quarta-feira, 23 de julho de 2025

O café que fica e o que vai embora: Uma verdade que a charge não mostra



by Deise Brandão

Recentemente, circulou nas redes sociais uma charge humorística sugerindo que os Estados Unidos, ao imporem tarifas ao Brasil, ficariam “sem café” — como se o café brasileiro fosse uma dádiva retida por conta de decisões políticas. A cena pode até parecer engraçada à primeira vista, mas ignora totalmente a realidade do setor cafeeiro e esconde um aspecto muito mais amargo dessa história: é o Brasil que fica sem café.

Minha filha trabalha com café e conhece de perto o processo de classificação, seleção e exportação. E o que ela me contou contradiz completamente a premissa da charge. O café que fica no país raramente é o melhor. Pelo contrário: é o que sobra. A produção é dividida entre o que é considerado lixo, resto e, em minoria, o que é chamado de "premium". Este último, raramente é consumido pelo brasileiro comum. Vai embora, exportado para atender mercados exigentes que pagam mais — como os Estados Unidos, sim, mas também Europa e Ásia.

O brasileiro, em geral, consome blends misturados, com grãos de menor qualidade, muitas vezes queimados, reprocessados ou colhidos fora do ponto ideal. Enquanto isso, lá fora, o café brasileiro é vendido com rótulos dourados e descrição detalhada de aroma, acidez e notas florais — que quase nenhum de nós jamais experimentou.

Portanto, não se trata de “os Estados Unidos ficarem sem café”. Trata-se, isso sim, de como o próprio Brasil não prioriza seu povo na distribuição do que tem de melhor. E se há algo errado nas tarifas, que se debata com dados e seriedade, não com piadas superficiais que invertem a realidade e reforçam uma falsa noção de soberania.

O Brasil é sim um gigante na produção de café, mas ainda precisa aprender a ser justo com quem planta, colhe e consome aqui dentro. E talvez a charge que deveríamos ver é aquela em que um brasileiro acorda, pede seu café e escuta: “Não tem. Mandamos embora.”



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