by Deise Brandão
O presidente Lula (também) coleciona episódios em que uma frase, dita de improviso, desloca o foco do assunto central e vira o fato do dia. Em alguns casos, as declarações foram acusadas de machismo, capacitismo ou insensibilidade social; em outros, provocaram desgaste diplomático e ruído político com impacto real.
O problema aqui não é “gafe” como folclore. É o efeito acumulado: cada frase controversa vira munição, rompe pontes, alimenta polarização e enfraquece a autoridade simbólica que um chefe de Estado deveria preservar — especialmente em temas sensíveis. Veja-se:
1) “Se o cara é corintiano, tudo bem”
Em reunião no Palácio do Planalto, Lula comentou uma pesquisa que apontaria aumento da violência contra a mulher após jogos de futebol. No meio do raciocínio, disse:
“Hoje, eu fiquei sabendo de uma notícia triste, eu fiquei sabendo que tem pesquisa, Haddad, que mostra que depois de jogo de futebol, aumenta a violência contra a mulher. Inacreditável. Se o cara é corintiano, tudo bem, como eu. Mas eu não fico nervoso quando perco, eu lamento profundamente”.
A frase foi criticada por parecer relativizar um problema grave ao encaixar a observação futebolística (“corintiano”) no mesmo fluxo do tema “violência contra a mulher”. Dias depois, Lula tentou corrigir o tom com a afirmação de que “homem com fé em Deus não bate em mulher”.
2) “Quando vai fechar a porteira?”
Durante entrega de unidades do Minha Casa Minha Vida em Maceió, Lula perguntou a uma mãe de cinco filhos quando ela “iria fechar a porteira”, sugerindo que deveria parar de ter filhos.
A declaração foi classificada como machista por tratar a maternidade com ironia pública e por transformar um contexto social (família, renda, acesso a políticas públicas) em comentário pessoal — ainda que em tom informal.
3) “Uma máquina de lavar roupa é uma coisa muito importante para as mulheres”
+ “Eu não tinha noção que no Rio Grande do Sul tinha tanta gente negra”
Em evento no Rio Grande do Sul, durante anúncio de ações de reconstrução, Lula enfatizou a importância de eletrodomésticos para o cotidiano das mulheres, com a frase:
“Uma máquina de lavar roupa é uma coisa muito importante para as mulheres”.
A crítica foi direta: a fala reforçaria estereótipos de gênero ao associar mulheres à rotina doméstica como destino social.
Na mesma visita ao Estado, Lula também disse:
“Eu não tinha noção que no Rio Grande do Sul tinha tanta gente negra”.
A frase gerou repercussão por expor desconhecimento de uma realidade demográfica e histórica do próprio país, com interpretações de que o comentário reforça visões estereotipadas sobre o Sul.
4) “Que monstro vai sair do ventre dessa menina?”
Em entrevista à rádio CBN, Lula comentou o debate sobre um projeto que propõe equiparar aborto após 22 semanas ao crime de homicídio, dizendo:
“Por que uma menina é obrigada a ter um filho de um cara que estuprou ela? Que monstro vai sair do ventre dessa menina? Então essa é uma discussão mais madura, não é banal como se faz hoje”.
A oposição usou a frase como munição política, e parte da crítica pública apontou que o termo “monstro” desloca o debate (estupro, aborto, legislação) para uma imagem moralmente explosiva — que alimenta mais choque do que esclarecimento.
5) Israel e Holocausto: a crise diplomática
Em declaração sobre a guerra em Gaza, Lula afirmou:
“O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”.
A repercussão foi internacional. A comparação foi considerada gravíssima por Israel e gerou deterioração pública da relação diplomática, com respostas duras do governo israelense e escalada do desgaste.
6) “Não vou aparecer com muletas e andador”
Antes de uma cirurgia no quadril, Lula afirmou que não seria visto usando muletas ou andador, insinuando que isso prejudicaria sua imagem.
A fala foi acusada de capacitismo por sugerir vergonha ou demérito em instrumentos de mobilidade — reforçando estigmas que pessoas com deficiência enfrentam diariamente.
7) “Desequilíbrio de parafuso”
Após ataque a uma creche em Blumenau (SC), Lula disse:
“A OMS sempre afirmou que na humanidade deve haver 15% de pessoas com algum problema de deficiência mental. Se esse número é verdadeiro, e você pega o Brasil com 220 milhões de habitantes, significa que temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso. Pode uma hora acontecer uma desgraça”.
A crítica veio por associar violência a “deficiência mental” em tom generalizante e por usar expressão pejorativa (“desequilíbrio de parafuso”), interpretada como estigmatizante e ofensiva.
8) Banco Central “desajustado do Brasil”
Em entrevista, Lula chamou a política de juros do Banco Central de “a única coisa desajustada do Brasil” e questionou a independência da instituição.
A repercussão se deu no mercado e no debate público: críticos apontaram risco de pressão política sobre uma estrutura que deveria operar com autonomia; apoiadores viram uma crítica legítima ao custo do dinheiro e ao impacto social dos juros.
9) Venezuela: “vítima de narrativa”
Em coletiva ao lado de Nicolás Maduro, Lula afirmou que a Venezuela seria:
“vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”.
A frase recebeu críticas por relativizar denúncias internacionais sobre violações de direitos humanos e por colocar o Brasil no centro de um debate diplomático sensível, com custo de imagem externa.
10) Lava Jato, 7 a 1 e “f**** o Moro”
Na posse da presidente da Petrobras, Lula disse:
“Vocês estão lembrados quando nós começamos a fazer a Copa do Mundo, a quantidade de denúncias de corrupção dos estádios? (…) E, Deus é justo, nós tomamos de 7 a 1 naquela Copa, da Alemanha. Já que é para castigar, vamos castigar.”
Em outro episódio, relatou uma frase dita a procuradores durante o período em que esteve preso:
“Só vou ficar bem quando f**** o Moro”.
As falas reforçaram a leitura de confronto político permanente e alimentaram críticas sobre revanchismo e desprezo simbólico por pautas anticorrupção — ainda que parte do público as interprete como reação a abusos do próprio processo da Lava Jato.
O ponto central: a frase vira o fato — e o país paga o custo
Há um padrão nessas controvérsias: o tema principal (violência doméstica, políticas públicas, reconstrução, guerra, governança econômica, direitos humanos) é engolido pelo ruído da frase. O debate público deixa de discutir conteúdo e passa a girar em torno de interpretação, indignação e “torcida”.
Analistas apontam que esse tipo de improviso pode até funcionar no palanque, mas cobra preço alto no exercício do cargo. Porque presidente não fala só como indivíduo — fala como Estado. E, nesse nível, cada palavra vira política.

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