sábado, 23 de fevereiro de 2013

Há 29 anos, a trágedia da vila Socó, em Cubatão SP, onde houve o vazamento de 700 mil litros de gasolina de um dos dutos de gasolina da Petrobrás. No sinistro, mais de 500 pessoas morreram naquela noite, o que significa se tratar do maior número de mortes em um único episódio, nos últimos anos, em todo o mundo. by Deise


Lembranças da Vila Socó, ontem e hoje

Na madrugada de 24 de fevereiro de 1984, um forte cheiro de gasolina assustou aos moradores da Vila Socó, uma favela formada por barracos de palafitas suspensos sobre uma área de mangue, em Cubatão-SP. Um duto de gasolina da Petrobrás que passa em baixo da Vila Socó iniciou um grande vazamento, jorrando 700.000 litros de gasolina que se alastraram por toda área alagada. Bastava uma fagulha para que tudo ardesse em chamas.E foi o que aconteceu.

Causa provável:
Vazamento de 700 mil litros de gasolina de um dos dutos que atravessam a Vila Socó. O combustível misturou-se com a água do mangue sob as casas de palafitas. Uma faísca provocada por fósforo ou curto circuito em fio elétrico pôs fogo à mistura de água com combustível. As chamas chegaram rapidamente ao oleoduto e provocaram a explosão.

Relato da tragédia
Onilda Gomes de Albuquerque Oliveira, uma das moradoras do local e sobrevivente da tragédia:
Pela uma hora da manhã, meu vizinho me acordou. Nós estávamos sentindo um cheiro de gasolina, mas não nos preocupamos, era costume essas fábricas soltarem sempre muitos gases à noite. Era muita poluição. Saímos para rua; eu, meu marido e meus filhos e fomos conversar com um policial. Quando ele acaba de afirmar "- Não senhora, não tem perigo, já está tudo sobre controle."
Vimos uma explosão subindo no céu. Não deu tempo para pôr camiseta nem nada, a gente não sabia para onde ir. Eu só lembrei dos meus filhos. O policial não conseguia sair do lugar, olhava para o fogo paralisado.
Os vizinhos saíram correndo, deixando tudo. Quanto mais você corria, mais parecia que a quentura estava nas suas costas e você não conseguia nem olhar pra trás. Gente sendo pisada, empurrada, na ponte de palafita. Uma senhora sendo pisoteada, ninguém ajudava porque só queriam sair dali.
Gente saindo correndo, desesperada, um alvoroço e aquela fumaça preta subindo. Fomos até parar na Cota (bairro na encosta da Serra do Mar), porque não sabíamos para onde ir, estava tudo explodindo. Uma coisa muito triste.
Boa parte das pessoas não conseguiu escapar, porque ao invés de virem atrás da gente, deram a volta pelo lado contrário, aí caíram na maré. Quando vimos os corpos de animais queimados, era como se a gente tivesse vendo alguém da nossa família, porque não dava para saber se eram seres humanos ou não.
Depois que as pessoas começaram a mexer é que a gente conseguia ver que era um porco, um cachorro, essas coisas, e, do outro lado, tinham as pessoas que estavam muito, mas muito queimadas.

Geraldo de Jesus Guedes, de 41 anos, viu o incêndio de perto.
"Corri mais de três quilômetros para fugir do fogo", disse. Para Guedes, morreram pelo menos mil pessoas. "Muitos não tinham documentos. O fogo queimou tudo e não foi possível provar nada", diz.

Dados oficiais
93 mortos e mais de 4.000 feridos

Dados extra-oficiais
Mais de 500 pessoas morreram na tragédia de Vila Socó, em Cubatão, o que significa se tratar do maior número de mortes em um único episódio, nos últimos anos, em todo o mundo.
Os números da tragédia de 25 de fevereiro de 1984 foram liberados pelos promotores Marcos Ribeiro de Freitas e José Carlos Pedreira Passo, com base nos laudos periciais elaborados pelo Instituto Médico Legal de Santos, e faz parte do relatório do Inquérito policial, presidido pelo delegado Antônio Hussemann Guimarães..

Na primeira hipótese
Foram 508 mortos, calculados da seguinte forma: 86 óbitos documentados, com encontro de cadáver, mais um número estimado de 300 crianças de zero a três anos de idade, mais 122 crianças de 3 a 6 anos.

Num segundo caso,
Seriam 631 os mortos na tragédia, considerando-se os mesmos 86 óbitos documentados, mais as 300 crianças de zero a três anos, além de 245 crianças de 3 a 6 anos, que continuam desaparecidas (e que na primeira hipótese foram consideradas apenas como 122).

Finalmente, numa terceira hipótese,
Além das crianças de zero a seis anos, tomadas em conjunto, soma-se um número não determinado de adultos, além daqueles 86 corpos localizados (entre os localizados 22 corpos eram de crianças com idade presumida além dos sete anos de idade), o que levaria o número final a cifras não calculadas, mas que iriam além das 700 pessoas.
Além desses mortos estão registrados 27 feridos com lesões graves e outros cem, pelo menos, com lesões mais leves.
Assim, tomando-se a primeira hipótese, de 508 mortos, que é o que deverá constar dos autos do processo que se iniciará, o número total de vítimas deverá ser de 635.
A maior parte desses mortos jamais será localizada, partindo-se do princípio que o calor gerado pelo incêndio, particularmente no centro da Vila Socó, ultrapassou a mil graus de temperatura, por várias horas.
Basta comparar essa informação com aquelas colhidas pelo IML, junto ao forno crematório de Vila Alpina, em São Paulo, que para incineração total (inclusive dentes) utiliza-se de três minutos a 800 graus centígrados, mais 30 segundos a mil graus.
Ou ainda outras informações colhidas oficialmente: nenhum corpo de criança com menos de presumíveis sete anos de idade foi localizado, mesmo nas áreas periféricas do incêndio; na área central, sequer corpos de adultos foram localizados.

Indenização
Na Vila Socó, as famílias dos 93 mortos foram indenizadas, embora ninguém do lugar, nem mesmo o prefeito atual Clermont Silveira, acredite que o número de mortos foi o oficial. "Estive lá durante o incêndio como médico e vi muitos mortos", diz o prefeito.
Hoje, vida segue tranqüila sobre dutos da Petrobrás

Tragédia de 1984, em Cubatão, não provocou remoção das famílias. Mais de 18 anos depois da tragédia de Vila Socó existem pelo menos 80 famílias com moradias em cima ou a menos de 15 metros dos dutos da Petrobrás, causadores do acidente de 1984, em Cubatão, na Baixada Santista, em São Paulo.
As prefeituras de cidades-sede de terminais petrolíferos e municípios por onde passam os dutos da Transpetro, sucessora da Petrobrás na movimentação de petróleo e derivados, estão sendo notificados sobre construções irregulares na faixa de proteção dos dutos. A empresa quer retirar os moradores e pede ajuda do poder público.
O recuo mínimo determinado pela lei 6.766/79 é de 15 metros de cada um dos lados dos dutos. As áreas de risco, já identificadas por uma comissão de vereadores de Cubatão, criada para analisar o pedido da Transpetro, são a Cota 95, Pinheiro do Miranda, Vilas Noé, dos Pescadores e Curtume.
As áreas foram ocupadas irregularmente há mais de 20 anos e estão próximas a dutos e ao Terminal Marítimo da Petrobrás. .
O prefeito de Cubatão, diz que as famílias não podem continuar em áreas de risco. "O temor é grande", afirma. Entretanto, ele considera que a Petrobrás terá de indenizar as famílias. Na opinião do prefeito, cabe à empresa a responsabilidade pela fiscalização das áreas, indenização das famílias ou construção de novas casas para as pessoas morarem.

Urbanização da Vila Socó
As casas da Vila Socó, antes de palafitas, agora são de alvenaria, as ruas asfaltadas, o duto da Petrobrás foi urbanizado e a prefeitura construiu playground para crianças. Os dutos ficam a mais de 15 metros das casas.
População da Vila Socó : 5.883 moradores segundo o censo do IBGE de 1979
Fonte: Prefeitura Municipal de Cubatão

Área de Risco
Segundo a presidente da Defesa Civil de Cubatão, Lusimar da Costa Lira, mais de 18 mil pessoas moram em áreas perigosas na cidade, incluindo encostas com risco de desabamento de barracos e próximas a tubulações da Petrobrás. Segundo ela, a fiscalização, manutenção e preservação das áreas dos dutos são de responsabilidade da empresa e não do município.
Já o gerente de controle de terminais terrestres e oleodutos da Transpetro, em São Paulo, Alberto Mitsuya Shinzato, lembra a existência da lei federal 6766/79 que delega aos municípios autonomia para evitar a ocupação das áreas de risco.
Diz, contudo, que não pretende polemizar com os prefeitos e considera que a negociação para remoção das famílias vai ser "longa e complexa". Sugere que as partes envolvidas encontrem mecanismos para resolver o problema. Em nenhum momento falou em indenização das famílias.
Só na área Cota 95, mais de 30 casas estão dispostas ao longo de dois quilômetros em cima ou a menos de 15 metros dos dutos.
Estima-se que na Cota 95 vivam cerca de 800 pessoas. A rua por onde passam os dutos não tem nome: é chamada pelos moradores como "Faixa de Oleoduto".
Na área Cota 95 crianças brincavam com fogo, perto das tubulações bem embaixo das placas que alertam para a proibição de construções.

Fontes : Folha de São Paulo - São Paulo, domingo, 25 de março de 1984, Gazeta Mercantil-Cubatão, 12 de Julho de 2002, e relato do jornalista Guilherme Barros





by Zona de Risco


Um comentário:

Anônimo disse...

Só faltou dizer que o vazamento não ocorreu de uma hora para outra. Era coisa antiga e que não era comentado pelos moradores pois alguns se aproveitavam disso e armazenavam combustível em tambores num mercado clandestino.
Quando pegou fogo, havia diversos "estoques" clandestinos no lugar o que aumentaram exponencialmente a tragédia

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