terça-feira, 16 de setembro de 2025

Execução de Ruy Ferraz Fontes: por que a pressa em carimbar PCC?

 

by Deise Brandão

Praia Grande (SP), 16set.2025 — O ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, 63, foi executado na noite de segunda (15) em Praia Grande, quando deixava a sede da prefeitura, onde exercia o cargo civil de secretário de Administração desde 2023. A emboscada usou ao menos um fuzil e somou mais de 20 disparos — dinâmica típica de execução planejada. O carro da vítima foi alvejado e acabou batendo em um ônibus; os criminosos abandonaram e incendiaram veículo na sequência. 

Fato: Ruy chefiou a Polícia Civil entre 2019 e 2022 e ganhou notoriedade por investigar e prender lideranças do PCC desde os anos 2000 (ataques de 2006). Hoje, porém, era gestor municipal e estava aposentado da ativa policial

O rótulo “PCC” — e as lacunas

Nas primeiras 24 horas, a hipótese de mando do PCC circulou forte — muito por causa do histórico de confronto e do padrão de ataque pesado. Mas não há, até aqui, prova pública de autoria: o que existe é linha de investigação. O GAECO foi acionado para apoiar o inquérito, sinal de caso complexo, mas sem conclusão. 

Perguntas que precisam de resposta antes de cravar facção:

  1. Vínculo orgânico: onde estão as mensagens, pagamentos, logística e nomes que conectem executores a uma Sintonia do PCC?

  2. Motivação específica em 2025: qual fato novo justificaria matar agora um ex-delegado que saiu do comando da corporação em 2022 e virou secretário municipal em 2023?

  3. Cadeia logística: armas, carros, casas de apoio, olheiros, levantamentos de rotina — quem bancou e coordenou? (A polícia já identificou dois carros roubados usados no crime, um Jeep Renegade e uma Hilux, padrão comum em execuções para despistar autoria).

A tese de que “o PCC espera a vítima se aposentar” exige lastro: qual o precedente? Em qual investigação recente isso se comprovou? Sem tais respostas, o rótulo apressado mais contamina do que esclarece.

O que os fatos indicam (até agora)

  • Cenário e alvo: saída da Prefeitura de Praia Grande (bairro Nova Mirim). Alvo previsível, rotina pública. 

  • Execução com fuzil e mais de 20 tirosperseguição e carro incendiado após a ação — assinatura de grupo organizado, mas não exclusiva do PCC. 

  • Veículos roubados e abandonados — tática clássica de quadrilhas paulistas em homicídios sob encomenda. 

  • Repercussão institucional: velório na Alesp e entrada do GAECO no caso, reforçando prioridade política e pressão por resultado. 

Três hipóteses que a polícia precisa testar (sem hierarquia)

  1. Retaliação tardia de facção
    Possível pelo histórico — Ruy foi protagonista contra o PCC. Mas precisa demonstrar mando (comunicações, financiadores, armas com “histórico” em casos do PCC) e propósito (recado? disputa interna? dívida antiga?). Sem lastro, continua suposição. 

  2. Conflito administrativo local / interesses contrariados
    Ruy comandava a Secretaria de Administração (contratos, pessoal, rotinas sensíveis). Mudanças, fiscalizações, cortes e exonerações podem gerar inimigos com dinheiro e logística para contratar execução. Exige varredura: últimos atos oficiais, licitações, afastamentos, pressões políticas.

  3. Acerto de contas de quadrilhas não faccionadas (“consórcio”)
    SP e Baixada têm histórico de homicídios sob encomenda com tática e armamento similares, sem vínculo formal a facções. A balística e a inteligência (IBIS, LPR de placas, antenas) dirão se as armas/carros dialogam com outros casos

Checklist investigativo (o mínimo técnico)

  • Balística: cascas e projéteis no local → IBIS → hits com outros homicídios.

  • Veículos: trilhar a cadeia de posse dos carros roubados (quem roubou, onde foram “esquentados”, quem abasteceu e estacionou). 

  • Câmeras: rota completa (prefeitura → vias de fuga → ponto de incêndio) + OCR de placas na malha da Baixada. 

  • Dados financeiros/comunicações: quebras direcionadas (alvos por geofencing e vínculos com roubos dos veículos).

  • Âmbito municipal: mapa de decisões recentes da Administração (contratos, glosas, sindicâncias), com cruzamento de ameaças e desavenças. 

Linha do tempo essencial

  • Anos 2000 — Ruy desponta no enfrentamento ao PCC e a roubo a banco; ganha visibilidade nos ataques de 2006.

  • 2019–2022 — Delegado-geral de SP. 

  • Jan/2023 — Assume Secretaria de Administração de Praia Grande.

  • 15.set.2025 — Execução em emboscada na saída do trabalho. Investigação em curso; GAECO dá suporte. 

    Por que a hipótese PCC não basta — e o risco de repetir o caso VitóriaA pressa da Polícia Civil em apontar o PCC como mandante do assassinato de Ruy Ferraz Fontes ecoa um padrão conhecido: transformar uma hipótese em “verdade oficial” sem apresentar, de imediato, provas concretas. Até agora, nenhuma interceptação, prisão ou documento foi divulgado para sustentar a ligação direta da facção com a execução. A justificativa — histórico do delegado contra o crime organizado e modus operandi típico — não responde às perguntas centrais: por que matar agora, anos após sua saída da corporação, e por que expor tanto os executores num ataque à luz do dia em frente à prefeitura? Sem respostas sólidas, corre-se o risco de repetir o enredo do caso Vitória, em que a narrativa inicial não correspondeu ao desfecho e a autoria segue nebulosa. Para a sociedade, o perigo é duplo: uma investigação enviesada pode tanto absolver os verdadeiros mandantes quanto alimentar mitos convenientes.

  • Timing: se a motivação fosse exclusivamente “vingança histórica”, por que não ocorreu antes, quando ele era delegado-geral e simbolicamente mais “valioso”? (Resposta exige prova, não suposição).

  • Exposição desnecessária: ataque de alto ruído em frente à prefeitura aumenta risco de erro, flagrante e comoção — custo que nem sempre está na cartilha da facção, que costuma reduzir exposição dos executores. É preciso ver quem eram os atiradores, de onde vieram e quem os banca, antes de carimbar autoria.

No momento, há indícios de planejamento e poder de fogo, mas não há prova pública de mando do PCC. Pressa em etiquetar o crime pode servir interesses narrativos, não a verdade. O eixo racional é: mando comprovadomotivação clara em 2025 e cadeia logística rastreável. Até lá, a hipótese prefeitura/administrativa tem que ficar na mesma mesa da facção — e ser investigada com a mesma fome.

Matéria baseada em informações de CNN BrasilAgência BrasilInfoMoney/Estadão e Jovem Pan publicadas em 15–16.set.2025.

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