quarta-feira, 20 de março de 2013

Em lulês, as palavras mudam de figura




Na madrugada de 21 de março de 1804, foi fuzilado em Paris Louis Antoine Henri de Bourbon, duque d’Enghiens. Contra ele pesava a suspeita (falsa) de participar de uma conspiração para derrubar o primeiro cônsul, como se fazia chamar o ditador Napoleão Bonaparte – antes de se fazer coroar imperador, nove meses mais tarde – e restabelecer a monarquia.

O episódio entrou para a história menos pela brutalidade do ato de arbítrio do que pelo comentário do chefe da Polícia do regime, ministro Joseph Fouché, a respeito da decisão a que objetava: “É pior do que um crime”, disse a Napoleão. “É um erro”.

O presidente Lula talvez não tenha tido a oportunidade de conhecer a frase que vale por um tratado sobre a arte de governar, na linha do absoluto realismo dos ensinamentos de Nicolau Maquiavel, 300 anos antes.

Mas seria ofender a inteligência do presidente imaginar que não saiba a diferença entre um crime e um erro – do mesmo modo como ele ofende a inteligência dos brasileiros ao dizer que os deputados petistas ameaçados de cassação “cometeram erros, mas não de corrupção”.

É o que está nos jornais de hoje, com base em relatos de alguns dos 67 membros da bancada petista (de 83 deputados) recebidos ontem no Planalto.

Que erros seriam esses, que não configurariam crime de corrupção?

Para Lula, os cassáveis “estão pagando um preço muito alto pelas práticas de irregularidades do PT”. E as “irregularidades” teriam consistido em “pegar dinheiro não-contabilizado, não declarar”.

É de cabo de esquadra, para usar uma expressão do tempo do desafortunado duque d’Enghiens – mesmo que se aceite no todo a meia-verdade da versão delubiano-valeriana, endossada por Lula, sobre a origem e os fins da dinheirama do valerioduto.

Irregularidade, não. A palavra certa é crime

Para quem já esqueceu, a história é que o PT tomou empréstimos bancários milionários, avalizados pelo publicitário Marcos Valério, o qual deu como garantia os contratos de suas agências com a administração federal.

O relator da CPI dos Correios está convencido de que esses empréstimos nunca existiram, mas deixa pra lá, por ora. Eles serviram, sempre segundo a versão oficial, para pagar dívidas de campanha do partido, dos seus políticos e de políticos de partidos aliados. Dívidas e quitações “não-contabilizadas”, o caixa 2 velho de guerra.

Isso não é irregularidade. É crime. Crime eleitoral, mas crime. Ah, diria o presidente, “mas não de corrupção”. A menos que as palavras tenham mudado de repente de sentido, é corrupção, sim senhor.

Os deputados que se abasteceram nas contas das pessoas jurídicas do grão-benfeitor Marcos Valério podem não ter corrompido ninguém. No entanto, até a Velhinha de Taubaté entendeu (e por isso se matou) que, além de jogar o jogo trapaceiro do caixa 2, eles se beneficiaram do produto de uma ciranda de negócios suspeitos, para dizer o mínimo minimorum, com dinheiro público.

A lambança envolveu Valério, os contratos de propaganda do governo e das estatais, contas secretas no exterior e as aplicações financeiras dos colossais fundos de pensão da Petrobrás, Banco do Brasil e outros, controlados não-declaradamente pelo Planalto.

O presidente pode passar a mão na cabeça dos companheiros cassáveis -– que ele quer que renunciem para poderem se candidatar de novo ano que vem – dizendo que não são portadores de “doença contagiosa”.

Só não pode querer inocentar quem tem culpa manifesta em cartório. Por menos do que isso, pois não sacou dinheiro de nenhuma conta de Delúbio, o ex-deputado José Genoino renunciou à presidência do PT.

Salvo provas em contrário que a esta altura não se tem a menor idéia de onde possam vir, eles – e não necessariamente só eles, não é mesmo professor Delúbio, não é mesmo doutor Silvinho Land Rover? – cometeram um crime e um erro. Cada qual que julgue o que é pior.

Em tempo: o presidente Lula está coberto de razão quando diz que “muitas acusações vêm de pessoas que não têm história de ética na vida”. Pena que tenha dito anteriormente que daria um cheque em branco à pessoa que mais acusações viria a fazer e cuja história ninguém desconhece: Roberto Jefferson. E pena que já não pegue mais o truque de desqualificar acusações por partirem de pessoas eticamente desqualificadas.

by Por Luiz Weis em 24/05/2011

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