segunda-feira, 2 de abril de 2012

Sistema Prisonal Brasileiro: retribuição ou reforma do criminoso.

by Marilda Tregues de Souza Sabbatine

A realidade sobre a execução da pena privativa de liberdade tem se mostrado cada vez mais desanimadora. A todo o momento surgem novos fatos, denúncias e arbitrariedades, que fazem acreditar que a aplicação da pena de prisão, não é medida eficaz, não consegue cumprir seu papel, qual seja o de trazer o delinqüente ao convívio social.
Dessa forma, conceito interessante capaz de ilustrar precisamente, tal exposição:
    (...) a retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos homens e consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida. À expiação sucede a retribuição, a razão Divina é substituída pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens. (RAMIREZ e MALARÉE, 1982. p. 120).
O sistema prisional brasileiro guarda em si características cada vez mais capazes de aperfeiçoar a capacidade delitiva daqueles a ele são submetidos. É um sistema ultrapassado se assemelhando melhor a uma escola de aperfeiçoamento de criminosos.
Na verdade este sistema, não prima pela ressocialização. A opção é a segregação. No entanto, há uma tentativa inócua, já que a segregação é baseada na repressão; que não consegue educar, ressocializar; assim, na primeira oportunidade, acontecem as evasões, ou mesmo os tão comuns comandos[1] que são elaborados dentro da própria prisão.
A superlotação dos presídios é a realidade no Brasil. Deste cenário surgem as revoltas, o desrespeito aos direito humanos, e ações violentas de todo tipo.
Não obstante, o Estado tentar resolver os problemas econômicos, políticos, éticos, sociais e morais, erroneamente, por meio do Direito Penal, nessa tentativa ainda cria outro. Sim, porque a maioria da população carcerária é carente econômica e socialmente falando[2].
Ao retirar da sociedade o indivíduo que cometeu um ilícito, e segregá-lo em uma prisão, sem nem mesmo avaliar se esse extremo é a única saída, o Estado está contribuindo cada vez mais com o aumento da exclusão social.
Porque fatalmente, esse indivíduo que já sofria os efeitos de fazer parte de uma minoria desprovida social e economicamente, terá chances menores ainda de se, inserir na sociedade após cumprir sua pena.
Disso tudo, há de se concluir que o Estado por meio da pena de prisão consegue institucionalizar um estigma social.
Pois o apenado, quando volta a viver em sociedade, não tem condições de reinserção, já que enquanto esteve preso, não foi ressocializado, tudo que o Estado fez, foi segregá-lo como forma paliativa de resolver os problemas sociais do país.
A resposta a essa “solução” atenuante, será fatalmente a reincidência, porque o preso egresso não tem alternativa. Ao voltar à sociedade, mesmo que não pretenda, estará sujeito à delinqüência, outra vez; pois carrega consigo um estigma social. Esse estigma institucionalizado pelo Estado se encarregará de lhe propiciar o caminho da reincidência.
    Num sentido mais profundo, contudo, a crítica indica que a prisão não pode “reduzir” precisamente porque sua função real é “fabricar” a criminalidade e condicionar a reincidência. Daí se explica o fracasso das permanentes reformas ressocializadoras. As funções reais da prisão aparecem, assim, em uma dupla reprodução: reprodução da criminalidade (recortando formas de criminalidade das classes dominadas e excluindo a criminalidade das classes dominantes) e reprodução das relações sociais de dominação. (FOUCALT, apud, SANTOS, 1981, p.56).
Quando esta situação vem à tona, não é só o preso que sente seus reflexos; toda sociedade é afetada. A reincidência é a prova de que o sistema prisional brasileiro é inócuo, e faz sentir cada vez mais a insegurança.
Todavia, esta realidade não é eterna, a solução para todo esse desgaste, pode estar dentro dele mesmo, ou seja, é o próprio problema trazendo a sua solução.
A partir da Constituição de 1988, o Estado Democrático de Direito tornou-se o pálio de toda sociedade. No entanto, por muitas vezes, talvez por questões históricas, o indivíduo tende a agir com resignação, permitindo que seu direito, por mais fundamental, seja, postergado.
A todo tempo, o Estado “olvida” do princípio da intervenção mínima, invadindo a esfera particular do indivíduo. Nesse contexto, toda a problemática acerca da pena privativa de liberdade, e os abusos em relação aos direitos fundamentais, tais como a não preservação da dignidade humana, a inobservância da individualidade de cada ser, ou preservação da honra, têm servido para chamar atenção de todos, para os direitos que a toda hora são, imotivadamente deixados em segundo plano.
Dessa forma, a solução para os problemas carcerários do Brasil, tornou-se a solução para os direitos humanos que simplesmente, não vinham sendo preservados.
Precisou acontecer uma tragédia, para que o homem voltasse a ser o objetivo do Estado.
Agora, as soluções fazem parte de um compromisso, que o Estado tem com a sociedade. E para livrar-se desse compromisso, somente honrando-o.
Toda base dessa obrigação está na Constituição Federal[3], não há como prosseguir sem observar os seus ditames, ou seja, não há como prosseguir sem o pálio do Estado Democrático de Direito.
O Direito Penal que é que uma forma de garantir a intervenção mínima do Estado vem sendo usado de maneira simbólica[4]. Os denominados crimes hediondos, crimes organizados, e crimes de especial gravidade, simbolizam mais que um Direito Penal funcional; simbolizam um Direito Penal do terror. O limite do poder de punir se encontra na real interpretação e uso do Direito Penal.
Além do dever de intervenção mínima em relação ao indivíduo o Estado, também tem o dever de segurança, que é exclusivo seu. Todavia, para realização deste dever (segurança), não está autorizado a suprimir direitos fundamentais do homem.
    O Estado de direito deve combater o delito seguindo regras morais escrupulosas, sob pena de igualar-se aos delinqüentes e de perder toda a autoridade e credibilidade. E as garantias que a Constituição assegura ao acusado não são simplesmente postas como tutela de seus direitos individuais, mas são, antes de mais nada, (SIC) garantias do justo processo, assegurando o interesse geral à regularidade do procedimento e à justiça das decisões.(GRINOVER, 1985, p. 48).
Durante o tempo que está cumprindo sua pena, o homem, tem alguns de seus direitos fundamentais suspensos, (direito de ir e vir, sufrágio), mas o maior dos direitos fundamentais, não se encontra suspenso, que é a vida digna.
Não há como falar em segurança pública negando os direitos fundamentais do indivíduo, pois se assim o for, a segurança estará sendo voltada somente para alguns, e não à sociedade.
Um dos pontos mais fortes dos direitos fundamentais é a inclusão das minorias, e o preso é minoria. Portanto, pode e necessita ser sujeito de um programa social.
Apesar da necessidade de revisão, ou de interpretação de acordo com a Constituição brasileira, por ser anterior a esta, a Lei de Execução Penal, traz a previsão de que tanto o apenado, como sua família devem ser alvo de um programa, que consiga propiciar-lhe vivência digna, tanto enquanto estiver recluso, ou quando egresso.
O direito de punir não é somente dosar e aplicar a pena, este direito deve permanecer durante a execução desta, que precisa obedecer aos critérios constitucionais pátrios.
Além do direito de punir o Estado também tem o dever de ressocializar, porque a verdadeira função da pena é ressocializar, trazer o delinqüente de volta ao convívio social.
Neste momento, mister se faz diferenciar convívio social de simplesmente estar de volta à sociedade.
O homem, como ser racional que é não poderá apenas ser inserto na sociedade, já que não é apenas comportamento, mas sim conduta. Cada indivíduo é dono de seu pensamento e de seu agir. Um é distinto do outro.
O ser humano não tem apenas um comportamento extintivo, deve e necessita ser identificado em um contexto, logo, procura identificação, mesmo que inconscientemente.
Assim, é este aspecto que faz a diferença, esta necessidade de dar e receber, de ter direitos e deveres, de ser um cidadão. É isso, portanto, que diferencia o simples retorno à sociedade do convívio social.
O trabalho de reinserção do indivíduo de volta à sociedade deve ter por base a preservação da dignidade da pessoa humana. Todos os recursos devem se direcionar, de maneira a preservar a individualidade do ser, não se permitindo a busca por mudanças na esfera moral.
O trabalho de ressocialização deverá evitar que ao voltar à sociedade o infrator depare novamente com as causas que deram origem ao delito por ele praticado. O escopo aqui é evitar a reincidência.
Assim, a execução penal se estende aos familiares do condenado, fazendo com que estes sejam amparados socialmente, para que ao fim do cumprimento da pena, retornando ao lar, o detento encontre condições que lhe permitam um recomeço que não inclua o delito novamente.
A pena não pode ter caráter repressivo, trata-se de um meio de se criar oportunidade ao condenado. Enquanto esse fica recolhido à prisão, o Estado deverá propiciar formas para que sua reinserção ao convívio social se dê de maneira segura.
É como se o tempo em que o condenado se encontrar na prisão, um novo cenário estará sendo preparado pelo Estado visando ao seu retorno.
Dessa forma, o apenado estará sendo reconhecido como produto final da sociedade moderna, é o resultado da sociedade capitalista e cada vez mais individualista.
Assim, nada mais justo que todos trabalhem para a transformação desse “efeito colateral” em resultado positivo.
O apenado deverá ter participação ativa, no desenvolvimento das atividades ressocializadoras, sua participação tem que ser voluntária.
Em uma esfera mais restrita, a participação do condenado deve ser entendia como reflexiva, ou seja, o condenado irá se ressocializar, e não ser ressocializado. O que menos importa é a capacidade de arrependimento do delinqüente, não se pretende reformas ideológicas, mas sim afastar a reincidência, propiciando meios sociais para isso.
O tempo da pena não deve ser visto como um tempo de segregação, mas sim como um tempo de reabilitação, oferecido ao preso egresso.

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