Professor de História e Diretor de Escola.
Em plenas férias, e com o coração partido, parei para escrever sobre a tragédia de Capitólio, MG.
Há dois anos, planejei uma viagem àquele paraíso, mas a pandemia me impediu. À época, um colega professor alertou-me; “venha logo, porque há um grande investimento financeiro sendo empreendido, que já está dificultando o turismo e fechando vários lugares para a visitação pública”.
De férias, mas com dias chuvosos que não permitem que façamos muita coisa, não me restou alternativa senão assistir televisão. Ao acompanhar pela TV a tragédia em Capitólio, uma coisa me chamou a atenção de imediato; o esforço da mídia em tentar demonstrar a responsabilidade dos barqueiros no episódio. Um “entendido” em assuntos de risco e desabamento chegou a dizer que as lanchas e barcos que estavam ali bem na hora em que o pedaço gigantesco de rocha desprendeu-se, estavam com as proas (frente) viradas para o Canyon, o que dificultaria uma saída rápida. Este mesmo “entendido” emendou com a genial proposta da necessidade de uma regulamentação em que se permitiria apenas lanchas e barco potentes, pertencentes a grandes empresários do turismo. Segundo ele, só essas embarcações poderiam sair rapidamente do local em caso de acidente.
Em seguida, logo após às primeiras horas do acidente, um geólogo foi à TV para dar a sua opinião sobre a tragédia. Eu que sou geógrafo quase cai do sofá. Segundo o geólogo o desabamento teria sido “anormal”, porque o grande paredão caiu de forma horizontal. Para ele, se o desprendimento tivesse sido por causas naturais, o “normal” seria o paredão cair de forma vertical, ou seja, de cima para baixo. Dessa, forma, segundo o geólogo, ninguém teria morrido. Fiquei estarrecido. É isso mesmo! O estranho é que o geólogo sumiu do noticiário. Teria ele tocado num ponto sensível?
Imediatamente, lembrei-me do alerta do meu colega professor e corri para a internet para pesquisar o assunto. E achei.
Desde 2019, um grande grupo econômico vem investindo mais de R$ 135 milhões para a criação de três parques na região do acidente, como primeira fase de um megaprojeto turístico a ser concluído até 2026.
Esses três parques estariam localizados num área de 129 hectares, exatamente no mirante do Canyon. São eles: o Parque das Aventuras, o Parque da Contemplação e o Parque Aquático, a cereja do bolo do empreendimento, um resort com 134 apartamentos localizado entre o Lago de Furnas e o Parque Nacional Serra da Canastra.
O Parque das Aventuras foi inaugurado em setembro de 2021. Obras no local (uma ponte pênsil de 110 metros de comprimento e 50 metros de altura; uma tirolesa de 600 metros e quatro rapeis, com decidas e subidas exatamente nos paredões da Cachoeira do Canyon, onde ocorreu a tragédia), mexeu profundamente com a vegetação e, principalmente, no solo dos paredões do Canyon. A vegetação nativa foi retirada e houve perfurações no solo para suportar o peso das construções.
Estas obras podem ter contribuído, direta ou indiretamente, para modificar a solidez dos paredões. É preciso, portanto, uma análise mais aprofundada para afirmar isso, até para impedir que novos desmoronamentos ocorram no futuro.
Silêncio da mídia
Mas, a mídia, até agora, não falou e nem escreveu uma só palavra sobre este vultuoso investimento que vinha sendo divulgado pelas autoridades locais, governo estadual de Minas Gerais e o governo federal como a “internacionalização do turismo naquele paraíso”.
Os grandes grupos econômicos descobriram, nos últimos 20 anos, o filão do turismo no Brasil. Avançam indiscriminadamente sobre nossos paraísos naturais e de forma predatória. Jair Bolsonaro fala em megaconstruções em Fernão de Noronha. Pensam, evidentemente, apenas no lucro, sem nenhum compromisso com a preservação da natureza. Quando o fazem, visam apenas a promoção pessoal e objetivos políticos.
Hoje, choramos os mortos de Capitólio. Mas, não devemos esquecer das “sábias” palavras do ex-Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, na reunião da vergonha, dia 22 de abril de 2020, quando, na presença de Jair Bolsonaro, disse que era preciso “ter o esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento e simplificando normas, de IPHAN, de Ministério da Agricultura, Ministério do Meio Ambiente, ministério disso, ministério daquilo”. Sales foi exonerado em 23 de junho de 2021, após acusações de suposto envolvimento em esquema de exportação ilegal de madeira do Brasil para o exterior e também de corrupção. Ou seja, quem deveria defender as nossas florestas estava, na verdade, derrubando e contrabandeando madeira.
Com esse tipo de pessoa no poder, os empresários aproveitaram para “passar a boiada” e aprovar os seus próprios projetos para desregulamentar todo o arcabouço jurídico da nossa fauna e flora.
Choramos Capitólio como se fosse um acaso da natureza. Um grande azar. Ou ainda, achar que aqueles turistas estavam ali na hora errada. Uma fatalidade.
Pergunto: até quando a mídia vai esconder essas informações do grande público? Não foi fatalidade. Não foi culpa dos barqueiros por não terem barcos ou lanchas com “motores potentes”.
Começamos 2022 com 10 vítimas em Capitólio, MG, assim como começamos mal o ano de 2013, com o incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, RS (que tirou a vida de 242 jovens e deixou 636 feridos) ou na passagem de 1988 para 1989, quando o barco Bateau Moucho IV naufragou por excesso de passageiros, matando 55 pessoas.
Até quando vamos contar vítimas em nome do lucro? Quanto vale a vida humana?