by Deise Brandão
De tempos em tempos, a internet resgata Chernobyl — quase sempre misturando ciência com ficção científica. A moda da vez é a história dos “fungos negros mutantes que se alimentam de radiação”, supostamente transformados em uma “nova besta” dentro das paredes do reator destruído.
O texto viral fala em zonas inabitáveis por 20 mil anos, mutação descontrolada e até cientistas misteriosos citados pela Forbes. Um pacote perfeito de medo, pânico e engajamento barato.
Mas o que realmente existe ali?
E onde começa a fantasia?
A verdade, como quase sempre, é muito mais interessante — e muito menos apocalíptica — do que o sensacionalismo sugere.
O QUE É REAL: SIM, EXISTEM FUNGOS MELANIZADOS QUE SOBREVIVEM À RADIAÇÃO
Desde os anos 1990, pesquisadores encontraram nas paredes internas do reator de Chernobyl fungos escuros, ricos em melanina, que conseguem crescer em ambientes extremamente radioativos.
As espécies mais estudadas são:
A melanina — a mesma substância que pigmenta pele humana, cabelos e olhos — parece ajudar esses fungos a converter radiação em energia química, em um processo chamado radiossíntese.
É como uma prima distante da fotossíntese, só que muito menos eficiente e entendida.
Ou seja: não é que os fungos “comam” radiação.
Eles apenas usam as condições extremas para sobreviver, adaptando o metabolismo celular.
Esse fenômeno é real. É pesquisado.
E interessa até à NASA, por um motivo nobre: entender como proteger astronautas da radiação.
O QUE É MITO: NÃO, NÃO EXISTE “BESTA MUTANTE” EM CHERNOBYL
A parte inventada começa quando transformam uma descoberta científica séria em roteiro de filme:
Nada disso existe.
Esses fungos não atacam ninguém, não se deslocam, não produzem toxinas misteriosas, não evoluíram para monstros.
São fungos comuns, só que extremamente resistentes.
Trata-se de um mecanismo biológico, não de um novo ser vivo ameaçador.
O QUE É EXAGERO: PRAZOS DE 3 MIL ANOS A 20 MIL ANOS
Outro clássico das narrativas sobre Chernobyl: estimativas aleatórias sobre quanto tempo a região ficará inabitável.
A área de exclusão tem bolsões muito diferentes entre si:
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algumas partes já recebem turistas
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outras seguem altamente contaminadas
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algumas podem levar séculos para ficar seguras
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não existe consenso sobre “3 mil anos” ou “20 mil anos”
São números usados para criar impacto emocional e aumentar o drama.
O QUE É FAKE: A CITAÇÃO DE “SCOTT TRAVERS, DA FORBES”
O nome aparece muito em textos virais.
Só tem um problema: não existe esse pesquisador na literatura científica ligada a Chernobyl.
É uma citação criada para dar credibilidade de autoridade — truque clássico de viral.
POR QUE ESSE TIPO DE CONTEÚDO CIRCULA TANTO?
Porque mexe com três gatilhos perfeitos:
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Medo
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Mistério científico
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Desconfiança do Estado e das instituições
E Chernobyl, por si só, é um terreno fértil para imaginação coletiva — especialmente quando misturam eventos reais (desastre nuclear) com elementos de fantasia (mutação, radiação, monstros, “terra proibida”).
O resultado é sempre o mesmo: uma história que parece plausível, mas que não resiste a 30 segundos de pesquisa séria.
O QUE DE FATO MERECE ATENÇÃO
O fenômeno real — fungos melanizados que modulam melanina para crescer em ambientes radioativos — é fascinante.
Ele abre portas para:
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novas formas de blindagem contra radiação
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biotecnologia aplicada
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compreensão da adaptabilidade da vida em ambientes extremos
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projetos de exploração espacial
Ou seja: a parte verdadeira é científica e promissora.
A parte falsa é apenas espetáculo.
CONCLUSÃO: NÃO TEM BICHO MUTANTE. TEM CIÊNCIA.
O desastre de Chernobyl foi real e devastador.
Seus efeitos ainda são estudados e sentidos décadas depois.
Mas transformar pesquisa séria em terror barato só nos distancia da verdade e alimenta a desinformação.
O que existe ali não é uma “nova besta”.
É vida insistindo em existir, até no solo mais hostil do planeta — e isso diz muito mais sobre a força da biologia do que sobre ameaças imaginárias.
Se alguém quer assustar, que escreva ficção.
Se quer informar, que traga dados.
Aqui, ficamos com a segunda opção.