segunda-feira, 3 de maio de 2021

Acusados de Pedofilia impõem terror e silêncio no Amazonas

Por Kátia Brasil
06/03/2014
A recente passagem da CPI da Pedofilia da Câmara Federal pelo Amazonas revelou que os políticos, empresários, comerciantes e servidores públicos, todos acusados de suposto envolvimento em crimes de abusos sexuais contra crianças e adolescentes nas cidades de Manaus e Coari, estão utilizando de artifícios como ameaças de morte a uma delegada, intimidações às vítimas, compra do silêncio de testemunhas, sumiço de processos, vazamentos de informações e até saques milionários para pagamentos de soltura no intuito de se manterem na impunidade. O cenário das investigações é de terror.

Em Manaus, 20 pessoas, entre eles, o deputado estadual Fausto Souza e irmão do deputado federal Carlos Souza, ambos do PSD, o ex-prefeito do município Jutaí, Asclepíades da Costa (PR), os empresários Waldery Areosa Ferreira, do ramo de educação e turismo, e o empresário do setor de transportes José Roberto Afonso (veja correção abaixo), além de agenciadores de meninas, são réus em uma ação resultada da Operação Estocolmo da Polícia Civil, realizada em 2012. A operação desmontou um esquema de corrupção de menores, favorecimento à prostituição infantil, estupro de vulnerável e rufianismo, que é a obtenção de lucro mediante exploração sexual.

Depois de obter a liberdade por cinco anos e se beneficiar da morosidade do trâmite das ações na Justiça do Amazonas, o prefeito de Coari, Adail Pinheiro (PRP), amplamente apoiado pelo PT, PMDB e PSD, e mais cinco servidores de confiança estão presos há 17 dias em Manaus por acusações de lideraram na cidade um esquema de favorecimento à prostituição infanto-juvenil. O esquema de abusos de menores foi revelado pela Operação Vorax da Polícia Federal, em 2009, durante investigações de desvio de dinheiro público do município pobre de 80 mil habitantes, mas que recebe royalties, R$ 82,5 milhões só em 2013, pela produção de gás natural na região.

Ameaças e compra de testemunhas

Na sexta-feira (21), durante reunião com a presidente da CPI, deputada Érika Kokay (PT-DF), o procurador geral de Justiça, Francisco Cruz, afirmou que a delegada Linda Glaucia de Moraes, que coordena as investigações da Operação Estocolmo, está recebendo ameaças de morte. Ele disse também que a investigação detectou pagamentos para testemunhas mudarem os depoimentos.

“Estamos investigando informações de que a delegada Linda Glaucia está sofrendo ameaças de pessoas influentes. Se confirmar isso, vou requerer prisão preventiva dessas pessoas. Recebemos também informações de depósito bancários para que, possivelmente, testemunhas desfaçam seus depoimentos. Estou analisando e não posso dar mais detalhes pelo segredo da investigação”, afirmou Cruz, destacando que 20 denunciados da Estocolmo serão ouvidos num único dia. “Eu irei fazer essa audiência para imprimir ritmo de celeridade e buscar uma resposta de uma maneira mais efetiva”.

Saques milionários

O procurador geral de Justiça trouxe informações ainda mais preocupantes das investigações com relação ao prefeito Adail Pinheiro. Segundo Francisco Cruz, nas contas bancárias da Prefeitura de Coari (a 370 quilômetros de Manaus) foram detectados saques milionários para iniciar “uma operação de soltura” do prefeito.

“Na semana passada recebemos a informação de saques vultosos das contas (da Prefeitura) de Coari. Pessoas estariam trazendo valores altos para iniciar uma operação de soltura do prefeito de Coari. Adotamos uma providência e monitoramos o aeroporto e os barcos. Não conseguimos pegar essas pessoas que estariam vindo com o dinheiro, inclusive, dentro de mochilas”, afirmou o procurador Francisco Cruz.

Ele disse que o Ministério Público tentou fazer escutas telefônicas autorizadas pela Justiça nos telefones das pessoas que traziam as remessas de dinheiro para a operação de soltura de Pinheiro, mas os promotores descobriam que o grupo passou a usar rádios transmissores para driblar a investigação.

“Nós entramos com o pedido de escuta também, mas depois disso, não sabemos se houve vazamento. As informações que nos chegaram é que eles não estão usando mais telefones, estão usando rádios transmissores. Então é um confronto de pessoas poderosas, acostumadas com a impunidade. De pessoas que tinham a certeza da impunidade, mas agora o cenário está mudando, estamos com duas prisões preventivas”, afirmou o procurador geral de Justiça, Francisco Cruz.

Sumiço de processo

Ainda na reunião no Ministério Público Estadual, a presidente da CPI da Pedofilia (Comissão Parlamentar de Inquérito que apura denúncias de Turismo Sexual e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes), Érika Kokay, revelou um fato inusitado sobre as diligências na quinta-feira (20) no município de Coari. O processo (nº 0004800-98.2014.8.04.0000) que envolve o prefeito Adail Pinheiro em crime de favorecimento à prostituição contra menores do município, aberto em 2008, e que era dado como sumido pela fiscalização do Conselho Nacional de Justiça, foi encontrado na Justiça Federal de Roraima.

Kokay recebeu informações do reaparecimento do processo do presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, desembargador Ari Moutinho, que havia negado durante as duas diligências da CPI no Amazonas, em 2013. O processo em questão se resume em dois envelopes contendo fitas de áudio e CDs com as seguintes frases: “Garotas a Mega Model” ou “Garotas do Fabinho”. Os documentos estavam há 50 dias Justiça Federal de Roraima parado. Antes tramitou em Brasília e, em Tefé (município próximo a Coari).

“Fabinho” é o apelido de Fábio Souza de Carvalho, um dos 23 presos da Operação Vorax em 2008 quando a PF apurou um esquema de fraudes em licitações de mais de R$ 50 milhões na administração de Pinheiro. De acordo com as investigações, Fábio Souza de Carvalho era o proprietário da agência Mega Models, em Manaus. Escutas telefones revelaram conversas entre ele e Adriano Salan, homem de confiança do prefeito, para contratação de meninas.

A deputada Érika Kokay disse que com o reaparecimento dos documentos da Operação Vorax, agora, Adail Pinheiro é acusado em seis processos de abusos contra menores, sendo cinco de favorecimento à prostituição infantil e um de estupro de vulnerável. Os julgamentos dos processos estão previstos para o segundo semestre deste ano. “O presidente do Tribunal (Ari Moutinho) nos disse que foi houve um equívoco o processo ser remetido para Roraima. O erro foi detectado e o processo resgatado”, afirmou a parlamentar.

Suspeição de magistrados

Há 17 dias, Adail Pinheiro cumpre duas prisões preventivas por determinação do Tribunal de Justiça do Amazonas. A primeira ocorreu no dia 08 por ordem do desembargador Djalma Martins da Costa em ação penal proposta pelo pedido do Ministério Público Estadual.
Desembargadores do TJ receberam orientação do Conselho Nacional de Justiça (Foto: Divulgação TJ-AM)

Antes, o Conselho Nacional de Justiça já tinha aberto sindicância para investigar a morosidade em ações que tramitavam no tribunal, envolvendo o prefeito. No dia 18 deste mês, na antevéspera da chegada da CPI da Pedofilia, o desembargador e relator do processo criminal deixou o caso justificando suspeição, sem condições de apreciar a ação. Outros dois magistrados se negaram a assumir o caso. O processo (nº. 0003606-63.2014.8.04 .0000) em segredo de justiça e indisponível para leitura, está sem relator.

“O presidente do Tribunal (Ari Moutinho) diz que foi é uma questão de foro íntimo. Mas, isso indica o nível de influência e ramificação do seu Adail. Uma pessoa com esse nível de denúncias, estando presa e com evidência de que é um criminoso, é uma pessoa que construiu uma rede de retaguarda. Ele não é o único culpado, temos pessoas que representam instituições e que alimentam essa teia de impunidade”, disse Kokay.

A segunda prisão preventiva do prefeito Adail Pinheiro foi decretada pelo desembargador Rafael Romano, especialista no direito das crianças e adolescentes, com base no processo (nº. 0007428-94.2013.8.04 .0000) que envolve o prefeito em acusação de crime de favorecimento à prostituição. A investigação foi aberta durante a Operação Vorax da Polícia Federal, em 2008. Em 2009 o prefeito foi preso, mas ganhou uma liminar do Supremo Tribunal Federal, o que lhe garantiu a liberdade por cinco anos.

No dia 14 último, o ministro Roberto Barros cassou o habeas corpus de Pinheiro e recomendou a decretação novamente da prisão do prefeito, o que Romano acatou. Agora, o desembargador enfrenta a reação da defesa do político que tenta afastar o magistrado do processo alegando impedimento e suspeição, mas não obtiveram sucesso ainda.

Terror em Coari
Membros da CPI da Pedofilia durante diligência em Coari (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)

Para a deputada Érika Kokay, a prisão de Adail Pinheiro ainda não foi suficiente para restabelecer a democracia e a lei em Coari. Na quinta-feira (20) em diligência na cidade ela e a deputada Liliam Sá (Pros-RJ) ouviram depoimentos de nove pessoas ameaçadas de morte. A casa de um conselheiro tutelar foi alvejada por tiros.

“Temos um estado de terror estabelecido no município de Coari. Nós ouvimos uma adolescente ameaçada, que teve que sair de sua cidade. E onde ela continua ameaçada onde está. Temos um conselheiro que está sendo ameaçado por parentes das pessoas que estão presas. São pessoas que têm medo de sair nas ruas. O que percebemos é o Estado Democrático de Direito ameaçado ou rasgado no município de Coari”, afirmou.

A deputada Érika Kokay pediu ao procurador geral de Justiça, Francisco Cruz, que ampliasse a justificativa de um pedido de intervenção no município de Coari, encaminhado ao Tribunal de Justiça do Amazonas pelo MPE na semana passada, para o afastamento de todo secretariado de Adail Pinheiro da prefeitura, inclusive com decretações de prisões. No pedido, o procurador-geral alegou que o prefeito Adail Pinheiro estava interferindo nos trabalhos do Conselho Tutelar.

“Me parece que o objetivo da intervenção é muito pontual, restrito. Nós temos secretários e grupos que se alimentam dos recursos da prefeitura, que ameaçam testemunhas e violam os direitos das crianças e dos adolescentes. Então há a necessidade de trabalharmos juntos nesse processo do MPE”, afirmou a deputada, que recebeu aval de Francisco Cruz para repassar as novas denúncias.

Regalias na prisão

Em 2009, o prefeito ficou preso no mesmo quartel (Foto: Alberto César Araújo)

O prefeito de Coari, Adail Pinheiro cumpre as duas prisões preventivas no Batalhão de Cavalaria da Polícia Militar, na zona oeste de Manaus, por medida de segurança a pedido da defesa dele. Como o portal Amazônia Real adiantou, ele divide a cadeia, com televisor e frigobar, com dois militares acusados de homicídio.

O almoço e jantar do prefeito são levados pela família de restaurantes. Também recebe visitas e usa celular. O Ministério Público Estadual já enviou dois promotores para investigar as denúncias. Mas, como o Batalhão é avisado antes da vistoria acontecer, os promotores só encontram o frigobar, que foi retirado da cela do prefeito. A reportagem apurou que Cao-Crimo (Coordenação da Promotoria de Combate ao Crime Organizado) ainda não foi requisitado por portaria do procurador geral de Justiça, Francisco Cruz, para investigar essas denúncias.

Segundo Érika Kokay, o esquema de Coari continua sendo comandado por Adail. “Como ele comando isso? A população já constatou que malas de dinheiro partem de avião do aeroporto de Coari. Então, a prisão não está sendo um elemento que impeça ele de comandar esse esquema”, disse.

Cobrança ao Amazonas

Durante as diligências em Coari, a deputada da CPI da Pedofilia, Érika Kokay, também confirmou que policiais militares estão ameaçando testemunhas, inclusive menores, e protegendo envolvidos nos crimes. Ela cobrou uma posição do governador Omar Aziz, líder do PSD no Norte. “O governador do Amazonas (Omar Aziz) poderia cumprir uma função mais efetiva e mais clara no enfrentamento a exploração sexual e a situação de Coari. As pessoas que estão ameaçadas serão ouvidas daqui a sete dias na Justiça, e elas relatam dificuldades de registrar ocorrências na polícia. Há muitas denúncias que muitos os boletins fiquem sem providência. Então tem uma falência do Estado, que envolve uma postura dos representantes do Estado com firmeza necessária”, disse a deputada Érika Kokay.

O Amazônia Real errou ao publicar nesta reportagem que o deputado estadual Adjuto Afonso (PP) é irmão do réu José Roberto Afonso no dia 24/02/2014. Segundo a assessoria de imprensa do deputado, não existe parentesco entre o parlamentar e o empresário. A informação errada foi retirada desta reportagem nesta quinta-feira, 06 de março de 2014. Comunicamos a correção do texto aos nossos leitores e republicadores.




Kátia Brasil é jornalista formada pela Faculdade de Comunicação e Turismo Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, em 1990. Tem experiência em jornal, rádio, e TV em pautas investigativas de política, economia, direitos humanos e meio ambiente. Em março de 1990 mudou-se para a Amazônia. Em Roraima trabalhou nos jornais O Estado de Roraima e A Gazeta de Roraima, TV Educativa, e no O Globo. No Amazonas, onde reside, trabalhou no Amazonas Em Tempo, TV Cultura, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo Entre os prêmios que ganhou está o Esso de Jornalismo Região Norte com reportagem “Bandeira do Brasil Hasteada na Fronteira”, publicada pelo jornal A Gazeta de Roraima. É cofundadora e editora-executiva da agência Amazônia Real. (katia@amazoniareal.com.br)

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