09/11/2018 nº 2551Edições anteriores
FERNANDO GABEIRA, JORNALISTA E ESCRITOR
Camilla Maia / Agência O Globo
André Vargas
Denúncia aponta ainda que pessoas há mais de 7 dias esperando por leito e idosos com comorbidades vão ao final da fila de espera
CIDADES | Guilherme Padin, do R7
Pacientes com covid-19 internados há mais de 21 dias em UTIs do Rio Grande do Sul estão passando pelo processo de morte assistida. Aqueles há mais de sete dias em postos de saúde, UPA ou emergência estão sendo realocados no final da fila por vagas em UTI para tratamento da doença - a regra vale também para quem tem mais de 60 anos e comorbidades. A denúncia é do vereador Leonel Radde (PT), de Porto Alegre (RS).
A superlotação levou os hospitais gaúchos a seguirem esta recomendação, o que causaria uma falsa sensação de redução nas internações, mas, segundo a denúncia, só está aumentando o número de mortes.
Profissionais de saúde que denunciaram as medidas ao vereador e explicaram a situação à reportagem ao R7. Um médico afirma que já havia a suspeita de que o manejo dos pacientes estivesse funcionando desta forma há dias, e que a confirmou neste domingo com profissionais que trabalham na regulação.
“Pacientes com mais de 60 anos e comorbidades, independentemente da gravidade, vão ao fim da fila, assim como os pacientes graves que esperam sete dias ou mais em emergência UPA, pronto atendimento ou posto de saúde”, disse ele em anonimato, confirmando os relatos publicados pelo vereador em sua rede social.
A ortotanásia é quando há a morte natural, sem interferência da ciência, em que se permite a evolução e percurso da doença. A prática vem sendo adotada com pacientes que chegam a 21 dias em UTIs, segundo o denunciante.
Os médicos estariam sendo orientados a deixarem a doença evoluir sem novos procedimentos depois das três semanas, o que aumenta significativamente as chances de morte. Para o médico, a decisão é grave porque são comuns os casos de pessoas que passam deste período internadas e sobrevivem. “Já tivemos pacientes de três meses na UTI que sobreviveram”, comenta.
Em nota, a secretaria defende que os critérios para priorização de pacientes são técnicos, e que não há definição de prioridade por faixa etária, mas somente por comorbidades. A pasta não negou a prática da morte assistida aos pacientes com covid-19 após 21 dias ou mais de UTI.
O intuito das orientações relatadas na denúncia, segundo afirma Leonel Radde e corroborado pelo médico, seria reduzir a superlotação de leitos. No entanto, a medida não necessariamente significa uma baixa nas mortes pela doença. O índice de mortalidade no estado, segundo eles, é um indicativo disso.
Atualmente, a taxa de mortalidade por covid-19 a cada 100 mil habitantes no Rio Grande do Sul (148,3) é superior à da média brasileira (139,9), segundo dados do Ministério da Saúde.
A denúncia de Leonel Radde aponta para outro problema no combate à pandemia no Rio Grande do Sul: médicos de outras especialidades estão atendendo pacientes com covid-19. “Não há mais profissionais capacitados para trabalharem nas UTIs/COVID, mesmo com os leitos disponíveis”, escreveu o vereador.
O denunciante ouvido pelo R7 também confirmou a escassez de médicos especializados para covid-19: “Estamos com profissionais recém-formados ou de outras especialidades trabalhando na UTI. Então é óbvio que os óbitos vão aumentar”.
Também sob anonimato, uma profissional contou que, no Hospital de Pronto Socorro, em Porto Alegre, que recentemente teve dois andares terceirizados para o grupo Vila Nova, há médicos recém-formados trabalhando na UTI covid e na enfermaria do quarto andar.
“São profissionais de primeiro emprego, não estão habilitados para isso e, pela questão da experiência, por não saberem manejar os pacientes, há mais pessoas morrendo no local do que o normal”, disse.
Posicionamento
A reportagem do R7 solicitou uma nota à secretaria de saúde do estado do Rio Grande do Sul a respeito dos relatos publicados por Leonel Radde e confirmado pelos profissionais de saúde.Em resposta, a pasta enviou a seguinte nota:
Estado tem mais de 100% de ocupação de leitos de UTI há semanas, além de adotar prática de ortotanásia. Médicos avaliam crise
CIDADES | Guilherme Padin, do R7
28/03/2021 - 02H00
O Rio Grande do Sul vive seu pior momento no combate à covid-19, com ocupação de leitos de UTI acima dos 100% há mais de três semanas e o recente recorde de mortos (502) pela doença em 24 horas.
O Estado teve 828.397 casos confirmados da doença, 18.680 óbitos e 106,1% da ocupação de seus leitos de UTI, segundo dados da secretaria estadual de saúde nesta sexta-feira (26). Além disso, uma denúncia feita na última semana ao R7 revelou a adoção da prática da morte assistida em pacientes com o vírus há mais de 21 dias na UTI.
Profissionais explicaram à reportagem os principais motivos que levaram o estado gaúcho à atual crise com a covid-19: com as aglomerações, a chegada de uma variante do vírus, a falta de estrutura e a flexibilização num momento inadequado, a pandemia avançou drasticamente no Rio Grande do Sul.
Após as festas de fim de ano e sobretudo no feriado do carnaval, quando muitas pessoas de cidades do interior e de Porto Alegre vão ao litoral, as aglomerações formadas surtiram efeito de aumento no número de casos no início deste ano, comenta Paulo Petry, epidemiologista e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
“Por aqui há o fenômeno de aglomerações nas praias durante as festas, e as pessoas voltam para suas casas em diferentes regiões, espalhando o vírus por todo o Estado. Assim extrapolamos as internações de UTI”, comenta Petry.
O aumento de casos – e consequentemente de mortes – levou a outra crise apontada pelo professor: a falta de leitos de UTI e de profissionais capacitados para atender pacientes com a doença.
Soma-se à falta de leitos, há quase um mês com ocupação acima dos 100%, o fato do Estado realocar recém-formados ou médicos de outras especialidades para atendimento à covid. “Esta improvisação de local (leitos) e de pessoal (médicos) aumenta, sem dúvidas, a chance de mortalidade”, aponta Petry.
Os números do Ministério da Saúde apontam na mesma direção da fala do especialista: enquanto a taxa de mortalidade por 100 mil habitantes é de 147,8 no Brasil, no Rio Grande do Sul ela chega a 164,2.
Um médico que atua em hospitais locais e por isso preferiu não se identificar relatou que, além da prática da ortotanásia (morte assistida), a quantidade de pessoas que estão ao final da fila de espera pela UTI é grande, e isto significa um risco grande de mais óbitos.
“Na semana passada houve um dia em que 200 pessoas estavam esperando por leitos de UTI. Aguardar no final da fila nesse estado de saúde é quase uma sentença de morte. Pode ser que abrissem 200 leitos em um dia e essas pessoas fossem atendidas, mas sabemos que na prática isso não existe, é muito difícil”, comenta o profissional.
Um problema destacado pelo professor Paulo Petry – e que ocorreu simultaneamente aos outros fatos citados – foi a chegada da variante P1, identificada pela primeira vez em Manaus. “No final de janeiro ela já tinha começado a circular (antes da confirmação oficial, no início de março). E como ela possui maior transmissibilidade, isso agravou a situação”, aponta o professor.
Segundo um estudo matemático da UFRGS, o Rio Grande do Sul teria uma queda considerável na quantidade de casos e mortes se houvesse adotado o regime de lockdown: seriam 938 vidas salvas com um lockdown de 14 dias, 1.383 vidas com um lockdown em 21 dias, 1.395 com dois lockdowns de 14 dias e 1.791 vidas com três lockdowns de 14 dias.
Paulo Petry acredita que foi um erro do governo do Estado não optar pela medida, o que tende a piorar, segundo ele, devido ao anúncio de Eduardo Leite (PSDB) ao decretar a flexibilização da quarentena e a reabertura de serviços não essenciais.
“Pelos indicadores dá para se ter uma idade da importância do lockdown, que infelizmente não tivemos. E nesta semana o governo flexibilizou a economia. Vemos isso com muita preocupação. Está comprovado que, além das vacinas, o lockdown poderia salvar as pessoas”, diz Petry.
Questionado sobre a possibilidade de novas ondas do vírus nos próximos meses, o professor se diz contrário ao termo, “porque na verdade nunca passamos de uma onda para outra. Aqui nunca baixou. Nossa média móvel sempre foi alta”.
Apesar disso, a possibilidade de um agravamento no número de casos, mortes e internações é real e perigosa, destaca o médico.
“Há uma máxima de que ‘quanto mais tempo o vírus circula, maior a probabilidade dele sofrer mutações’. Nós já temos um ano de circulação intensa no país, sabemos que os vírus se replicam com efeitos e a vacinação está atrasada, o que é muito preocupante, porque pode ser que a vacina não sirva mais para proteger novas variantes”, afirma.
Na última segunda-feira (22), uma denúncia feita ao R7 revelou a prática da ortotanásia (morte assistida) em pacientes com covid-19 internados há mais de 21 dias em UTIs do Rio Grande do Sul. A ortotanásia é a morte natural, sem interferência da ciência, em que os médicos permitem a evolução e percurso da doença.
Os profissionais estariam sendo orientados a deixarem a doença evoluir sem novos procedimentos depois do período indicado, o que aumenta significativamente as chances de morte.
Para o médico que relatou as informações à reportagem, a decisão é grave pois há frequentes casos de pessoas que passam de 21 dias internadas e sobrevivem. “Já tivemos pacientes de três meses na UTI que sobreviveram”, comenta.
Paulo Petry, que ainda não havia tido contato com os relatos da denúncia, aponta que a prática é condenável e também cita a existência de casos de pessoas que ficaram mais de três semanas na UTI e tiveram boa recuperação. “Não é admissível que ocorra”, diz.
"Aceite as coisas às quais o destino o prende e ame as pessoas com quem o destino o une, mas faça isso de todo o coração." - Marcu...