Estadão
Valter Pontes/AE - 25.11.2011
"Ministro Mário Negromonte nega fraude em  documentos"
BRASÍLIA - Em entrevista exclusiva ao Estado, o analista  técnico do Ministério das Cidades Higor Guerra confirmou, pela primeira vez, a  pressão que sofreu para adulterar o processo que trata da implantação de sistema  de transporte público em Cuiabá para a Copa do Mundo de 2014. Ele disse que a  operação fraudulenta começou após o Ministério Público de Mato Grosso pedir os  documentos e a Controladoria-Geral da União (CGU) emitir parecer contrário à  obra. 'Sim, houve uma fraude', disse ele na conversa gravada.
 O funcionário também entregou à reportagem o depoimento que  prestou na sexta-feira ao Ministério Público Federal. Ele deu detalhes da  operação - revelada pelo Estado na quinta-feira - que escondeu sua nota técnica  de 8 de agosto, de número 123/2011, contrária ao projeto de R$ 1,2 bilhão para o  Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que substituiu o BRT (linha rápida de ônibus).  O projeto do BRT custava R$ 489 milhões. A fraude foi feita para cumprir o  acordo político do governo federal com o governo de Mato Grosso, Sinval Barbosa  (PMDB), a favor do VLT.
 Segundo Higor Guerra, no dia 29 de junho, numa reunião com  integrantes do governo de Mato Grosso, os técnicos estaduais 'reconheceram que  não tinham conhecimento técnico sobre o projeto de VLT, e que a decisão de sua  implantação havia sido política'. A gerente de projetos do ministério, Cristina  Soja, no entanto, disse a ele que 'a posição do órgão (ministério) tinha que  estar em sintonia com a decisão do governo'. Higor afirmou que o cronograma do  VLT era 'falho', 'pois previa várias fases sendo realizadas ao mesmo tempo de  forma incorreta'.
 O analista entregou ao Ministério Público Federal 200 páginas e  nove anexos sobre o caso.
 Ele disse acreditar que a fraude ocorreu no dia 26 de outubro,  quando descobriu uma 'alteração' na 'pasta de rede' em que são guardados esses  documentos, incluindo sua nota técnica. No dia seguinte, o Ministério das  Cidades providenciou o envio dos papéis para o Ministério Público de Mato  Grosso, com a nota técnica fraudada, agora a favor do VLT, data retroativa a 8  de setembro e o mesmo número 123/2011. Gravação revelada na quinta-feira pelo  Estado mostra a diretora de Mobilidade Urbana, Luiza Vianna, admitindo que a  estratégia era enganar o Ministério Público de Mato Grosso.
 Higor Guerra responsabilizou Luiza pela manobra. 'Ela retirou  um documento aprovado por ela e que já estava autuado no processo e tramitava  havia bastante tempo. Ela retirou e inseriu nova nota técnica e creio que isso  não é um procedimento regular.' Em reunião na segunda-feira com assessores,  Luiza disse que agiu a mando do chefe de gabinete do ministro Mário Negromonte,  Cássio Peixoto.
 Copa. Funcionário de carreira do Ministério das Cidades desde  2008, e com mestrado em transportes pela Universidade de Brasília (UnB), Higor  Guerra contou que foi designado no começo deste ano para cuidar tecnicamente das  obras de Cuiabá e Manaus, cidades-sede da Copa. Em 8 de agosto, ele disse que  concluiu a nota técnica que apresentava problemas para a mudança do BRT pelo  VLT. De acordo com ele, o agente administrativo Marcelo Barbosa 'foi quem juntou  o documento aos autos e numerou e rubricou as folhas'.
 O depoimento dele ao Ministério Público Federal mostra que a  operação a favor do VLT começou no dia 9 de setembro, quando o Ministério das  Cidades recebeu a nota da CGU - revelada sexta-feira pelo Estado. A análise da  controladoria era contrária à mudança do projeto de Cuiabá e coincidia com o  parecer 123/2011 de Higor Guerra. Dias antes, o governo federal havia feito um  acordo com Mato Grosso a favor do VLT. Diante disso, o Ministério das Cidades  precisava mostrar que sua posição técnica era diferente da CGU.
 O servidor contou que, a partir de 6 de outubro, começou a ser  pressionado a rever sua nota técnica do dia 8 de agosto. Disse ainda que  sentiu-se intimidado. 'A partir desse dia, teve quatro dias de desgastantes  conversas com Cristina Soja, pois o depoente se recusou a alterar a nota técnica  que já tinha produzido', revela trecho do depoimento.
 O assédio para recuar, segundo ele, piorou em 14 de outubro,  quando o Ministério Público de Mato Grosso solicitou informações ao Ministério  das Cidades. 'O que gerou ainda mais pressões', disse Higor Guerra. Precavido,  contou ter tirado cópias do processo entre 6 de 26 de outubro, 'pois Cristina  estava insistindo em trocar a nota técnica'.
 Foi em 7 de novembro que ele descobriu a adulteração, 'com a  extração de sua nota técnica e a inserção de outra com a mesma numeração'. Dois  dias depois, o analista pediu transferência da área em que trabalhava.
 
 
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