John Simpson
2014
Assessor de direitos humanos da Anistia Internacional
29/06/2014
As causas da Primeira Guerra Mundial ainda são um tema controverso, sobretudo pelos debates sobre a responsabilidade germânica na deflagração do conflito. No início do século XX a Europa era dividida em duas grandes alianças militares, uma formada pela Alemanha, Áustria-Hungria e Itália, outra pelo Reino Unido, França e Rússia. O ataque a um desses países provocaria o enfrentamento também com seus aliados.
Diversos fatores levaram à formação desses blocos rígidos: o medo do poderio crescente do império alemão, que havia anexado duas províncias francesas (Alsácia e Lorena) e iniciado a construção de uma marinha de guerra que desafiaria a supremacia naval britânica, os conflitos para colher os frutos do declínio do império otomano (turco) nos Bálcãs e no norte da África e a competição cada vez mais acirrada por territórios e mercados globais pelas potências europeias.
A guerra começou na Europa e logo se espalhou para o resto do planeta, pelas redes coloniais e imperiais ou pelos laços de comércio e investimento. Estados Unidos, Japão e Turquia e Brasil, entre outras nações, também participaram do conflito, unindo-se a uma das alianças. A Itália mudou de lado, seduzida por promessas de expansão territorial. Foi, de fato, uma guerra mundial, ainda que seu epicentro tenha sido as crises europeias.
A maior parte dos líderes políticos e militares que iniciaram a guerra acreditavam que ela seria de curta duração, de no máximo poucos meses, como haviam sido os conflitos entre Rússia e Japão (1905), França e Prússia (1870) e os combates pela unificação da Alemanha e da Itália (décadas de 1840-70). Essa era uma expectativa fora da realidade. O desenvolvimento de novas armas, como metralhadoras e fuzis mais eficientes e a mobilização melhor organizada do poder industrial de cada Estado criaram máquinas bélicas devastadoras, com todo o poderio de modernos Estados industriais.
Batalhas como Somme, Verdun e Ypres resultaram em centenas de milhares de mortes. Na Turquia, o governo lançou uma campanha de extermínio contra a minoria armênia, cristãos que auxiliaram a Rússia. Por toda a parte, os custos econômicos e sociais da guerra significaram inflação galopante, problemas de escassez de alimentos e a devastação emocional de tantas mortes, mutilações e ausências prolongadas dos homens de suas famílias.
Para os padrões atuais, os governos que lutaram a guerra não eram democracias plenas. Mesmo nos mais progressistas entre eles, as mulheres não podiam votar ou ser eleitas para cargos públicos. Rússia e Turquia eram regimes autoritários. O conflito foi popular nos meses iniciais e mesmo os partidos de oposição - como as siglas operárias, socialistas e sociais-democratas - apoiaram seus governos aprovando créditos extras para as Forças Armadas.
Com o decorrer das batalhas, a insatisfação aumentou, culminando com o motim do Exército francês em 1917 - uma espécie de "greve armada" contra as más condições a que estavam submetidos os militares, que levou a várias reformas. No mesmo, estouraram duas revoluções na Rússia. A primeira, em fevereiro, derrubou a monarquia e instituiu uma fragilíssima república. A de outubro estabeleceu o regime comunista, retirou o país da guerra e publicou documentos secretos que mostravam as manipulações oficiais, como acordos para trocas de território - o antecessor do Wikileaks.
Nos países derrotados (Alemanha, Áustria-Hungria, Turquia) o fim da guerra foi seguido de rebeliões, instabilidade e mudança de regime político. Os turcos ainda tiveram que lutar mais outro conflito, contra a Grécia, que cobiçava boa parte de seu território, e que resultou no massacre ou expulsão da maioria da população de origem grega que vivia no antigo império otomano.
A guerra na Europa acabou por exaustão dos alemães e austro-húngaros, e não por batalhas decisivas. Desde a entrada dos Estados Unidos no conflito, em 1917, a aliança contra as potências centrais ganhou um fortíssimo afluxo de tropas e recursos econômicos. O presidente americano Woodrow Wilson propôs seus célebres 14 pontoscomo base de uma paz que não puniria ninguém, mas não foi isso o que aconteceu. Os vitoriosos exigiam recompensas para mostrar às suas populações que o sacrifício não fora em vão e impuseram pesadas indenizações financeiras e perdas territoriais à Alemanha. O país nunca pagou integralmente as reparações, mas elas contribuíram para o clima de ressentimento e ódio no qual o nazismo nasceu e cresceu.
No Oriente Médio, Reino Unido e França derrotaram militarmente o império otomano e dividiram entre si suas províncias árabes - Iraque, Palestina e Jordânia para os ingleses, Síria e Líbano para os franceses. A Arábia tornou-se independente sob a casa real dos Hashemitas, que haviam lançado uma guerrilha contra os turcos, organizada pelo coronel britânico Thomas Edward Lawrence. O ímpeto colonial na região enfureceu os nacionalistas árabes, ainda mais por que os britânicos se comprometeram por meio da Declaração Balfour a criar um lar para os judeus na Palestina, sem consultar os habitantes da Terra Santa.
A Primeira Guerra Mundial não resolveu os problemas da Europa e criou uma situação ainda mais instável no continente, que explodiria novamente em 1939, no segundo conflito de âmbito planetário. O Oriente Médio ainda vive os efeitos catastróficos dos resultados dos combates de um século atrás. Mas a rejeição aos massacres teve como consequência também a criação da Liga das Nações e os esforços importantes, mesmo que falhos e incompletos, de buscar soluções pacíficas para as controvérsias globais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário