quinta-feira, 4 de abril de 2013

CSN será multada em até R$ 50 milhões por doar terreno contaminado


Vazamento de resíduos da CSN atemoriza bairro em Volta Redonda

Moradores não podem plantar nem captar água no solo contaminado. Ministério Público Federal quer estudo de riscos para a saúde

Raphael Gomide, iG Rio de Janeiro | 05/05/2011 13:05



Foto: Hélio MottaAmpliar
Quadra no condomínio 225, construída pela CSN na área mais afetada pelo vazamento da célula, hoje lacrada, ao fundo, atrás do muro
O vazamento de resíduos perigosos de depósitos irregulares da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) contaminou um bairro inteiro em Volta Redonda e causa medo e insegurança aos moradores. O Ministério Público Federal acredita que existe ameaça à saúde dos moradores do bairro e cobra da CSN estudos de risco. Não se sabe quais são as possíveis conseqüências da contaminação do solo para a saúde da população.
O solo está contaminado, e os moradores não podem plantar para consumo nem fazer captação de água subterrânea no local.
“De jeito nenhum, não pode plantar nada nem comer nada do que se planta, porque o solo é contaminado. Acho que é prejudicial à saúde, mas ninguém nunca explica direito”, disse ao iG a moradora Luciana Cristina do Amparo, 36.
A Procuradoria quer a remoção do depósito, vizinho ao bairro e hoje lacrado. De acordo com o MPF, a CSN tinha licença apenas temporária da Feema (hoje Inea, Instituto Estadual do Ambiente) para manter naquele local células de resíduos perigosos (em uma escala com três níveis de risco, este é o mais alto). No entanto, os resíduos deveriam ser removidos posteriormente.
iG revelou ainda que a CSN também manteve ao menos quatro lixões industriais clandestinos com material “perigosos” em Volta Redonda, cidade-sede da empresa, durante mais de duas décadas.
O vazamento – que teria durado dois anos – foi descoberto em 2000. O terreno hoje ocupado pelo bairro pertencia à CSN, é vizinho ao depósito e foi doado ao Sindicato dos Metalúrgicos no fim dos anos 90. Durante a construção do condomínio, uma célula – caixa de resíduos do processo industrial – foi perfurada e vazou. O material tóxico se espalhou pelo solo, contaminando todo o bairro, que tem cerca de 770 casas de classes média-baixa e baixa.
Foto: Hélio MottaAmpliar
O procurador da República Rodrigo Lines quer que a CSN remova a célula e investigue a contaminação no bairro
“Trata-se de uma região de nascentes. O material percolou (se espalhou por dentro do solo), atingiu o lençol freático e afetou a área. A CSN precisa apresentar projeto de recuperação total da área e fazer o monitoramento de poços”, disse o assessor técnico do Inea Sérgio Alves.
“A CSN ainda doou e autorizou a construção de casas na área sob risco de contaminação. As pessoas não podem conviver com células de resíduos ao lado. A CSN não cumpriu sua licença provisória, que se tornou ‘definitiva’ e ainda doou o terreno onde ocorreu o vazamento, sabendo que seria dada alguma destinação para a área. Ninguém ia ganhar o terreno para contemplá-lo”, afirmou o procurador da República Rodrigo Lines.
Foto: Hélio MottaAmpliar
Segundo o assessor técnico do Inea, Sérgio Alves, os riscos são desconhecidos
De acordo com o Inea e o MPF, os efeitos das substâncias na região são “desconhecidos”. “Não se sabe o grau de risco, pode ser que crianças tenham problemas. Existe risco, mas não se sabe qual é exatamente. Os dados são insuficientes”, disse Sérgio Alves.
O MPF quer que a CSN investigue as possíveis consequências. “É preciso fazer uma análise de risco, investigar o grau de contaminação e propor medidas de intervenção e remediação. Ainda não há estudos conclusivos, e os efeitos das substâncias são desconhecidos. Sondagens e coletas são feitas em postos de monitoramento instalados. A CSN não concorda com a remoção das células, a não ser que fique comprovado que ainda há vazamento”, afirmou Lines, para quem a CSN não é transparente em relação à questão.
Foto: Hélio MottaAmpliar
Leonardo cobra estudos mais aprofundados da contaminação do bairro
Após o acidente, as células foram lacradas. Hoje, um muro separa o condomínio 225, com 58 casas, do terreno com o depósito. Na área mais diretamente atingida pela contaminação, o lote 225 – do outro lado do muro –, quatro casas foram compradas e demolidas pela CSN. Deram lugar a uma quadra poliesportiva, onde quinta-feira (28) três meninos jogavam bola. O acesso às células é feito por um pátio de escória de alto-forno, também vizinho ao condomínio. Das ruas do Volta Grande 4, é possível ver uma montanha de escória com cerca de 25 metros de altura, perto do muro que divide os terrenos.
Segundo o MPF, a CSN resiste a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta. “Queremos esgotar os meios extrajudiciais e ter a garantia de um plano de ação para a remoção das células. O Inea tem a mesma posição. Estamos dispostos a negociar prazos e formas, mas não temos como avalizar que permaneçam no local”, disse o procurador Lines.
Em conversas com o iG, moradores demonstram apreensão. “Ninguém sabe, na verdade, não divulgam. A palavra deles poderia tranqüilizar. A máquina furou e contaminou, descendo quatro ruas. Cercaram o poço e neutralizaram com cal. Tenho medo”, disse um morador que se identificou apenas como Fernando.
“Fico preocupada com saúde. Meu filho de 2 anos e cinco meses tem problemas alérgicos, pneumonia, doença pulmonar obstrutiva crônica, infecção na garganta todo mês e me pergunto se tem relação com essa contaminação. A casa tem infiltração e estamos consertando, mas se continuar com os problemas, é isso e vou me mudar.”
Foto: Hélio MottaAmpliar
Meninos caminham, perto de marca de líquido leitoso desconhecido que escorre em praça
Moradores mostraram ao iG locais na praça próxima ao muro de onde frequentemente vaza um líquido branco, com aparência leitosa, contaram. “Sempre desce uma água branca, mesmo com o sol quente, que parece leite”, disse Luciana.
Nem todos no 225 pensam da mesma maneira. Integrante da comissão de moradores do bloco 225, que negocia com a CSN, Andressa Oliveira diz que “não há nada provado” e “se tivesse tanto problema, não estaríamos todos com saúde”.
Segundo ela, a siderúrgica sempre os ajuda. “Não nos envolvemos no assunto. Quando precisamos, a CSN é que nos ajuda, como quando caiu o muro, por causa da chuva. A Justiça vai nos pôr a par de tudo. O procurador Rodrigo esteve aqui e disse que nada está provado e precisa ter investigação”, disse Andressa, que não soube dizer se a empresa também ajuda outras comunidades na cidade.
Foto: Hélio MottaAmpliar
Uma pilha de escória fica do outro lado do muro, metros acima da altura das casas
Andressa reconhece que se preocupa, mas não tanto. “Preocupação é claro que temos, mas não me deixa sem dormir. Nunca deu problema. Essa água branca a CSN disse que é calcário.” De acordo com Andressa, a impossibilidade de plantar víveres não se restringe ao Volta Grande 4. “No Volta Grande 3 também não pode ter plantação. Era tudo escória, no bairro todo”, afirmou.
O líder comunitário Leonardo Gonçalves, professor de História e Geografia e crítico da CSN, irrita-se com a posição da moradora. “Aceitam tudo, se a CSN estiver dando veneno aceitam... As empresas de cigarro só informaram sobre os males do produto depois de obrigadas, assim como as de bebidas”, disse ele, que trabalhou como operador na CSN entre 1996 e 2004.
O único dos sete condomínios de Volta Grande 4 que tem portão eletrônico é o 225, o mais atingido pelo acidente ambiental. De acordo com Leonardo, a participação desses moradores nas assembléias do bairro é reduzida.
iG enviou uma série de perguntas para a assessoria da CSN na segunda-feira. Até as 13h desta quinta-feira, não houve resposta.

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