terça-feira, 1 de dezembro de 2009

100% adepta

Minha fofa leitorinha Barbara reclamou do tratamento que fiz a mim mesma num post em que disse “esta senhora séria que vos fala”: “Lolinha, você não é senhora. Não é velha, como já vi você falando. Não que tenha algum problema em ser velho, mas não te considero assim, e precisava comentar...”.

Mas, evidentemente, o que a Barb sabe?! Ela tem vinte anos! (Eu fico pensando se ageism, preconceito Mas, evidentemente, o que a Barb sabe?! Ela tem vinte anos! (Eu fico pensando se ageism, preconceito contra velhos, também se aplica a preconceito contra jovens. E aí? Sim? Não? Talvez? E alguém me refresca essa cuca senil e me diga o termo em português pra ageism, por favor?).


Vocês lembram quando tinham quinze anos (a Barb lembra, decerto! Foi ontem!) e imaginavam que, quando chegassem aos dezoito, a vida mudaria radicalmente? Dezoito era hiper adulto, independente, praticamente casado, vivendo na sua casa própria (sem os pais, lógico), com um emprego garantido e ganhando os tubos, enquanto cursava a faculdade só como hobby intelectual. Aí você chega aos dezoito e vê que pouquíssima coisa muda. Foi umas das minhas primeiras desilusões.

Voltando, o “esta senhora séria” é praticamente um inside joke (como se traduz isso? Piada particular? Piada pessoal? Piada íntima? Essa que você faz e apenas amigos mais próximos entendem). Só que é um inside joke entre mim e a Lolinha de vinte e poucos anos atrás. Eu fazia estágio (remunerado!) como redatora numa agência de propaganda. E uma das minhas colegas preferidas era uma mulher algumas décadas mais velha e muito, muito divertida. A gente ria um monte juntas, e às vezes até trocava bilhetes. Ela assinava “Esta senhora séria”, uma frase que sempre amei, não só pela aliteração (o som sss que soa como uma serpente), mas pela ironia. Uma senhora realmente séria dificilmente assinaria dessa forma. E o que seria, afinal, uma senhora séria? Uma que não ri ou algo relacionado (como tudo na existência feminina) a nossa vida sexual?

Mas vamos falar do substantivo, senhora. Eu detesto e tenho vontade de pular no pescoço da pessoa que me chama de senhora. Porque esse tratamento deixa bem claro que eu já estou mais pra lá do que pra cá. Eu me recordo de uma vez em que eu, adolescente, fui pedir as horas prum hum, senhor na praia. Eu perguntei: “O senhor pode me dizer as horas?” (tão formal; eu sempre fui educada). E ele respondeu: “O senhor está no céu; são dez horas”. E dali em diante preferi chamar todo mundo de você. Mas se você chamar a minha mãe de você, e não de senhora, ela pula no seu pescoço e automaticamente assume que você não tem respeito pelos mais velhos. Eu já conversei com ela sobre isso, mas ela é irredutível. É que ela tem um lado formal forte. Já cansei de ouvi-la atender o telefone e dizer “Só um minuto que vou chamar a Senhora Lola”. Eu morro de vergonha.

Vocês perceberam que tá difícil manter um pensamento linear hoje. Mas, continuando, só pra que o pessoal generoso que aparece pra dizer que aprende tanto comigo não se arrependa demais, é tudo uma questão de perspectiva. Assim como pra um adolescente de 15 um de 18 parece O Adulto, pra quem tem 18 alguém de 40 ou 50 deve parecer O Velho. E lógico que existem diferenças consideráveis se a gente estiver falando de homens ou mulheres. Homem mais velho é charmoso, sábio, experiente. Mulher mais velha é... velha. Isso porque ainda vivemos numa sociedade em que mulher é vista pra cumprir duas funções, decorar e reproduzir. Como, após os 40, a mulher já está fora do padrão de beleza aceitável (que é de uma jovem ― vide as top models de 14 anos), e como fica mais perigoso parir, ela perde seu valor. E isso a gente vê na TV direto. Sabe aquele padrão de apresentador de TV grisalho, enrugado, acompanhado sempre por uma jovem deslumbrante? Isso se repete nos noticiários de TV. O William Bonner vai poder apresentar o Jornal Nacional até de bengala, mas a Fátima Bernardes, só enquanto aparentar ter seus 30 e poucos anos.

Mas nem era sobre isso que eu ia falar. Lembram quando escrevi sobre um comercial de moto em que um carinha esfregava os olhos e trocava as coisas ruins por coisas desejáveis, e uma das “coisas” era uma vizinha? A vizinha original, pré-troca, era uma senhora, não sei se quantos anos, 55? 60? Mas teve gente que a descreveu como idosa. E dá pra chamar uma pessoa de 50 anos de idosa? Ah, dá! Depende da perspectiva. Semana passada saiu na página inicial do Globo online uma manchete, “Idosas presas por furto em shopping”. Aí a gente clica e vai pra matéria e lá nota que elas foram promovidas a “senhoras”. Não eram idosas? Não, as acusadas têm 49 e 50 anos.

Mesmo que quem costuma furtar em shoppings e supermercados sejam pessoas bem mais jovens, não sei se seria notícia dar uma manchete como “Senhoras são pegas furtando”. Talvez seja. Já falei de um episódio da minha série de TV favorita, A Sete Palmos? A grande Kathy Bates faz uma ponta como amiga maluquinha de uma senhora reprimida, a grande Frances Conroy. Ambas têm seus 55 anos, por aí. E Kathy, pra descontrair, sugere que as duas furtem algumas coisinhas numa loja. Elas não serão descobertas, porque, segundo Kathy, após uma certa idade, as mulheres se tornam invisíveis. Elas deixam de ter valor e as pessoas deixam de reparar nelas. Claro que há vantagens nessa “invisibilidade”, e não estamos falando apenas de uma promissora carreira criminal. Se ninguém mais vai “avaliar o material”, dá pra parar de ter neura em emagrecer e se produzir. Adeus, pressão social! Ok, tá certo que a própria “não-avaliação” é uma avaliação, sem dúvida. Mas se a gente já tá fora do mercado, carta fora do baralho, não dá pra parar de se preocupar e viver a vida? Eu senti essa diminuição de pressão precocemente, com 40 anos (agora tenho 42), provavelmente por ser gorda. Eu poderia sentar no meio fio e chorar que o meu poder de sedução se esvaiu. Poderia entrar em crise de meia idade. Poderia correr atrás de lipos e plásticas e tentar prolongar meu poder por mais tempo. Mas, juro, eu me sinto livre. Por mais que volta e meia surjam uns patrulhadores babacas pra dizer que eu não sou livre, que na real eu sou gorda e velha, logo, sujeita ao julgamento deles, eu realmente estou aprendendo a dar de ombros. Agora posso me dedicar integralmente a ser admirada por qualidades não referentes a minha aparência física. Uau, posso praticamente ser homem!

E mal posso esperar pra chegar a minha fase idosa de verdade, quando esta senhora séria finalmente deixará de tingir os cabelos.

Este post tá todo confuso, eu sei. É que fui só escrevendo, sem saber aonde queria chegar. Mas lógico que nenhuma mulher precisa esperar ser chamada de senhora pra aprender a se lixar para as avaliações constantes que recebe acerca de sua aparência física. Lixe-se já.

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