segunda-feira, 9 de junho de 2014

Regra dura atrai idosos às invasões do centro


DIEGO ZANCHETTA - O ESTADO DE S.PAULO
08 Junho 2014 | 02h 02

Moradores fogem do aluguel alto e aprovam conduta rígida imposta a vizinhos

Morador da ocupação da Rua Marconi, no coração do centro de São Paulo, Edilísio Melo, de 70 anos, trabalhou por três décadas como vendedor de carros em uma loja na Alameda Barão de Limeira. "Um ano antes de ganhar a aposentadoria a loja faliu e descobri que nunca haviam depositado meu INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) nem o fundo de garantia. Fiquei sem aposentadoria", conta ele, casado com Cleide Vieira de Moraes, de 58 anos.
O casal pagava R$ 650 de aluguel em uma pensão na região do centro conhecida como Cracolândia. Até que um amigo insistiu para que eles fossem conhecer a ocupação mantida pelo Movimento Moradia Para Todos (MMPT), que cobra R$ 30 por semana de cada família para a manutenção do prédio. "Eu nunca imaginava que aqui poderia ser tão organizado, tudo limpo, com pessoas que te respeitam", diz Cleide.
Invadido em outubro de 2012, o edifício de 1939, projetado pelo modernista francês Jacques Pilon (1905-1962), está sendo adquirido pela Prefeitura e será transformado em moradia definitiva para as 142 famílias que ocupam 13 andares.
"Em mais de 40 anos nunca morei em um lugar melhor", afirma Joaquim Vieira de Souza, de 60 anos, que há três décadas faz pesquisas de opinião abordando pedestres no Viaduto do Chá. "Também faço a distribuição de vários jornais de bairros nos comércios", conta.
Ele também cita as regras da ocupação como um dos maiores atrativos do lugar. Não deixar o lixo no horário certo embaixo do prédio ou faltar na escala da limpeza rende multa de R$ 25. "Ninguém pode nem gritar com a mulher aqui. Casal que briga muito é logo expulso. Também não pode som alto. Isso é muito bom", elogia Souza, casado com Berenice Ramos, de 66 anos.
"A gente pagava R$ 500 de aluguel antes, lá na Rua Conde de São Joaquim (no centro), por um cômodo menor do que esse aqui que estamos hoje. E agora estou mais próximo do trabalho. Por mim, ficava aqui para sempre", emenda Souza.
Padaria. Outro edifício icônico do centro, o JM Magalhães, de 1943, antiga sede da Associação dos Representantes Comerciais de São Paulo (Arcesp), no Largo do Paiçandu, está ocupado por 55 famílias que devem realizar o sonho da casa própria na região. A Prefeitura está prestes a concluir a compra do prédio e transformá-lo em moradia definitiva para seus atuais ocupantes.
Em um dos andares do edifício foi montada pelo Fundo Social de Solidariedade do governo estadual uma oficina de corte e costura. Da cozinha comunitária do prédio saem marmitex vendidos por R$ 6 e feitos pelas mulheres da ocupação. "Agora estamos lutando para criar também um salão de beleza", afirma Joanita Damasceno, de 50 anos, responsável pela oficina de costura.
Ela conta que antes tinha muito preconceito com os movimentos de moradia. "Eu olhava esses sem-teto e ficava com raiva, pagava mais de R$ 1 mil para morar. Quando eu vim com um amigo aqui conhecer e vi que na portaria eles barram qualquer morador que esteja bêbado, que ninguém pode usar droga aqui dentro, eu perdi todo esse preconceito. Até minhas filhas já vieram aqui me visitar", conta Joanita, que é divorciada e mora sozinha na ocupação. 

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