Por Igor Leone e Natalie Garcia
Capítulo I – Legislativo
#1. Crie leis que permitam prisões arbitrárias e detenções administrativas em regime de incomunicabilidade e isolamento, envolvendo a privação de acesso a advogados e familiares. Como justificativa alegue que as visitas colocarão em risco a segurança dos reclusos. Estabeleça que esse tipo de detenção pode durar até 6 meses sem qualquer tipo de acusação formal. (Afeganistão, Arábia Saudita, Argentina, Índia, Líbia)
#2. O medo é seu maior aliado. Portanto, aprove a pena de morte e punições cruéis, como o açoitamento, inclusive para crimes que sequer envolvam violência, como “bruxaria”, adultério e tráfico de drogas. (Afeganistão)
#3. É essencial que você controle o direito à manifestação e liberdade de expressão, afinal de contas você não quer ver ninguém criticando seu governo, principalmente em âmbito internacional. Sendo assim, aprove todo e qualquer tipo de legislação que permita e amplie seu poder de interceptar comunicações. (Inglaterra)
#4. Protestos e manifestações podem ser uma grande dor de cabeça pra você. Portanto, não promulgue nenhuma lei que regule o direito à liberdade de reunião ou o direito de realizar manifestações espontâneas. Deixe propositalmente esse limbo jurídico: isso facilitará sua vida na hora de reprimir os protestos. (Espanha)
#5. Por outro lado, cobre onerosamente a aprovação de reuniões públicas e elabore um procedimento burocrático gigante para garantir essas aprovações. Reuniões políticas com mais de 5 mil pessoas estão expressamente proibidas. (Rússia, Tailândia, Venezuela)
#6. Se não bastasse, crie leis que proíbam o financiamento de “atos prejudiciais” ao interesse do seu país, sua integridade territorial ou a “paz pública”. (Egito)
#7. Deixe de se submeter a Convenções e Cortes Internacionais. Elas só atrasarão sua vida. (Venezuela)
#8. Elabore leis antiterroristas amplas, imprecisas e severas. (Estados Unidos, Egito)
#9. Proíba a existência de qualquer partido além do seu, porque dissidentes não devem existir. (Eritréia)
#10. Proíba o consumo de qualquer droga. Qualquer uma mesmo – inclusive as bebidas alcoólicas. Todo mundo deve andar na linha; acabou a brincadeira. Estabeleça penas severas, de açoitamento até pena de morte. (Irã)
Capítulo II – Judiciário
#1. Julgamentos de ativistas e presos políticos irão obedecer a pressões políticas. Se, por acaso, algum deles tiver a coragem de denunciar que foi torturado ou mal tratado, garanta que os juízes não darão prosseguimento aos processos. Por falar nisso, se o seu país tiver algum departamento de investigação de denúncias de tortura ou de proteção de vítimas, assegure-se de que esse departamento não receba qualquer tipo de recurso material ou verba, deixe tudo entregue às moscas. (Afeganistão, Alemanha, Venezuela)
#2. O julgamento dos militares, em especial dos torturadores, será realizado em Tribunais Militares. Aproveite e amplie a jurisdição desses tribunais e julgue também civis, em especial jornalistas. Lembre-se: nos tribunais militares não existe recurso. (Egito, Tailândia)
#3. Seus agentes secretos, espiões e funcionários de agências de inteligência terão imunidade processual. (Turquia)
#4. Os juízes devem negar, arquivar, indeferir ou simplesmente jogar no lixo qualquer pedido relacionado ao direito à verdade, à justiça e à reparação para as vítimas de crimes cometidos por seus agentes de segurança. As investigações e os processos desses crimes devem ocorrer sem transparência ou prestação de contas. (Afeganistão, Espanha, México)
#5. Quanto aos ativistas, jornalistas e demais presos políticos detidos, impeça que seus advogados tenham acesso aos processos e as provas. Além do mais, não dê tempo suficiente para que eles preparem as defesas. Enquanto isso, claro, não esqueça de intimidá-los. (Egito)
#6. Se por acaso algum promotor tiver a ousadia de iniciar uma investigação criminal sobre corrupção nos seus tribunais, transfira ele para outras funções. Aplique a mesma lógica para todo o judiciário – é muito importante comprometer e independência dele. Utilize seus poderes para afastar juízes de seus cargos quando você bem entender. (Turquia)
#7. Rescinda arbitrariamente contratos de funcionários públicos e assessores jurídicos estrangeiros. (Timor Leste)
#8. O judiciário deve ser repleto de deficiências: isso facilitará e muito a sua vida. Por deficiência entenda pouca capacidade técnica para métodos investigativos, falta de peritos forenses e morosidade. (Sudão do Sul)
#9. Utilize-se das leis da maneira mais conveniente àqueles que estão no poder. Interprete-as valendo-se do “bem comum da nação”, à “boa convivência” de seus cidadãos, banindo costumes e práticas. (França)
#10. Para fechar com chave de ouro, restrinja o acesso à Justiça. Inviabilize a assistência jurídica gratuita. (Reino Unido, República Democrática do Congo)
Capítulo III – Polícia e Forças Armadas
#1. Ignore os grupos de extermínio (afinal eles farão todo o trabalho sujo por você).
#2. Use e abuse dos sequestros e dos desaparecimentos forçados em grandes proporções. Os corpos não serão problema: use covas coletivas, depósitos de lixo e rios. Em alguns casos, incinere os corpos ou jogue-os em uma enorme fogueira coletiva. Na hora de prestar esclarecimentos sobre os desaparecidos dê declarações e estatísticas contraditórias. (México, Turquia)
#3. Receba qualquer protesto com balas de verdade. Se possível fuzile todos manifestantes. Não deixe ninguém sobreviver para contar a história; use até franco-atiradores. Mas se alguém sobreviver, mande para o xadrez. Inclusive as crianças. Se possível, desrespeite todas as normas internacionais e ainda condene-as à morte. (Egito, Ucrânia)
#4. Sua polícia precisa ser mestre na arte de forjar provas e fornecer falsos testemunhos. O objetivo é induzir constantemente a erro tanto o andamento dos inquéritos quanto dos processos. (África do Sul, Angola, Arábia Saudita, Colômbia)
#5. Permita que seus agentes de segurança efetuem abordagens para verificação de identidade com base apenas em características étnicas e raciais. Afinal, você não quer imigrantes e refugiados no seu país. (Espanha)
#6. Crie manuais de interrogatório com técnicas de tortura. Mas como você bem deve saber, negue-as mesmo que no manual conste um capítulo sobre “asfixia com água e simulação de execução por afogamento”. (Estados Unidos)
#7. Obtenha confissões por meio de tortura e transmita, ao vivo, pela televisão. (Iraque)
#8. Lembre-se: você adora tortura. Use choques elétricos nas genitais e outras áreas sensíveis; espanque; suspenda pelos braços algemados às costas; deixe seus prisioneiros em posições de estresse; açoite e estupre quantas pessoas puder. Se por acaso alguém morrer, forje um suicídio. Se algum deles sofrer de problemas de saúde, não dê os remédios necessários e torça para o pior acontecer. Nesse meio tempo omita suas identidades e as possíveis acusações, e faça o processo correr de modo sigiloso. (Afeganistão, África do Sul, Arábia Saudita, China, Colômbia, Brasil, Cuba, Egito, Equador, Índia, Venezuela)
#9. Condene os objetores de consciência. Acuse-os de insubordinação, deserção e aplicação de multas. Ninguém pode deixar de servir ao seu exército. Se necessário imponha o recrutamento forçado, o que incluí crianças. Use-as como carregadores, cozinheiros, guias, espiões, mensageiros e, claro, combatentes. (Grécia, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Turquia)
#10. Para garantir a excelência dos serviços dos seus agentes de segurança, não criminalize a tortura e não estabeleça responsabilidade superior ou de comando como forma de responsabilidade por crimes contra os direitos humanos.
Capítulo IV – Controle interno
#1. Persiga blogueiros e derrube, sem autorização judicial, sites que critiquem seu governo. Proíba o uso de rede sociais como o Facebook, Instagram, Twitter eYoutube porque os oposicionistas se aproveitarão delas para anunciarem suas causas e denunciarem aquilo que consideram injustiças. (Irã, Turquia, Venezuela)
#2. Intime, difame, ameace e prenda ativistas dos direitos humanos, defensores públicos, advogados, líderes comunitários, religiosos e indígenas. Use acusações amplas e vagas como: “disseminar segredos de Estado”, “espionagem”, “desordem pública”, “subversão”, “difamação criminosa”, “blasfêmia” e até mesmo “periculosidade”. Em suma, prenda aqueles que você considera terem probabilidade de cometer um crime no futuro. (Afeganistão, África do Sul, Arábia Saudita, China, Colômbia, Brasil, Cuba, Egito, Equador, Índia, Venezuela)
#3. Proíba que acusados apareçam na televisão e que falem à mídia sobre os processos ou que escrevam artigos criticando o Judiciário. Inclusive prenda qualquer ativista cujas postagens na internet forem vistas mais de 5 mil vezes ou repostadas por outras páginas mais de 500 vezes. (Arábia Saudita, China)
#4. Crie campos e instalações para detenção de presos políticos e seus familiares. Ah, não se esqueça de colocar todos para trabalhar; longos períodos de trabalho brutal forçado sem descanso e com pouca comida. Se a comunidade internacional questionar a legalidade desses campos negue veementemente a existência deles, mesmo que provem com imagens de satélite. (Coreia do Norte)
#5. Se você ficar sabendo da organização de um protesto contra o seu governo, prenda os líderes da manifestação um dia antes. Proíba que o protesto aconteça, alegando motivos de segurança. Se mesmo assim ela ocorrer, faça uma manifestação ainda maior no dia seguinte: essa será liderada por apoiadores do governo e terá a participação dos agentes de segurança estatais. (Brasil, Cuba, França)
#6. Dissolva todos os partidos oposicionistas. Invada todas as reuniões pacíficas de ONGs de direitos humanos e depois as dissolva. Para aumentar ainda mais seu controle crie um decreto executivo que confira poderes amplos para monitorar e dissolver ONGs a hora que você quiser. Quando quiser bani-las, diga que estão “afetando negativamente o desenvolvimento econômico”. Isso lhe garantirá noites de sono tranquilas. (Egito, Equador, Índia)
#7. Use a mesma lógica com os jornais e revistas. Seus agentes de segurança devem invadir e confiscar todos os periódicos que falem mal do seu governo. Justifique que essas ações foram executadas no interesse da segurança nacional. (Nigéria)
#8. Limite ou até mesmo cancele qualquer tipo de seminário acadêmico. As mentes mais pensantes provavelmente estarão por lá e você não pode deixar que todas se encontrem: isso seria uma bomba relógio. Pra garantir, prenda alguns dos participantes confirmados e exija que as organizações envolvidas obtenham aprovação oficial com antecedência. (Tailândia)
#9. Seus canais de comunicação e meios privados simpáticos ao seu governo devem ser usados para difamarem seus adversários políticos e ONGs independentes. Não se esqueça de criar inúmeros vínculos empresarias entre canais de televisão e o governo. (Rússia)
#10. Os presídios devem ser caóticos. Deixe mulheres, homens e crianças presos no mesmo espaço; presos provisórios e condenados também. Membros das forças armadas civis, grupos rebeldes, facções rivais… Coloque todo mundo na mesma prisão e deixe o circo pegar fogo. (República Democrática do Congo).
Igor Leone é advogado, sócio do escritório Tardelli, Zanardo e Leone Advogados, colunista e diretor executivo do Justificando.
Natalie Garcia é redatora no portal Justificando.
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