sábado, 10 de agosto de 2013

Nem tudo são trevas: o lado bom da Deep Web

A infame versão underground da internet tem mais a oferecer do que uma janela para os demônios da Humanidade. Saiba como ela protagonizou os mais recentes (e positivos) acontecimentos históricos do século XXI

por João Mello
Editora Globo
Anonimato para os indivíduos, transparência para os poderosos: Assange e a Deep Web dividem o mesmo lema //Crédito: Wikipedia
Há quem diga que o Google só consegue rastrear 1% do que existe online. Os outros 99% estariam na chamada Deep Web. Você já deve ter ouvido falar dela – e, se ouviu, provavelmente ficou em choque. Canibalismo e necrofilia são duas palavras comumente associadas à essa espécie de internet paralela, e servem como base para se ter uma noção do tipo de perversidade que se passa por lá.

Mas será que a internet paralela não é essa que a gente usa e a internet real é a própria Deep Web? Essa hipótese parece imunda se você pensar nas coisas macabras que existem por lá, mas talvez seja preciso ir além e ver que tem muita coisa boa sendo feita ali embaixo. Você vai esbarrar em um tráfico de drogas aqui, um assassinato ali, a conexão é bem mais lenta, mas sabendo navegar (ou seja: sabendo onde não clicar) a experiência pode ser muito mais enriquecedora do que estamos acostumados.

Há sempre um lado que pesa e outro lado que flutua

Na Deep Web tudo funciona na base de fóruns, exatamente pra dificultar o rastreamento por parte das autoridades. Você não vai encontrar sites bonitinhos. Você não vai encontrar muita coisa bonitinha (fotos de gatinhos trapalhões ficam restritas à web nossa de cada dia) tanto na estética como no conteúdo: apenas listas com um layout de internet do século XX, remetendo a tópicos desconcertantes, assombrosos ou repreensíveis – pegue o adjetivo mais sombrio que lhe ocorrer, coloque-o em cima do ombro e se prepare pra ser apresentado: “Oi, eu sou a Humanidade e quando não tem ninguém olhando é isso que eu faço”.

Claro que a parte bizarra da Deep Web é alimentada e consumida por gente de alma depravada e de vontades condenáveis em quase todas as religiões e épocas. Mas será, será mesmo, que é só isso?
Na internet normal você tem segurança, mas não tem anonimato. Na Deep Web você não tem segurança, mas tem anonimato. E esse exagero de privacidade da Deep Web pode ser usado para fins bem menos espúrios do que pedofilia, estupro e encomenda de assassinatos. Quer dizer, se a sociedade não está pronta para ver criancinhas mortas (é bom que não esteja), talvez ela também não esteja preparada para coisas como nível zero de censura ou documentos governamentais abertos ao público (ia ser bom se ela estivesse).

Muitos correspondentes internacionais se comunicam com suas respectivas redações por meio da Deep Web. Países como Irã, Coreia do Norte e China costumam controlar a internet convencional, sobretudo se quem estiver navegando nela for um jornalista estrangeiro. Nesse caso, usar a Deep Web é um jeito de burlar a censura. Especialistas acreditam que a própria Primavera Árabe não teria existido sem a Deep Web.

O Wikileaks e o Anonymous dificilmente teriam incomodado tanta gente poderosa se não fosse pela versão underground da internet. É lá que as quebras de sigilo começam – e foi graças a esse espaço que os próprios Anonymous divulgaram a identidade de quase 200 pedófilos no final de 2011.

Existem até agências que se dedicam exclusivamente a monitorar a Deep Web. Assim como assessorias de imprensa têm que rastrear a internet em busca de menções online de seus clientes, a Bright Planet vasculha a DW para encontrar virtualmente qualquer coisa. Em seu site, eles dividem suas ações em três: Governo (“ajudamos o Serviço de Inteligência dos EUA na Guerra Contra o Terror), Negócios (“seu negócio depende de inteligência em tempo real sobre coisas como propriedade intelectual”) e Usuários Únicos (“indivíduos encontram dificuldade em usar os mecanismos de busca convencionais”). A Bright Planet não divulga sua cartela de clientes em seu site.

A disseminação de conhecimento e bens culturais na parte de baixo da web também é mais radical do que estamos acostumados. Fóruns de programação bem mais cabeçudos que os da internet superficial, livros até então perdidos, músicas que são como achados em um sítio arqueológico em Roraima, artigos científicos – pagos na web normal, gratuitos na Deep – Tudo que existe na web, existe de maneira muito mais agressiva na DW. Tanto pro bem quanto pro mau. 
3 coisas que você precisa saber sobre a Deep Web:

- Para navegar na Deep Web, as pessoas costumam usar o TOR (The Onion Router), um software que impede que suas atividades online fiquem registradas e sejam bisbilhotadas por quem quer que seja. É o browser mais seguro e privativo - fatores importantes, tendo em vista que a Deep também é pródiga em vírus de todos os tipos e tamanhos.

- O principal jeito de usar a DW, pelo menos para um principiante, é a Hidden Wiki, o Google do subsolo internético. Ele é o índice que vai te levar para os locais em que você desejar. InfoMine e WWW Virtual Library são as plataformas mais recomendadas para busca de conteúdo acadêmico.

- Uma dica recorrente é: enquanto estiver na Deep Web não baixe nada, não fale com ninguém. A internet está cada vez mais censurada e pode ser que a DW seja sim a alternativa para a boa e velha (e nunca vista) liberdade totalitária. Contudo, se você resolver se aventurar de fato, é bom parar um minutinho e pensar em tudo que os homens podem fazer quando não tem ninguém dizendo não.
by Revista Galileu

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