domingo, 11 de abril de 2021

Jantar do barulho


Governo tenta esconder pernoite de Dilma e de comitiva presidencial, em Lisboa, com direito a jantar em luxuoso restaurante da capital portuguesa. O episódio reacende a polêmica relação entre o público e o privado nas mordomias do poder
Sérgio Pardellas (sérgiopardellas@istoe.com.br)31/01/14 - 20h50 - Atualizado em 21/01/16 - 12h55

FLAGRA
Depois de o Planalto dizer, no sábado 25 à noite, que Dilma estaria
“dormindo”, a imprensa publicou foto em que a presidenta aparecia
entrando no restaurante Eleven, em Lisboa, acompanhada de assessores



No sábado 25, enquanto protestos contra a Copa do Mundo ocorriam em diversas cidades do País, a presidenta Dilma Rousseff participava de um animado jantar na companhia de auxiliares em Lisboa, Portugal, regado a peixes bem selecionados e bons vinhos. O local escolhido foi o elegante restaurante Eleven, um dos mais badalados de Portugal, com vista para o Rio Tejo e classificado com estrela Michelin, referência da boa gastronomia no mundo. Mais cedo, pela manhã, Dilma havia aberto mão de se hospedar no palácio do século XVII – mantido pelo governo brasileiro e que serve de embaixada em Portugal –, preferindo ficar num dos hotéis mais caros da capital portuguesa, o Ritz Four Seasons, inaugurado há 54 anos pelo Rei Humberto de Itália e os príncipes de Saboia. Uma parte da equipe acomodou-se no mesmo hotel que o dela. Outra, no Tivoli. No total, a comitiva presidencial ocupou 45 quartos. Só a diária da suíte onde Dilma pernoitou no sábado, mobiliada com a coleção Espírito Santo e cabides de seda acolchoados nos armários, custou R$ 26 mil – o equivalente a 36 salários mínimos.



A prática de hospedar-se em hotéis caros, esbaldar-se em restaurantes renomados e confundir o público com o privado – ou seja, desfrutar dos encantos e das delícias do poder – é uma tradição dos governantes brasileiros. Não se trata de um privilégio deste governo ou do PT, partido inquilino do Palácio do Planalto desde 2003. Remonta ao Império. Os esplendores gastronômicos do período são famosos até hoje. Por exemplo, a predileção da extravagante dona Leopoldina, mulher de d. Pedro I, por salmões salgados importados era conhecida. Na República, o presidente João Figueredo acabou enfrentando um problema com dona Dulce, uma primeira-dama de modos exuberantes que gostava de levar o cabeleireiro em suas viagens internacionais. Até que o SNI (Serviço Nacional de Informações) entrou em ação e recolheu o passaporte dele, para evitar polêmica.

A questão é que a estada de Dilma e de sua equipe em Portugal ocorreu às escondidas, com direito a entradas sorrateiras no hotel e foto-flagrante em rede social ao lado do chef do restaurante, e foi tratada pelo governo como segredo de Estado. Aí reside o problema. A ida de Dilma a Lisboa só passou a constar da agenda oficial da presidenta às 13h50 do domingo, horário de Brasília, quase 24 horas depois de a presidenta chegar à capital portuguesa. Para tentar explicar o inexplicável o governo foi constrangido a desfiar uma série de versões, o que fez com que o jantar e a hospedagem da comitiva presidencial em Lisboa se transformassem numa trapalhada ainda maior e gerassem muito mais barulho e polêmica do que se tudo fosse feito às claras, com a transparência exigida pelo cargo. A viagem só começou a ser explicada pelo governo depois que o jornal “O Estado de S.Paulo” revelou o momento em que Dilma entrou no hotel Ritz. O jantar no suntuoso Eleven também estava envolto em mistério. Inicialmente, enquanto ocorria o convescote, o Planalto havia informado que a presidenta estava “dormindo”, ao mesmo tempo em que outros assessores indicavam que “desconheciam” qualquer plano de saída da presidenta. Até que uma foto publicada no jornal português “Expresso” deixou a comitiva sem justificativas. Na foto, Dilma apareceu entrando no luxuoso restaurante, acompanhada pelo embaixador do Brasil em Portugal, Mario Vilalva. A ministra Helena Chagas, então chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, também aparecia na imagem. Ainda se observava um dos seguranças e o próprio embaixador carregando uma sacola com garrafas de vinho.

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