quinta-feira, 15 de abril de 2021

O país dos sem-privada A emergente Índia luta para não submergir no excremento


21/10/2018 

Se você já planejou uma viagem para a Índia e já pesquisou hotéis pela internet, já deve ter notado pelas fotos que os banheiros na Índia têm um balde dentro. Também já deve ter ouvido diferentes histórias de viajantes que passaram aperto na hora de se aliviar por aqui.

Nós passamos dois meses viajando pela Índia e usamos todo tipo de banheiro, do comum e limpo àqueles que mais lembravam um cenário do filme Jogos Mortais. Nunca imaginei que esse dia chegaria, mas sim caro amigo: esse é um post sobre banheiros.
Mas antes de mais nada, deixo aqui uma foto bonitona do Taj Mahal
Como são os banheiros na Índia

Você já deve ter ouvido falar sobre como são os banheiros na Índia, não? Pois são os famosos banheiros turcos, ou squat toilets, em inglês.
Banheiro no aeroporto de New Delhi

São os famosos banheiros onde você faz suas necessidades de cócoras e não sentado, como nós ocidentais estamos acostumados. Até no aeroporto de New Delhi tem banheiros desse modelo. Eu já estou super acostumada a eles, confesso. Especialmente porque sou menina da roça e, bem, recorrer ao mato quando se mora no interior do interior é algo bem comum.

Mas calma, não se assuste. Não são todos os estabelecimentos que possuem somente este tipo de banheiro. No aeroporto, por exemplo, existem as duas opções. Mas é bom estar preparado, pois em algum momento de sua viagem pela Índia você vai fazer suas necessidades de cócoras. Veja aqui um passo-a-passo sobre como usar esse tipo de banheiro.
Como são os banheiros na Índia

A foto do banheiro acima foi tirada no aeroporto de New Delhi. Contudo nem todos os banheiros são limpinhos assim.

Para mostrar a vida como ela é, vou deixar abaixo outras fotos que tiramos em banheiros espalhados pelo país. Tem do mais ou menos até o mais terrível…hahaha. Olha:
Banheiro em uma parada na estrada na Caxemira
Banheiro em um centro de meditação budista
Banheiro em uma guest house em Dharamshala
Por que os banheiros na Índia tem um balde dentro?

Essa era uma grande curiosidade que eu tinha antes de viajar para a Índia. Em todos os hotéis que pesquisei através do booking.com, em todas as fotos dos hotéis aparecia um balde e uma canequinha.

E logo que chegamos pude confirmar que a maioria dos banheiros na Índia possuem em seu interior um balde e um utensílio menor, como na foto abaixo. Os motivos eu falarei a seguir.

Mas adianto que exceções acontecem nos hotéis de luxo, onde há somente uma ducha higiênica (um chuveirinho que fica do lado do vaso sanitário). Mas em todos os outros inúmeros hotéis onde nos hospedamos era assim:
Olha o balde ali

Os banheiros na Índia possuem um balde dentro por duas razões. Primeiro porque os indianos preferem lavar-se após fazer suas necessidades ao invés de limpar as partes com papel higiênico. E segundo porque muitos ainda mantêm o costume de tomar banho de balde. Falarei mais adiante quanto a este último tópico.

“Ái que nojo” você pode pensar. Mas antes de mais nada lembre-se que esta é uma questão cultural. Me lembro quando trabalhei em uma multinacional. Na época nós recebíamos visitantes de diversos países e grande parte deles também achava bem nojento nosso costume de ter um cestinho de lixo para colocar o papel higiênico usado (sujo de cocô e xixi). Os americanos eram os que mais tinham nojo, já que nos Estados Unidos a tubulação é mais larga e o papel higiênico é descartado diretamente no vaso sanitário. Ou seja, tudo é uma questão cultural, de costumes e tradições que são mantidas mesmo com o passar do tempo. Eu adoro essas diferenças todas.
Os indianos tomam banho de balde

Repito, nem todos. A índia tem mais de 1,3 bilhões de habitantes e fica meio complicado utilizar a palavra “todos”. Mas posso dizer que a grande maioria mantém o costume do banho de balde, especialmente em cidades menores e nos vilarejos.

Essa preferência pelo banho de balde, mesmo após o advento da água encanada e do chuveiro, não derivou de um único fator.

A água era disponível em abundância na Índia, mas o sistema de distribuição era precário. Famílias costumavam coletar água em poços, mas muitas vezes era necessário caminhar por alguns quilômetros.
Agrasen Ki Baoli, um antigo poço de abastecimento de água em New Delhi

Os mais afortunados tinham seu próprio poço privado para seu uso. Mas na maioria dos casos, as mulheres usavam baldes ou panelas para armazenar água para beber, tomar banho, cozinhar e outras finalidades.

E assim, com o passar do tempo e o costume, um balde de água tornou-se uma medida padrão não oficial na maioria das casas. Mesmo a água sendo abundante, como era necessário certo esforço para obtê-la nos poços, o recurso era utilizado com consciência. Homens e mulheres usavam um único balde de água por pessoa para o banho. Assim a medida do balde foi se formando, tornando-se referência e permanecendo até os dias atuais.
Além do balde e da canequinha, muitos banheiros tem até um banquinho
Banho de balde e economia de água

Com a urbanização das cidades os banheiros típicos mudaram, a água passou a ser encanada e já não havia a necessidade de buscar o recurso em poços. Mas os baldes não mudaram.

Alguns indianos, e eu também, defendem o uso do balde para o banho e falam sobre a economia de água que esse costume traz. Afinal, se o banho é de balde ninguém vai passar mais de uma hora cantarolando e desperdiçando um recurso tão importante. Dizem que o Leonardo DiCaprio teria anunciado que não toma banho todo dia por questões ambientais. Quem sabe se o Leo descobrir o banho de balde ele até mude de ideia, né?
Água aquecida com resistências

Em um dos hotéis onde nos hospedamos em New Delhi só saia água gelada do chuveiro. Fui até a recepção e perguntei ao gerente se não tinha água quente. Ele me disse que sim e me entregou uma resistência e disse que eu deveria aquecer minha água no balde, caso quisesse banho quente. Veja o curto vídeo que fizemos. Você vai entender melhor.


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Curiosidade

Recentemente li uma matéria da BBC sobre o tema. A reportagem era sobre os esforços do governo indiano, juntamente com as escolas públicas, para ensinar as crianças a utilizar o banheiro.

Na Índia mais de 500 milhões de pessoas mantêm o costume de fazer suas necessidades a céu aberto, mesmo quando tem banheiros por perto. E isso é uma ameaça a saúde das crianças, muitas são as que morrem devido aos casos de diarreia e outras infecções transmitidas pelas fezes.

Muitos vilarejos têm criado um programa de incentivo. Em alguns casos eles fazem uma caderneta e entregam para as crianças. E a cada vez que esta faz suas necessidades no banheiro ela ganha um carimbo que vale 1 rúpia. No final do mês a criança recebe o dinheiro e cresce com o novo hábito. Bacana né? Veja a matéria completa da BBC aqui.
Texto Maurício Horta

Todo ano, 200 milhões de toneladas de cocô são lançadas ao ar livre por 2,6 bilhões de seres humanos sem acesso a um banheiro apropriado. A inhaca é tamanha que as Nações Unidas declararam 2008 o Ano Internacional da Sanitização, depois de 150 especialistas de 44 países terem se reunido em 2007 na Conferência Mundial de Banheiros (tradução aproximada de World Toilet Summit), feita no ano passado em Nova Délhi. E poucos lugares seriam melhores para uma conversa de banheiro do que a capital indiana.


A primeira civilização a criar uma privada com descarga ligada a um sistema de esgoto surgiu na Índia. É uma pena que, 4 500 anos mais tarde, o país tenha o maior problema sanitário do mundo. Sua taxa de sanitização de 33% pode estar bem acima dos 9% do africano Chade; mas, do 1,136 bilhão de indianos, cerca de 750 milhões têm que descomer seus curries em campos abertos ou em latrinas secas. Isso equivale às populações inteiras dos EUA, da Indonésia e do Brasil juntas evacuando fora do banheiro.

Tradicionalmente, a cultura indiana valoriza a higiene pessoal, mas observa menos a do ambiente comunitário. Lá, deve-se sempre tomar banho antes de entrar numa cozinha ou depois de fazer o número 2. Nas ruas, ambulantes fazem e servem comida a menos de 1 metro das valas onde o esgoto corre a céu aberto.

Por falar em esgoto, somente 232 cidades das mais de 4 700 cidades indianas têm um sistema de escoamento de dejetos. Que mais transborda do que escoa, por sinal: em Calcutá, cidade de 14 milhões de habitantes no sul do país, a rede é praticamente a mesma instalada pelos ingleses no século 19 – dimensionada para o uso por 600 mil pessoas.

Mas a situação está melhorando. Em 1990, 1% do campo indiano tinha sanitização e 12,3% das crianças morriam antes dos 5 anos. Hoje, o acesso no campo subiu para 22% e a mortalidade infantil caiu para 7,4% – número ainda alto, se comparado com os 3,3% no Brasil e com o 0,6% no Reino Unido. O país pretende universalizar o acesso ao banheiro até 2012. Soluções paralelas não faltam: elas vão de usinas de biogás em banheiros públicos a fazendas de peixes alimentados com o esgoto de Calcutá.

• 120 mil toneladas é a massa diária de fezes produzida na Índia.
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• 1,2 bilhão de litros é o volume diário de urina.

• 18 bombas atômicas seria o potencial explosivo diário do excremento indiano, caso ele fosse completamente convertido em biogás.

• R$ 0,46 é o salário mensal de um limpador de fossas indiano (veja boxe ao lado).

O pior emprego do mundo

Seu emprego é uma m…? Talvez, mas provavelmente está longe de ser a pior profissão do mundo.

Mulheres, imaginem esvaziar fossas sépticas e carregar os excrementos humanos numa cesta sobre a cabeça. É do mal, mas pode ficar pior: espere chegar a época das monções para as chuvas diluírem as fezes, que fatalmente escorrerão em seu rosto e roupa.

Já os homens, pensem num bueiro de onde, ao abrir, saiam baratas e ratos. Quando o movimento diminuir, mergulhe no caldo fétido e escuro, só de tanga fio-dental, para desobstruir as tubulações. Nada de luvas nem máscaras para amontoar do lado de fora a massa escura feita de fezes, absorventes femininos, camisinhas e embalagens plásticas. No máximo, pás, baldes e carriolas. Muitos morrem afogados no excremento ou envenenados pelo gás metano – resultante da fermentação das fezes – que se acumula nas galerias e ainda causa explosões letais.

Esse é o trabalho dos 650 mil scavengers indianos. Em inglês, scavengers são os animais que se alimentam de carniça (como urubus e hienas), mas, na Índia, a palavra se tornou apelido para a profissão daqueles que nasceram na fossa da hierarquia hindu. Os dalits são a mais baixa casta, mas mesmo eles, os intocáveis, estão divididos em subcastas. Para grupos como os bhangis, pakhis, balmikis e sikkaliars, o cocô é a opção única – e hereditária. Pouca gente parece se incomodar com isso na sociedade indiana. Tanto que os mergulhadores de bueiros são contratados por empresas a serviço do poder público em cidades como Mumbai e Nova Délhi.

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