Brasil para investigar os casos e produzir um informe com recomenda­ções ao governo brasileiro.

by Michelle Amaral,

Nenhum comentário:

Em Alta

Novo HamburgoRS - Hospital do RS fecha UTI e transfere pacientes após detectar superbactéria considerada uma das mais perigosas do mundo

Acinetobacter baumannii, espécie detectada no hospital do RS, foi listada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2024 como resistente a ...

Mais Lidas