POR LUIS FELIPE MIGUEL*
Não sou petista, nunca fui. Mas, como qualquer brasileiro de esquerda, olho com atenção o que acontece no PT, já que ele ainda é, apesar de todo o desgaste, a principal legenda do campo popular no país.
Com o PT no governo, criticava-se a política tímida, a acomodação à ordem, a baixa intensidade utópica, o enfrentamento insuficiente dos privilégios históricos. Seus defensores diziam que era o preço a pagar para conquistar avanços seguros – e não me encontro entre os que julgam que tal argumento não merece atenção. Mesmo assim, o governo caiu. Caiu apesar de tanta cautela ou por causa dela? Uma boa discussão, que ainda vai ser travada por muitos anos.
Mas, enquanto travamos essa discussão, há outro ponto que não pode ser descuidado, que é a resistência ao golpe. É aí que o PT, ou parte dele, está emitindo sinais estranhos. A infeliz entrevista de Humberto Costa foi só o mais gritante deles.
Não sei em nome de quem o senador falou. Acho improvável que um líder político, mesmo sendo o Humberto Costa, vá dar uma entrevista daquela sem medir as consequências e sem se sentir lastreado para tanto. Nem é o componente simbólico de ter falado à Veja ou o brado por autocrítica pela corrupção, que pode ser razoável em abstrato mas tem sentido claro no concreto. O ponto é a clara sinalização em favor da “responsabilidade”, da “união”. O que se lê na entrevista é: vamos superar as mágoas, vamos esquecer o golpe, vamos nos dar as mãos para “salvar o Brasil”. Um discurso que podia ser do Temer.
Esse é o jogo do PT? A entrevista foi um ponto fora da curva, ma non troppo. Em dezembro, quando se abriu a crise entre Senado e STF, o senador Jorge Viana deixou claro que não queria ocupar a presidência da casa, que não queria se colocar em posição de atrapalhar a tramitação da PEC que congelou o investimento social. Há menos de um mês, a escolha das mesas tanto da Câmara quanto do Senado expôs o fato de que, para boa parte das bancadas, a luta contra o golpe está longe de ser prioridade. A direção do PT tem vacilado, mas algumas vezes é empurrada pela militância e faz – suaves, é verdade – esforços para impedir que os parlamentares saiam demais da linha.
Tem oportunismo, tem covardia. Mas parece que parte do PT se converteu mesmo ao pensamento único. Acha mesmo que tem que cortar gasto social, cortar direitos, endurecer as regras da previdência. Quem sabe até privatizar a água, como mostrou hoje um dos quatro deputados estaduais petistas do Rio. É uma parte que parece estar vendo no PT pouco mais do que um rótulo de fantasia para a disputa política.
Lula também emite sinais ambíguos. É alvejado pelos golpistas dia sim, dia também, mas parece que aquele troço de “paz e amor” entranhou nele. Aqui, faz um discurso aguerrido contra o golpe; ali, solta seu beneplácito para negociações de bastidores com os apoiadores de Temer. É o candidato dos pesadelos da direita para 2018, mas até agora não sinalizou, nem uma única vez, que entendeu que, se voltar à presidência, não poderá repetir a política de apaziguamento que colocou em marcha nos seus dois mandatos.
O PT mudou muito ao longo da sua história. O PT que chegou ao poder já era muito diferente daquele que tinha sido fundado pouco mais de 20 anos antes. Mas parece que agora uma grande parte dele não consegue mais se transformar. O partido que pode somar para a resistência democrática certamente não é o mesmo que exerceu o poder. A parte do PT que não entende isso trabalha objetivamente contra, e não a favor do movimento popular.
Espero que a militância do PT, que está entendendo o sentido do golpe muito melhor do que muitos de sua liderança, predomine dentro do partido.
* Luis Felipe Miguel é professor da UnB
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