U.Dettmar/SCO/STF
Por Felipe Recondo
Brasília
Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciaram um movimento incipiente de encurtar a distância hoje existente entre o entendimento da Corte sobre liberdade de imprensa e as manifestações de outras instâncias, especialmente da Justiça Eleitoral. A tendência é perceptível em seis liminares concedidas pelos ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Celso de Mello e Rosa Weber. Mas é errática, como indicou decisão do ministro Dias Toffoli contra um pedido para liberar a veiculação de um vídeo do grupo Porta dos Fundos.
Ao admitir reclamações contra decisões de instâncias inferiores que proíbam a publicação de uma matéria jornalística, o Supremo manda um recado pedagógico para todo o judiciário. A mensagem enviada é de que decisões contrárias à liberdade de a imprensa publicar matérias desrespeita o julgamento do STF da arguição de descumprimento de preceito fundamental 130, relatada pelo ministro Ayres Britto.
É o caso, por exemplo, da Reclamação 16.434, relatada pela ministra Rosa Weber. Neste processo, a ministra suspendeu liminarmente a decisão do juízo da 6ª Vara Cível de Vitória (ES) que determinou a exclusão de textos relacionados ao promotor de justiça Marcelo Barbosa de Castro Zenker, publicados no site do jornal Século Diário.
Na liminar concedida em favor do jornal, a ministra deixou claro que a limitação imposta pela Justiça estadual conflitava com o expresso pelo STF no julgamento da ADPF 130.
“Em nada contribui para a dinâmica de uma sociedade democrática reduzir o papel social da imprensa a um asséptico aspecto informativo pretensamente neutro e imparcial, ceifando-lhe as notas essenciais da opinião e da crítica. Não se compatibiliza com o regime constitucional das liberdades, nessa ordem de ideias, a interdição do uso de expressões negativas ao autor de manifestação opinativa que pretenda expressar desaprovação pessoal por determinado fato, situação, ou ocorrência.
Aniquilam, portanto, a proteção à liberdade de imprensa, na medida em que a golpeiam no seu núcleo essencial, a imposição de objetividade e a vedação da opinião pejorativa e da crítica desfavorável, reduzindo-a, por conseguinte, à liberdade de informar que, se constitui uma de suas dimensões, em absoluto a esgota. Liberdade de imprensa e objetividade compulsória são conceitos mutuamente excludentes. Não tem a imprensa livre, por definição, compromisso com uma suposta neutralidade, e, no dia que eventualmente vier a tê-lo, já não será mais livre.
Sendo vedado ao Poder Público interferir na livre expressão jornalística, não lhe cabe delinear as feições do seu conteúdo mediante a imposição de critérios que dizem respeito a escolhas de natureza eminentemente editorial dos veículos da imprensa.”
Outro caso que reforça essa tendência foi relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso e envolvia uma decisão da juíza de Direito da Comarca de Fortaleza (CE) que proibiu a Editora Três, que publica a revista Isto É, de divulgar notícias relacionadas ã investigação criminal que envolveria o governador do Ceará, Cid Gomes. A juíza determinou adicionalmente o recolhimento das revistas.
“As liberdades de expressão, informação e imprensa são pressupostos para o funcionamento dos regimes democráticos, que dependem da existência de um mercado de livre circulação de fatos, ideias e opiniões. Existe interesse público no seu exercício, independentemente da qualidade do conteúdo que esteja sendo veiculado. Por essa razão, elas são tratadas como liberdades preferenciais em diferentes partes do mundo, em um bom paradigma a ser seguido (…).
A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o interesse público na divulgação de informações – reiterando-se a ressalva sobre o conceito já pressupor a satisfação do requisito da verdade subjetiva – é presumido. A superação dessa presunção, por algum outro interesse, público ou privado, somente poderá ocorrer, legitimamente, nas situações-limite, excepcionalíssimas, de quase ruptura do sistema. Como regra geral, não se admitirá a limitação de liberdade de expressão e de informação, tendo-se em conta a já mencionada posição preferencial (preferred position) de que essas garantias gozam.
A decisão reclamada, no entanto, impôs censura prévia a uma publicação jornalística em situação que não admite esse tipo de providência: ao contrário, todos os parâmetros acima apontam no sentido de que a solução adequada é permitir a divulgação da notícia, podendo o interessado valer-se de mecanismos de reparação a posteriori. Assim sendo, a decisão reclamada aparentemente violou a autoridade do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, que é enfático na proibição da censura prévia”.
Porém, a pedagogia do Supremo traz consigo um custo: o de transformar o tribunal numa instância recursal de toda a decisão a ser tomada no país que, de alguma maneira, possa cingir o tema liberdade de imprensa.
Esta ponderação está expressa numa das razões do ministro Dias Toffoli, ao negar pedido de liminar na reclamação 18.776:
“Sendo uma ação própria, a reclamação, se conhecida, abrirá ao STF a obrigatoriedade de analisar todas as ações sobre a temática da liberdade de imprensa e de manifestação de pensamento em trâmite no Brasil. Estaríamos atraindo para esta Corte Suprema a competência originária dada aos juízes e tribunais do país para o julgamento dos litígios interpessoais e intersubjetivos. Seria uma usurpação de competência às avessas, barateadora do papel desta Suprema Corte”.
Com essa decisão, o ministro manteve proibido o vídeo do Porta dos Fundos, uma peça humorística, em que o nome de Anthony Garotinho, ex-governador do Rio de Janeiro, é citado pela personagem que interpreta um candidato que sequestra um homem e o faz refém em troca de votos.
O vídeo foi tirado do ar por determinação da juíza coordenadora da Fiscalização da Propaganda Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
“No exercício do poder de polícia no âmbito da jurisdição eleitoral, [determinou] a imediata retirada do vídeo intitulado ‘Você me conhece’, do canal ‘Porta dos Fundos’ no website ‘Youtube’, em função da suposta veiculação de propaganda negativa contra o candidato ao governo do Estado, Sr. Anthony Garotinho”, reclamaram os advogados da produtora do vídeo.
Assim como este exemplo, ficou marcada no passado outra decisão que pode ser interpretada como um freio neste recente movimento pedagógico. Em 2009, o tribunal manteve a proibição de o jornal O Estado de S.Paulo publicar matérias a respeito de investigação sigilosa contra o filho do ex-presidente José Sarney, Fernando Sarney.
Prevaleceu entre os ministros o entendimento de que a Reclamação 9.428 não poderia prosperar porque o tribunal não discutiu, no julgamento da ADPF 130, especificamente o tema “inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça”. A liminar foi negada e a censura mantida.
Em que pese as idas e vindas, avanços e recuos, o Supremo demonstra nas suas últimas decisões que pretende equalizar um tema que ainda parece tabu para alguns julgadores.
Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciaram um movimento incipiente de encurtar a distância hoje existente entre o entendimento da Corte sobre liberdade de imprensa e as manifestações de outras instâncias, especialmente da Justiça Eleitoral. A tendência é perceptível em seis liminares concedidas pelos ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Celso de Mello e Rosa Weber. Mas é errática, como indicou decisão do ministro Dias Toffoli contra um pedido para liberar a veiculação de um vídeo do grupo Porta dos Fundos.
Ao admitir reclamações contra decisões de instâncias inferiores que proíbam a publicação de uma matéria jornalística, o Supremo manda um recado pedagógico para todo o judiciário. A mensagem enviada é de que decisões contrárias à liberdade de a imprensa publicar matérias desrespeita o julgamento do STF da arguição de descumprimento de preceito fundamental 130, relatada pelo ministro Ayres Britto.
É o caso, por exemplo, da Reclamação 16.434, relatada pela ministra Rosa Weber. Neste processo, a ministra suspendeu liminarmente a decisão do juízo da 6ª Vara Cível de Vitória (ES) que determinou a exclusão de textos relacionados ao promotor de justiça Marcelo Barbosa de Castro Zenker, publicados no site do jornal Século Diário.
Na liminar concedida em favor do jornal, a ministra deixou claro que a limitação imposta pela Justiça estadual conflitava com o expresso pelo STF no julgamento da ADPF 130.
“Em nada contribui para a dinâmica de uma sociedade democrática reduzir o papel social da imprensa a um asséptico aspecto informativo pretensamente neutro e imparcial, ceifando-lhe as notas essenciais da opinião e da crítica. Não se compatibiliza com o regime constitucional das liberdades, nessa ordem de ideias, a interdição do uso de expressões negativas ao autor de manifestação opinativa que pretenda expressar desaprovação pessoal por determinado fato, situação, ou ocorrência.
Aniquilam, portanto, a proteção à liberdade de imprensa, na medida em que a golpeiam no seu núcleo essencial, a imposição de objetividade e a vedação da opinião pejorativa e da crítica desfavorável, reduzindo-a, por conseguinte, à liberdade de informar que, se constitui uma de suas dimensões, em absoluto a esgota. Liberdade de imprensa e objetividade compulsória são conceitos mutuamente excludentes. Não tem a imprensa livre, por definição, compromisso com uma suposta neutralidade, e, no dia que eventualmente vier a tê-lo, já não será mais livre.
Sendo vedado ao Poder Público interferir na livre expressão jornalística, não lhe cabe delinear as feições do seu conteúdo mediante a imposição de critérios que dizem respeito a escolhas de natureza eminentemente editorial dos veículos da imprensa.”
Outro caso que reforça essa tendência foi relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso e envolvia uma decisão da juíza de Direito da Comarca de Fortaleza (CE) que proibiu a Editora Três, que publica a revista Isto É, de divulgar notícias relacionadas ã investigação criminal que envolveria o governador do Ceará, Cid Gomes. A juíza determinou adicionalmente o recolhimento das revistas.
“As liberdades de expressão, informação e imprensa são pressupostos para o funcionamento dos regimes democráticos, que dependem da existência de um mercado de livre circulação de fatos, ideias e opiniões. Existe interesse público no seu exercício, independentemente da qualidade do conteúdo que esteja sendo veiculado. Por essa razão, elas são tratadas como liberdades preferenciais em diferentes partes do mundo, em um bom paradigma a ser seguido (…).
A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o interesse público na divulgação de informações – reiterando-se a ressalva sobre o conceito já pressupor a satisfação do requisito da verdade subjetiva – é presumido. A superação dessa presunção, por algum outro interesse, público ou privado, somente poderá ocorrer, legitimamente, nas situações-limite, excepcionalíssimas, de quase ruptura do sistema. Como regra geral, não se admitirá a limitação de liberdade de expressão e de informação, tendo-se em conta a já mencionada posição preferencial (preferred position) de que essas garantias gozam.
A decisão reclamada, no entanto, impôs censura prévia a uma publicação jornalística em situação que não admite esse tipo de providência: ao contrário, todos os parâmetros acima apontam no sentido de que a solução adequada é permitir a divulgação da notícia, podendo o interessado valer-se de mecanismos de reparação a posteriori. Assim sendo, a decisão reclamada aparentemente violou a autoridade do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, que é enfático na proibição da censura prévia”.
Porém, a pedagogia do Supremo traz consigo um custo: o de transformar o tribunal numa instância recursal de toda a decisão a ser tomada no país que, de alguma maneira, possa cingir o tema liberdade de imprensa.
Esta ponderação está expressa numa das razões do ministro Dias Toffoli, ao negar pedido de liminar na reclamação 18.776:
“Sendo uma ação própria, a reclamação, se conhecida, abrirá ao STF a obrigatoriedade de analisar todas as ações sobre a temática da liberdade de imprensa e de manifestação de pensamento em trâmite no Brasil. Estaríamos atraindo para esta Corte Suprema a competência originária dada aos juízes e tribunais do país para o julgamento dos litígios interpessoais e intersubjetivos. Seria uma usurpação de competência às avessas, barateadora do papel desta Suprema Corte”.
Com essa decisão, o ministro manteve proibido o vídeo do Porta dos Fundos, uma peça humorística, em que o nome de Anthony Garotinho, ex-governador do Rio de Janeiro, é citado pela personagem que interpreta um candidato que sequestra um homem e o faz refém em troca de votos.
O vídeo foi tirado do ar por determinação da juíza coordenadora da Fiscalização da Propaganda Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
“No exercício do poder de polícia no âmbito da jurisdição eleitoral, [determinou] a imediata retirada do vídeo intitulado ‘Você me conhece’, do canal ‘Porta dos Fundos’ no website ‘Youtube’, em função da suposta veiculação de propaganda negativa contra o candidato ao governo do Estado, Sr. Anthony Garotinho”, reclamaram os advogados da produtora do vídeo.
Assim como este exemplo, ficou marcada no passado outra decisão que pode ser interpretada como um freio neste recente movimento pedagógico. Em 2009, o tribunal manteve a proibição de o jornal O Estado de S.Paulo publicar matérias a respeito de investigação sigilosa contra o filho do ex-presidente José Sarney, Fernando Sarney.
Prevaleceu entre os ministros o entendimento de que a Reclamação 9.428 não poderia prosperar porque o tribunal não discutiu, no julgamento da ADPF 130, especificamente o tema “inviolabilidade constitucional de direitos da personalidade, notadamente o da privacidade, mediante proteção de sigilo legal de dados cobertos por segredo de justiça”. A liminar foi negada e a censura mantida.
Em que pese as idas e vindas, avanços e recuos, o Supremo demonstra nas suas últimas decisões que pretende equalizar um tema que ainda parece tabu para alguns julgadores.
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