17 de fevereiro de 2020, 00h18 | Por Letícia Horsth
De 26 a 28 de março, Assis, a cidade italiana de São Francisco, receberá mais de 2 mil economistas e empreendedores de 115 países, todos com menos de 35 anos, para participar do encontro “A economia de Francisco”, evento convocado pelo papa. O Brasil se fará representar por 30 participantes.
A agenda prevê debates sobre trabalho e cuidado; gestão e dom; finança e humanidade; agricultura e justiça; energia e pobreza; lucro e vocação; políticas para a felicidade; desigualdade social; negócios e paz; economia e mulher; empresas em transição; vida e estilos de vida; e economia solidária.
“Não há razão para haver tanta miséria. Precisamos construir novos caminhos”, declarou Francisco ao convocar o evento. Ele propõe uma economia “que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da Criação e não a depreda.” E afirma a necessidade de “corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras gerações.”
Para assessorar o encontro, o papa convidou Jeffrey Sachs, Joseph Stiglitz, Amartya Sen, Vandana Shiva, Muhammad Yunus e Kate Raworth.
Os temas da desigualdade social e da devastação ambiental ocuparão o centro das atenções. Segundo o economista Ladislau Dowbor, no atual estágio do capitalismo “não há nenhuma razão para haver miséria no planeta. Se dividirmos os 85 trilhões de dólares que temos de PIB mundial pela população, isso equivale a 15 mil reais por mês, por família de quatro pessoas. Isso é amplamente suficiente para todos viverem de maneira digna e confortável.”
Hoje, segundo a FAO, 851 milhões de pessoas passam fome. A população mundial é de 7,6 bilhões de pessoas, e o planeta produz alimentos suficientes para 11 bilhões de bocas. Portanto, não há falta de recursos, há falta de justiça. Como não há falta de dinheiro, e sim de partilha. Os paraísos fiscais, verdadeiras cavernas de Ali Babás, guardam 20 trilhões de dólares, 200 vezes mais do que os US$ 100 bilhões que a Conferência de Paris estabeleceu para tentar deter a desastre ambiental.
No neoliberalismo, o capitalismo adquiriu nova face. Deslocou-se da produção para a especulação. As fabulosas fortunas estocadas nos bancos favorecem prioritariamente os especuladores, e não os produtores. Em suas obras, Piketty demonstra que produzir gera empregos e resulta no crescimento de bens e serviços na ordem de 2% a 2,5% ao ano. Porém, quem aplica no mercado financeiro obtém um rendimento de 7% a 9% ao ano.
O agravante é que o capital improdutivo quase não paga imposto. E a desigualdade de renda tende a crescer, pois, hoje, 1% da população mundial detém em mãos mais riqueza que os 99% restantes. A soma das riquezas de apenas 26 famílias supera a soma da riqueza de 3,8 bilhões de pessoas, metade da população mundial. E, no Brasil, apenas seis famílias acumulam mais riqueza do que 105 milhões de brasileiros – quase metade de nossa população – que se encontram na base da pirâmide social.
Segundo a revista Forbes, 206 bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em 230 bilhões de reais em 2019, enquanto a economia ficou praticamente estagnada. Enquanto isso, aos mais pobres cabem os R$ 30 bilhões do programa Bolsa Família.
Portanto, como assinala Dowbor, não é o Bolsa Família e a aposentadoria dos velhinhos que prejudicam a economia, e sim a acumulação de riquezas em mãos de grandes grupos privados que não produzem, são meros especuladores financeiros. Essas famílias tinham uma fortuna, em 2012, de R$ 346 bilhões. Em 2019, subiu para 1 trilhão e 206 bilhões de reais. Como em nosso país lucros e dividendos são isentos de tributação, esses bilionários não pagam impostos.
O objetivo do papa Francisco é que vigore no mundo uma economia socialmente justa, economicamente viável, ambientalmente sustentável e eticamente responsável.
Foto: Getty Images
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