SAÚDE | Eugenio Goussinsky, do R7
19/09/2015 - 00H10 (ATUALIZADO EM 19/09/2015 - 07H11)
Traficantes comercializam órgãos de pessoas desfavorecidasREPRODUÇÃO/FACEBOOK
Em 2004 foi instaurada a CPI do Tráfico de Órgãos no Congresso Nacional, a partir do caso Paulinho Pavesi, cuja morte em 2000, quando tinha 10 anos, levou à condenação de médicos por transplante ilegal de órgãos. O relatório final concluiu pela existência de vários casos no Brasil, incluindo o do menino que morreu em Poços de Caldas.
O texto dos parlamentares relatou a ação de uma “máfia” brasileira. A comissão indiciou nove médicos. E a lista de denúncias, desde então, cresceu.
Em 2013, no Amazonas, após a morte do filho Bóris de Araújo Silva, que tinha sete anos, Naef Ribeiro, de 58, denunciou suposta quadrilha de 'tráfico de órgãos' no Estado. Ele tenta provar que o menino teve os rins ‘roubados’ pelo que define como quadrilha de cirurgiões. Isso demonstra que a suspeita em relação à “máfia” ainda existe.
Já em 2015, o MPE (Ministério Público Estadual) de São Paulo apura uma possível existência de tráfico de órgãos para pesquisa e estudo no Svoc (Serviço de Verificação de Óbitos da Capital). O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) investiga o caso em inquérito que corre em sigilo desde o ano passado.
No texto final da CPI foram citados, entre outros episódios, a existência de quadrilha no Recife, que tinha a participação de um ex-major do Exército israelense, Gedalya Tauber. Ele está preso até hoje, de acordo com o coordenador do Departamento de Ética em Transplantes, da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos), Mario Abbud Filho.
Conforme afirma o documento, Tauber comandava uma associação ilegal que comprava rins de moradores da periferia do Recife por até U$10 mil (hoje cerca de R$ 37 mil). Após exames pré-operatórios na capital pernambucana, os candidatos eram levados a Durban, na África do Sul, para a cirurgia.
E se incluíam, por combinação, no esquema quando, de volta ao Brasil, começavam a buscar novos doadores, recebendo US$ 1.000 (cerca de R$ 3,7 mil) por voluntário captado. Foram promovidos 38 transplantes pela quadrilha em dois anos.
Também foram incluídos no relatório da CPI outros quatro casos. Um menino em Brasília também foi vítima de uma quadrilha, e um caso em Taubaté tornou-se assuntou nacional quando quatro médicos foram acusados de eutanásia e transplantes ilegais, tendo sido denunciados pelo Ministério Público e presos.
Completam a lista o caso de venda ilegal de cadáveres em Franco da Rocha e o da importação de córneas, o que é crime.
Coordenador rebate
O coordenador Abbud Filho não acredita na existência de máfias deste tipo no Brasil, formadas por criminosos que facilitam a morte do paciente para vender seus órgãos. E nem casos de comércio ilegal. Ele não nega que isso exista, mas com organização fora do Brasil, como na China.
— É sabido que a China executa prisioneiros com data agendada de transplante de seus órgãos para pessoas de fora. É a única situação que conheço que existe esse tipo de comércio, a Sociedade Internacional (de Transplantes) conversou com o primeiro-ministro chinês, houve promessa de diminuição, redução no número de transplantes, mas isso ainda existe.
Ele também cita Filipinas como um local onde ocorre comércio ilegal.
— Nas Filipinas há pessoas vivas que querem vender o rim para quem chegar. Esse comércio ocorre lá, e a Sociedade Internacional também está tentando combater. Há uma guerra contra o tráfico de órgãos, que não é algo enorme, mas existe e não se pode negar. Mas no Brasil, nada é 100%, mas digo que em 99,9% (em todo o sistema de saúde) não existe.
Desigualdade
De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), 5% de todos os transplantes realizados no mundo têm ligação direta com o tráfico de órgãos. Nas estatísticas da organização, são realizados cerca de 22 mil transplantes de fígado, 66 mil transplantes de rim e 6 mil transplantes de coração, a cada ano, pelo mundo.
A ONG Global Finance Integrity, por sua vez, registra um aumento constante desta prática criminosa, e informa que o volume de negócios gerado por esse comércio vai de US$ 600 milhões a US$ 1,2 bilhão anualmente.
A atuação dessas quadrilhas está baseada na desigualdade social, segundo a organização. A rede se alimenta do pedido de pessoas ricas e influentes, que usam o seu poder para obter os órgãos de que necessitam, comprando, além dos órgãos, o silêncio de autoridades em relação ao tema.