sábado, 30 de março de 2013

Satanás pregando quaresma


Satanás pregando quaresmaQO presidente Lula surpreendeu – logo depois da denúncia que teria viajado para realizar conferências no exterior por conta de grandes empreiteiras – ao defender o financiamento público de campanha, um projeto que, de há muito, é bandeira de grandes setores da sociedade. O Congresso Nacional, no entanto, sempre colocou entraves. O ex-presidente, embora corretíssimo na sua proposta, dificulta ao citar a necessidade de ser criada uma assembleia constituinte exclusiva, de sorte a aprovar uma reforma política na qual a medida estaria no bojo. Mais ainda. Lula quer também que qualquer deslize, como financiamento privado, se transforme em “crime inafiançável”. Mais uma vez acerta.
A novidade está na pregação do ex-presidente durante um seminário promovido pelo jornal Valor Econômico. Segundo ele, na palestra que pronunciou, durante o seu governo ele sempre defendeu a ideia da reforma política, “mas não consegui”. Ora, se de fato ele quisesse a reforma, a sua força no poder era tal que dificilmente o Congresso iria reagir. Agora, ele admite que o Congresso reagira, porque não quer mudar, e sim manter o “status quo”, ou seja, deixar tudo como está. A base aliada, nos seus dois períodos de governo e, agora com Dilma, é tão ampla que não haveria forma de uma reação congressual, até porque a medida contaria com o irrestrito apoio da opinião pública. O financiamento público é uma das saídas para combater a corrupção, porque quem abastece as campanhas eleitorais – as empresas e os empreiteiros – naturalmente cobram posteriormente reciprocidade. Quando não é assim, ninguém denuncia ninguém no Congresso, ou desvios realizados por grandes empresas. De mais a mais, só o PT comanda 30% do Congresso. Esta é a força do partido.

Curioso é que o ex-presidente, em sua palestra criticou “candidatos que adotam como bandeira em campanhas o combate à corrupção", citando como exemplos o senador Fernando Collor (PTB-AL), do qual passou a ser aliado durante o seu governo, e o ex-prefeito de São Paulo Jânio Quadros. E arrematou para os participantes do seminário: “Cuidado com todo mundo que utiliza a corrupção como bandeira de campanha porque ele pode ser pior do que aquele que está acusando”. Não dá para deixar de fazer, a partir de tais enunciados, uma citação ao escândalo do mensalão, cujos integrantes, em grande parte, foram denunciados, e os que foram condenados usavam como escudo para não serem apenados o “caixa dois” de campanha, ou seja, dinheiro irrigado pela iniciativa privada na campanha de Lula e dos parlamentares.

Enfim, aproveitando a Semana Santa, louva-se o discurso de Lula, mas não dá para lembrar um antigo ditado que era comumente utilizado pelos políticos sobre adversários que tentavam se passar por bonzinhos: “satanás pregando quaresma”. Espera-se que, no caso, não seja.

*Coluna de Samuel Celestino publicada no jornal A Tarde desta quinta-feira (28).

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