Em quatro décadas entrevistando bandidos, o psicólogo Stanton Samenow concluiu que a decisão de cometer crimes pouco tem a ver com a pobreza e as condições de vida em que eles se encontravam.
De seus 72 anos, o professor Stanton Samenow passou os últimos 43 frente a frente com criminosos de todos os tipos. Depois que eles cometiam delitos, Samenow gastava dezenas de horas em conversas para entender qual o raciocínio por traz da atitude, como cada um enxergava seus atos e lidava com as suas consequências. Na década de 70, o psicólogo escreveu dois livros que se tornaram marcos sobre um tema até hoje crucial para a criminologia: como pensam os assaltantes, assassinos e psicopatas. Seu trabalho causou controvérsia por ir contra o censo comum da época e mostrar que a pobreza e as condições precárias influíam pouco na condução de alguém para o mundo do crime. Samenow, que já foi consultor do FBI, continua a prestar assessoria a tribunais americanos. Veja a seguir, alguns trechos da entrevista que deu a Veja, por telefone.
O senhor diz que o comportamento criminoso é uma escolha. Por que?
Não é uma escolha apenas, é uma série delas. Para quem opta pelo crime como caminho de vida, essas escolhas começam a ser feitas bem cedo, quase sempre. Por exemplo: as pessoas mentem, adultos e crianças. Mas os futuros criminosos não mentem apenas para escapar de situações embaraçosas ou exagerar seus feitos. Mentem porque obtêm uma sensação de poder com isso. Mentir acaba se tornando uma escolha, e parte de seu comportamento. É assim em vários outros aspectos. Mais um exemplo: crianças pequenas pegam o brinquedos umas das outras, batem-se e beliscam-se, mas aprendem, normalmente até os 5 anos de idade, que machucar os outros é errado. Número 1, porque não querem ser machucadas também, Número 2, porque serão punidas se forem pegas fazendo o que sabem ser errado. E número 3, e o mais importante, porque desenvolvem uma sensibilidade em relação ao sofrimento das outras pessoas. Já o futuro criminoso sente prazer em machucar os outros, e não só fisicamente, Coisas que qualquer um pode fazer, ainda mais quando se é novo e não se sabe distinguir o certo do errado, os criminosos continuam a fazer durante toda a vida. Eles simplesmente não incorporam o que se tenta ensinar-lhes. Para eles, “ser alguém” é ser o centro das atenções. É a vida como estrada de mão única, e o único sentido possível é o deles. Todos gostaríamos que as coisas sejam como queremos, mas aprendemos que não temos controle absoluto para além de nossas próprias ações. É um modo muito especial de pensar, que se desenvolve ao longo do tempo.
Sua descrição de um criminoso aproxima-se da de um psicopata. Qual a diferença entre eles?
Não é propriamente uma diferença. Existe uma escala. Como no caso da ansiedade e da depressão. Os que são chamados de “psicopatas” seriam os ocupantes do último degrau dessa escala. Mas não acho que o rótulo seja importante. São todos criminosos. O que é relevante é a presença de um padrão de pensamento que leva a um comportamento criminoso.
Persiste uma crença de que o crime é reflexo da ausência de oportunidades, um produto do meio. Qual a sua opinião sobre isso?
Muitos criminologistas e sociólogos discordam, mas ao longo dessas quatro décadas de entrevistas com criminosos cheguei à conclusão de que o ambiente tem uma influência relativamente pequena sobre o crime. Em lugares muito pobre, com a presença de gangues e alto índice de criminalidade, há mais tentações e pressões, sem dúvida. Se armas e drogas estão ao alcance da mão, cometer delitos é mais fácil. Nos lugares em que a presença do Estado e da polícia é quase inexistente, é claro que a sensação de que se pode cometer um crime sem ser punido também é mais forte. Mas não podemos dizer que a maioria dos pobres se torna criminosa. Isso não é verdade. O qie podemos dizer é que todo criminoso, não importa se rico ou pobre, negro ou branco, educado ou analfabeto, tem uma forma semelhante de pensar. A questão é como as pessoas lidam com o que a vida lhes oferece. Na maioria esmagadora dos casos, uma pessoa que vem de uma vizinhança pobre, tem uma família desestruturada e poucas oportunidades não envereda pelo caminho do crime. Ela tem irmãos, irmãs, vizinhos, que vivem na mesma condição e não seguem esse rumo. Há um caso que eu sempre cito. O pai e os dois irmãos de um rapaz estavam na prisão. A tentação para o crime se encontrava na porta de casa. Perguntei: Porque você não seguiu esse caminho? Ele respondeu que não estava interessado, que olhou ao redor e viu como seus parentes acabaram, como estavam as pessoas a quem eles haviam prejudicado, e decidiu que queria ser diferente.
O senhor diz que uma das características da mente criminosa é a incapacidade de se colocar no lugar do outro. Como isso resulta em crime?
Essa incapacidade é uma das características da mente criminosa, mas o que resulta no cometimento do delito é um conjunto delas. Em primeiro lugar, o criminoso se enxerga como alguém com um poder total sobre os outros. Por isso, é hipersensível a qualquer coisa que arranhe sua imagem. Se alguém falar conosco num certo tom arrogante, por exemplo, provavelmente não vamos dar muita importância. Mas para o criminoso, isso significa que a pessoa o afrontou. E ele vai provar que isso não se faz. É assim em toda situação. É por isso que os criminosos estão sempre nervosos: esperam que os outros se ajustem a eles, que se submetam. No decorrer do dia, muitas coisas não saem como queríamos, e temos que lidar com isso. Essa, no entanto, não é a mentalidade do criminoso. O que o outro fala ou sente não é importante, porque importante é ele. E, se ele inflige um mal outro, a culpa não é dele, mas de quem não agiu como ele acha que deveria. “Bom, se o sujeito não tivesse olhado para mim daquele jeito… É um script que se repete: o assaltante entra numa loja com uma arma. O vendedor faz um movimento brusco e ele atira. Pego, diz que a culpa é do morto: Ele se mexeu, achei que ia sacar a uma arma”.
Stanton Samenow é psicólogo e consultor em criminologia.
BY http://meucarowatson.com
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