Nicholas Kristof
Frangos criados para a Perdue, dos EUA: vídeo revela maus tratos (Reprodução/Youtube)
Ao comprar um frango da marca Perdue no mercado, poderíamos imaginar que o animal teve uma confortável existência de ave de classe média.
“Fazer a coisa certa significa tratar as galinhas com consideração”, diz Jim Perdue, diretor da empresa, num vídeo promocional. Os rótulos da empresa trazem um selo de aprovação do Departamento da Agricultura garantindo que a ave foi “criada fora de gaiolas” e, às vezes, “criadas livres de maus tratos”, embora a Perdue diga que este último será gradualmente aposentado.
Os consumidores aprovam. A maioria de nós é formada por carnívoros que ainda assim desejam um tratamento decente para os animais, e uma pesquisa revelou que 85% dos consumidores prefeririam comprar frangos que viessem com selos como o de “criadas livres de maus tratos” visto nos rótulos da Perdue.
Entra em cena Craig Watts, 48 anos, granjeiro da Carolina do Norte que diz criar 720 mil frangos por ano para a Perdue. Ele assistiu ao vídeo de Jim Perdue e teve uma crise de consciência. “Meu queixo caiu”, disse ele. “A verdade não poderia ser mais diferente.”Assim, Watts abriu suas quatro granjas para mostrar como é a vida dos frangos da Perdue. A visão é perturbadora.
Watts convidou um grupo de defesa dos direitos dos animais, Compassion in World Farming, para documentar durante meses as condições do local. A organização acaba de lançar o vídeo resultante em sua página da internet.
O mais chocante é que o ventre de quase todos os frangos perdeu as penas, parecendo uma enorme ferida. A barriga da imensa maioria das galinhas é uma contínua escara. Como menino do interior que criava pequenos bandos de galinhas e gansos, nunca vi nada parecido.
Um motivo parece ser a técnica moderna de reprodução: as galinhas são agora criadas para terem peitos imensos, e isso faz com que muitas vezes seus corpos sejam pesados demais para as pernas. A revista científica Poultry Science calculouque, se os humanos crescessem a um ritmo semelhante ao dos frangos humanos, uma pessoa pesaria 330kg quando chegasse a oito semanas de idade.
Esses frangos não correm por aí nem ciscam como pássaros normais. Eles cambaleiam alguns passos, muitas vezes sobre pernas deformadas, e então desabam no excremento de dezenas de milhares de pássaros anteriores. O chão é encharcado com amônia, que parece atacar as penas e a pele.
Entrei em contato com a Perdue para saber o que a empresa tinha a dizer. Jim Perdue não quis fazer nenhum comentário, mas uma porta-voz da empresa, Julie DeYoung, concordou que o ventre dos animais não deveria estar praticamente em carne viva. Ela deu a entender que o granjeiro talvez estivesse cuidando mal da propriedade.
Essa alegação não foi engolida por Watts, cuja família é dona da granja desde o século 18; ele diz que cria frangos para a Perdue desde 1992, seguindo meticulosamente as especificações da empresa.
Para Watts, a Perdue percebeu que os consumidores estavam preocupados com o bem estar dos animais e a segurança alimentar, e decidiu manipular o público.
O selo que atesta que os frangos foram criados “fora de gaiolas” é enganosa, porque as aves criadas para o abate não ficam em gaiolas. O problema das gaiolas afeta as galinhas criadas para botarem ovos, e não as aves que comemos. Assim, dizer que as galinhas são “criadas fora de gaiolas” só faz sentido para as aves que botam ovos, e não para os frangos de abate. Além disso, os frangos da Perdue ficam tão amontoados na granja que é como se ficassem em gaiolas. Cada ave na granja Watts tem para si apenas 0,05m2.
Por que o governo americano está aprovando esses métodos como “livres de maus tratos”, enganando assim o consumidor?
“O depto. de Agricultura dos EUA é cúmplice da Perdue num empreendimento enganoso contra o consumidor”, diz Leah Garces, diretora da Compassion in Food Farming nos EUA, que descreve o caso como fraude de marketing.
Talvez a Perdue tenha optado por rever algumas dessas afirmações. A empresa fez um acordo com a Humane Society of the US ao concordar em remover o selo de “criado livre de maus tratos” de alguns dos rótulos, embora negue qualquer tipo de má conduta.
Tudo isso deixa milhões de americanos – eu entre eles – sem saída. Comemos carne, mas queremos minimizar a crueldade contra o animais. Trata-se de um rumo incerto, inconsistente e talvez até hipócrita, e já seria difícil o bastante sem empresas gigantescas do setor dos alimentos tentando nos manipular – em conluio com nosso próprio governo.
Leah sugere que tais consumidores procurem etiquetas com os dizeres “certificado de bons tratos”, “parceria global pelos animais” ou “aprovado pelo bem estar animal”. Mas essas são mais caras e difíceis de encontrar.
Os métodos de criação de frangos da Perdue são típicos da agricultura industrial. Assim, chegamos ao grande dilema: a grande indústria da agricultura obteve sucesso impressionante na produção de alimento barato – o preço do frango teve queda de 75% em termos reais desde 1930. Mas há imensos custos externos, como a resistência aos antibióticos e apoluição da água, bem como uma crueldade rotineira que só toleramos porque é cometida longe dos nossos olhos.
Basta torturar uma única galinha e podemos ser presos. Mas, se abusarmos de centenas de milhares de galinhas durante toda a sua vida, isso não passa de agribusiness.
Não sei onde estabelecer o limite. Mas, quando as galinhas têm imensas feridas abertas na barriga, eu me pergunto se a criação de animais não se converteu em abuso contra os animais./Tradução de Augusto Calil.
by THE NEW YORK TIMES
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