– 25 DE JULHO DE 2013
by Daniel Damiani*
*Daniel Fortuna Damiani, 26 anos, Professor de Sociologia, militante da JPT-RS
As mobilizações de massa protagonizadas sobretudo pela juventude em todo o país surpreenderam, em maior ou menor grau, a todos e todas. De certo ninguém esperaca que em junho deste ano explodissem manifestações tão massivas da forma como ocorreram. Mas seja da perspectiva da luta de classes, seja do ponto de vista do debate sobre juventude e da questão geracional, os conflitos fazem parte da história, a história é movimento, só se esqueceu disso, por parte da esquerda, quem se deixou afastar demais da teoria socialista.
Da perspectiva histórica da luta de classes, os momentos de estabilidade econômica e política são sempre contingentes, ainda mais contingentes são as tentativas de conciliação de interesses antagônicos entre as classes sociais. Um governo de coalização encabeçado por um Partido dos Trabalhadores em um país latino-americano com as dimensões do Brasil, incapaz de realizar transformações estruturais, caminha sob o fio de uma afiada navalha.
Do ponto de vista do debate sobre juventude e da questão geracional, nos debruçamos sobre o tema na Juventude do PT desde 1993(1), rejeitamos o discurso que juventude é uma questão de “estado de espírito”, um mal que se cura com o tempo, ou uma “filha maldita do capitalismo”. Compreendemos juventude como uma condição específica de quem se encontra na transição da infância para a idade adulta, enfrentando de forma mais severa “conflito entre o potencial criativo dos sujeitos e os bloqueios do sistema”(2).
Superamos teoricamente a ilusão acerca de uma natureza rebelde ou conservadora da juventude, compreendendo assim como Manheim (apudABRAMO), “a mocidade pertence aos recursos latentes que toda a sociedade dispõe e cuja mobilização depende sua vitalidade” (3). Não faltam exemplos na história, desde gangues juvenis em Constantinopla, até fenômenos globais como 1968, sobre formas como a juventude é capaz de explodir em revoltas mais ou menos conscientes, progressistas ou conservadoras. O professor Paulo Denisar (4) nos ensina que mais que aferir o grau de “politização” de uma geração, é importante compreender os significados das suas várias expressões, seja através da cultura, da revolta e mesmo da acomodação:
“[…] menos importante do que aferir “moralmente” o grau imediato de “politização” da juventude é decifrar dialeticamente o significado social e político daquilo que as juventudes estão expressando à sociedade. E ler as contradições dessa sociedade de modo imanente, na trama das relações que constituem o processo de sua totalidade. O conceito da condição juvenil como torrente de um conflito psicossocial dos indivíduos pressupõe a noção crítica de um comportamento oblíquo aos sistemas vigentes e, portanto, uma potencialidade de recusa. Mas que também pode virar simplesmente à direita ou ao comodismo em sua luta por reconhecimento. A percepção dessas culturas juvenis como modos contraditórios, porém legítimos, de ser/existir na sociedade capitalista, é um pressuposto para que com elas possa dialogar a cultura de intervenção que vem da crítica teórica.”
Nesse sentido, tanto a revolta das juventudes que foram às ruas, como os diferentes formas e comportamentos daqueles que foram, ou mesmo os silêncios ou outras formas de expressão que a juventude encontra hoje – por exemplo, no universo da violência e do tráfico de drogas que a juventude das periferias é submetida onde se constata que está acontecendo um genocídio da juventude negra da periferia – são expressões cheias de significados e demandam respostas das organizações de esquerda, dos governos, da sociedade.
Compreendemos a importância de qualquer organização, em especial as de esquerda e socialistas que pretendem a transformação mais ou menos radical da sociedade em apostar estrategicamente no diálogo e na disputa das novas gerações. Apontamos tanto os equívocos da maioria das organizações que mantém uma visão meramente instrumental acerca da juventude, preocupadas apenas em atrair jovens para o partido, assim como os equívocos do Partido dos Trabalhadores, que negligencia o tema, seja internamente ou nos governos que compõe (5). Assim, apontamos diversas vezes que nem o PT nem o Governo Federal estavam preparados para uma conjuntura como essa, de explosão de mobilizações massivas protagonizadas sobretudo pela juventude.
Algumas organizações de esquerda até demonstram ter política específica e mesmo um foco estratégico na organização da juventude, mas não sem cair nos erros das organizações tradicionais. Impera a visão instrumental, que ignora que os jovens são sujeitos políticos plenos, que não os empodera e que, ao contrário, os trata como objetos da política dos “adultos” do partido. Em geral são reproduzidos por estas organizações preconceitos primários como a aposta em uma determinada “natureza rebelde da juventude”, carregando de ufanismo, proselitismo e fantasia o “discurso para atrais os jovens”.
No PT reproduzem-se os mesmos preconceitos presentes na sociedade acerca de uma geração supostamente acomodada, ou conservadora. Falas de autoridade (e ignorância) que começavam com “no meu tempo” hoje mostram o ridículo de indivíduos e de organizações que envelheceram e perderam o contato com as novas gerações e suas mobilizações de massas. Muitos ainda acreditam que é apenas uma questão de linguagem, como sugeria uma publicação da CUT do inicio dos anos 2000 que trazia um “dicionário de gírias” para os dirigentes sindicais “dialogarem” com a juventude.
Nos governos, em que pese anos de mobilização e formulação de várias organizações de juventude, em especial da Juventude do PT, apoiados por muita pesquisa científica, desde o “Projeto Juventude” da Fundação Perseu Abramo e as contribuições de teóricos como Márcio Pochmann e estudos do IPEA, foram tímidos os avanços em políticas públicas específicas para a juventude. As resoluções de duas Conferências Nacionais de Juventude do Governo Federal, que apontavam reivindicações hoje estampadas em cartazes pelas ruas, como passe livre, mais investimentos em educação, foram solenemente colocadas na gaveta Os governos, que ignoraram por tanto tempo os alertas das organizações de juventude e dos teóricos, acerca da questão do “Bônus Geracional” (em 2010 a juventude atingiu o patamar de maior parcela da sociedade brasileira, nunca tivemos e nunca teremos tantos jovens como agora), da necessidade de políticas específicas, agora tentam atônitos, dar respostas desencontradas às demandas que explodiram nas ruas.
A JPT vem apontando desde alguns anos que as novas gerações não conviveram com outros governos que não os do PT na Presidência da República. Não só não viveram a realidade do desemprego estrutural dos anos neoliberais, como políticas como a expansão da rede federal de educação superior, PROUNI, IFET´s, cotas raciais e sociais não foram vividas como conquistas pelas novas gerações, que cresceram podendo acessá-las (ou não, na medida que muitos ainda não podem). A defesa das políticas do governo de coalizão, que embalou as lutas da juventude governista, não dão conta, nesse país de enormes desigualdades estruturais, de representar conquistas reais para as novas gerações. Essas gerações tiveram conquistas se olharmos de um ponte de vista de como era o Brasil antes de 2003, mas boa parte dessa juventude tinha pouco mais de 6 anos de idade nesse ano, esta é uma questão importante. Tiveram conquistas, mas é como se não as tivessem tido.
A questão geracional não pode ser ignorada. A sociologia da violência, por exemplo, demonstra que não se pode explicar como o fenômeno da violência explodiu nas periferias das grandes cidades latino-americanas sem explicar a questão do êxodo das populações do campo, que obteve relativos avanços no que diz respeito ao acesso à bens e serviços disponíveis nas cidades em relação à geração de seus filhos. Foi na segunda geração, nascida na periferia, que não teve avanço nem conquistas, que explodiu o fenômeno da violência como temos hoje, mais grave a cada geração.
A estratégia dos governos de coalizão deixou o PT e a esquerda que compõe os governos expostas ao longo de 10 anos a um intenso bombardeio por parte dos aparelhos ideológicos conservadores acerca do fim das ideologias, da despolitização da política, descaracterização dos projetos. As ruas cobram alto preço dos governos de coalizão centrados na busca de maioria parlamentar, dos acordos que levam Sarney e Renan na presidência do Senado, dos minutos de TV comprados com um aperto de mão entre Lula e Maluf.
A esquerda que optou por governar em coalizão com partidos de centro e direita, abriu mão em muitos espaços de fazer disputa política ideológica. Abriu espaço para o conservadorismo religioso, para a perpetuação de partidos como o PMDB ao longo dos anos nos poderes da República. Deixou imexido o poder dos grandes conglomerados de comunicação, da retrógrada classe de latifundiários, da burguesia rentista . As campanhas eleitorais, cada vez mais dispendiosas, milionárias, excluem completamente as novas gerações, aqueles que “chegaram depois”, da disputa do poder. Os parlamentares dos movimentos sociais ainda são aqueles dos tempos de ascensão dos anos 1980, alguns já faleceram como o Adão Pretto, do MST do Rio Grande do Sul.
Aí mora o aspecto mais grave e potencialmente mais interessante das mobilizações da juventude, – que começam a balançar os outros setores da sociedade como os trabalhadores demonstraram no dia 11 de julho. Mais grave porque demonstra, de maneira geral, os limites da estabilidade política alcançada no país e, em específico, os limites dos governos de coalizão encabeçados pelo PT, incapazes de avançar nas mudanças estruturais que o país precisa. Potencialmente mais interessante porque as mobilizações de rua podem alterar a correlação de forças na sociedade, abrindo espaço para tais transformações.
Ao mesmo tempo em que parecem jogar as eleições de 2014 em nível federal para um segundo turno, pode empurrar para um segundo Governo Dilma mais à esquerda, que aponte para uma nova agenda de transformações para o país.
A não ser que se altere muito o conteúdo e a qualidade das manifestações, elas não criaram alternativas à esquerda do Governo Dilma, seja do ponto de vista de projeto, seja do ponto de vista eleitoral. Já o contrário teve espaço, Dilma e o governo foram alvo dos protestos e tiveram seus índices de aprovação e popularidade diminuídos. As mobilizações podem servir aos interesses de uma restauração conservadora. Setores golpistas, mesmo que marginais, foram às ruas, reprimiram movimentos e partidos de esquerda, fazem propaganda aberta de golpe militar, planejam manifestações contra o Foro de São Paulo, mostram destreza e profissionalismo na disputa das redes sociais, assim como são alimentados pela grande virada orquestrada pela TV Globo, que passou a incentivar a população a ir para as ruas, com as bandeiras do Brasil e com a agenda conservadora. O plebiscito proposto pela Presidenta Dilma foi fortemente atacado pela oposição de direita e pela mídia monopolista nos meios televisivos, radiofônicos, jornais impressos e internet. A base “aliada” trabalhou para enterrar a proposta inicial da Presidenta.
Fica mais claro o embate com a direita conservadora desse país, a dificuldade de se realizar uma Reforma Política; o desafio de enfrentar o monopólio dos meios de comunicação; os limites e os obstáculos dos governos de coalizão; a necessidade de se avançar na qualificação dos serviços públicos, de saúde,educação e mobilidade urbana. A necessidade de se enfrentar a questão da violência e do extermínio da juventude negra nas periferias, vítima da exclusão, da política de guerra às drogas, das polícias militares assassinas que herdamos da ditadura.
Com as mobilizações da juventude e a depender de como os setores da classe trabalhadora se colocarem em movimento, pode-se abrir um novo período de transformações no país, em que a esquerda pode se colocar em sintonia com os anseios das novas gerações e trilhar o caminho para os avanços que o pais precisa. Que as manifestações não sejam passageiras, que sacudam ainda mais as estruturas, inclusive do Partido dos Trabalhadores.
Gritamos e não nos ouviram, gritemos mais alto!
1 – DENISAR, Paulo. O PT e a juventude, política e concepção. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/013/13cdenisar.htm>
2 – DENISAR, Paulo. Juventude e cultura: identidade reconhecimento e emancipação. Disponível em: <http://pagina13.org.br/2013/07/juventude-e-cultura-identidade-reconhecimento-e-emancipacao/>
3 – ABRAMO, Helena W. Cenas Juvenis. Página Aberta. 1994.
4 – Idem nº 2
5 – O PT e a Juventude. Resolução do III Congresso do PT. Disponível em: <http://dc362.4shared.com/doc/lhrxmE2I/preview.html>
6- BRICEÑO-LEÓN, Roberto. Violência Urbana na América Latina.Sociologias, Porto Alegre, ano 4, n º 8, julho / dez 2002, p. 34-51
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