30 de Setembro de 2021
Uma mulher de 36 anos, casada com um homem de 39, foi presa suspeita de tentar matar, na mesma ocasião, o referido marido e a filha deste. Segundo a Polícia, o delito teria sido motivado 1. pela descoberta de um relacionamento amoroso entre seu marido e filha deste, e 2. pela revelação de um encontro sexual triplo, do pai e da filha com o namorado desta.
Ademais dos detalhes surpreendentes, e do debate moral e religioso, o caso traz uma dúvida: incesto é crime? Se pai e filha quiserem manter um relacionamento, isso é possível à luz do Direito? E o que diz a ciência a esse respeito?
NO DIREITO CRIMINAL
O incesto, por si só, não é crime no
Brasil. O delito específico de estupro do art. 213 do Código Penal só é assim
considerado quando há violência ou grave ameaça. O intercurso sexual de pai e
filha, com consentimento e sem violência, assim, em regra, não é proibido.
Entretanto, quando há envolvimento de menor de 14 anos, há o chamado estupro de
vulnerável (art. 217-A, Código Penal), que é punido com reclusão de oito a
quinze anos. Incorre na mesma pena quem pratica sexo com alguém que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência.
Há, entretanto, o Projeto de Lei 603/21, do deputado Sanderson (PSL-RS), que, se aprovado, criminalizará a prática de incesto no Brasil. O texto prevê reclusão de um a cinco anos para quem mantiver relação sexual com pai ou mãe, filho ou filha, irmão ou irmã e ainda avô ou avó, seja parente consanguíneo ou por afinidade. O projeto propõe a inserção de um artigo no Código Penal. Ainda tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados; se obtiver aprovação naquela casa, será votado também pelo senado e, depois, submetido ao aval do presidente.
Na Exposição de Motivos do Projeto, o
deputado ressalta “a necessidade de uma legislação penal de combate ao incesto,
por se tratar de prática que contraria os costumes e a legislação civil”.
No Direito de Família, conforme artigos 1.521,
I e 1.723, § 1.º do Código Civil, não é permitido que pais e filhos casem entre
si, e nem mesmo desenvolvam união estável com essência familiar, sendo
clandestino para o Direito de Família qualquer ajuntamento neste modelo.
Para o Direito das Sucessões, disso resulta que os filhos permanecem herdeiros, e não meeiros, mantendo-se integral a regra dos artigos 1.829 e 1.790 do Código Civil.
No Direito Previdenciário, fica claro que um pai não deixa para a filha com quem tenha relacionamento amoroso uma pensão por morte “vitalícia”, como é o caso da viúva, mas apenas uma pensão por morte que ordinariamente cessará quando aquela completar vinte e um anos de idade (art. 77, § 2.º, II, Lei 8.213/91).
Além da questão moral e biológica, a
Instabilidade Jurídica seria um desafio se fossem reconhecidos os efeitos civis
ao incesto, uma vez que a posição do pai e do filho é clara e bem posicionada
nos ramos acima estudados, não se sabendo como se acomodariam novos direitos
com o reconhecimento. Por exemplo: a filha que casa com pai com ele gera filhos
ou netos? A filha seria meeira, herdeira ou ambos? A pensão seria vitalícia ou
até os vinte um anos, ou ambos.
UMA VISÃO DA CIÊNCIA
Para o Mestre em Psicologia pela UFRN
Francisco Wilson Nogueira Holanda Júnior, em trabalho
referência para o tema, admite-se hoje, no campo “da psicologia
evolucionista, da etologia, das neurociências e de ramos da antropologia” que a
proibição do incesto não é um fenômeno estritamente sociocultural, mas algo
“influenciado por fatores psicobiológicos”.
Um desses fatores, prossegue o
professor, seria o “Efeito Westermarck”, um mecanismo que evoluiu para inibir o
incesto e uma habilidade que inicia seu desenvolvimento na infância. Segundo
essa teoria, a exposição íntima e a convivência familiar entre pessoas durante
a infância enfraquecem a atração sexual quando adultas. O estudo demonstra
várias visões da utilidade desse mecanismo: uniões fora dos círculos familiares
melhoram as redes de cooperação social, fortalecem a noção de autoridade dentro
da família e evitam riscos biológicos.
Com relação à biologia, conforme estudo citado por Holanda, proles provenientes de relações consanguíneas de primeiro grau são de 17% a 40% mais prováveis de sofrer doenças ou morrer quando comparadas às crianças nascidas de relações não consanguíneas; ademais disso, nos casos de endogamia entre pai e filha, há uma probabilidade maior que 50% para diagnóstico possível de transtorno autossômico recessivo.
Conheça os países onde o incesto não é proibido por lei
by BBC
Por: A&E BrasilA história de Steven Pladl e Katie Rose Fusco ecoa por todos
os cantos dos Estados Unidos. Ambos se mudaram para a Carolina do Norte
para se estabelecer como família e ter um bebê. Após alguns meses de
convivência, quando tentaram formalizar sua união, o casal foi preso
Atualmente, os dois estão sendo julgados por incesto, adultério e cumplicidade no crime, já que Steven, um homem de 42 anos, é pai biológico de Katie, que tem 20 anos. Quando Katie ainda era um bebê, em 1998, foi dada para a adoção e, em 2016, atingiu sua maioridade e decidiu voltar a viver com seus pais biológicos, na Virgínia.
A mãe de Katie, ex-esposa de Steven saiu
de casa há dois anos, quando descobriu que seu marido e sua filha mantinham
relações sexuais. Quando soube que Katie engravidou, ela os denunciou à
polícia. Tanto na Carolina do Norte quanto na Virgínia, o incesto é punível com
até 10 anos de prisão. O mesmo acontece com o resto dos estados do país, exceto
Nova Jersey e Rhode Island.
Há muitos países desenvolvidos que não aplicam punições para as relações sexuais entre adultos que sejam familiares direta ou indiretamente, ou seja, para o incesto. Esse é o caso da Espanha, por exemplo, onde não existe o crime de incesto, embora esteja proibido o casamento civil entre adultos com o vínculo familiar até o terceiro grau colateral. Em vista disso, tios e sobrinhos não podem se casar.
Enquanto isso, Portugal proíbe o casamento civil até o segundo grau colateral, ou seja, não pode existir união entre irmãos, embora entre tios e sobrinhos, sim. A França aplica uma exceção quando o familiar que deu origem à relação faleceu; em ambos os casos, o casamento entre parentes políticos pode ser autorizado por ordem do presidente.
O incesto também não é punido na Rússia,
na China e no Japão, embora o casamento civil seja restrito. Do mesmo modo, a
Suécia permite o casamento entre meios-irmãos com um pai em comum, desde que
seja especialmente autorizado pelo governo. A Holanda também não condena o
incesto, embora proíba o casamento entre irmãos de sangue ou adotivos.
O Brasil não pune o incesto em nenhuma de suas variantes, desde que se trate de
uma relação consentida entre dois adultos em pleno uso de suas faculdades
mentais. Também não proíbe o incesto entre dois menores de idade, embora,
obviamente, penalize relações desse tipo quando estejam envolvidos um menor e
um maior de idade.
Embora o incesto seja algo natural das práticas sociais desde as civilizações mais remotas, como os egípcios, gregos e romanos, a partir do surgimento do direito romano, ele passou a ser perseguido com o objetivo proteger a organização familiar e seu papel fundamental na base da sociedade.
Beba na fonte: Mapa do incesto na Europa 2017
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