by blog Idade Certa
Na vasta galeria dos vilões que compõem a cena política brasileira, acho que nunca houve um tipo tão desconcertante quanto Demóstenes Torres. Suas duas faces têm intrigado os que acreditavam conhecê-lo. Como é possível ser ao mesmo tempo alguém e seu contrário? Ser o impoluto paladino da ética, a vestal que vergastava sem piedade os corruptos, enquanto secretamente se corrompia, adotando a mentira e a dissimulação como prática? Como pôde enganar seus pares por tanto tempo? Era preciso ver a cara dos que num primeiro momento foram à tribuna do Senado botar a mão no fogo por sua inocência e que, depois das gravações comprometedoras, voltaram constrangidos para expor sua decepção.
Não se conhece um colega parlamentar, um companheiro de partido, um correligionário ou um adversário político que tenha dito “eu sabia, ele nunca me enganou”. Primeiro a surpresa, depois a incredulidade quanto às revelações desse estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hide, o médico e o monstro.
Atribuir esse comportamento contraditório ao puro cinismo talvez não explique tudo. Demóstenes parece ter vivido com autenticidade suas duas vidas, a que exibia e a que escondia — uma parte dele, a conhecida, combatia o mal, e a outra, clandestina, a da banda podre, estava a serviço do próprio mal.
Sua dupla personalidade permitiu que desempenhasse com competência o papel de líder do DEM no Senado de conduta irrepreensível, símbolo da oposição no Congresso, e por outro lado o subserviente lobista do contraventor Carlinhos Cachoeira, chefe da máfia dos caça-níqueis.
Quando ainda não jorrava a cachoeira de autodenúncias, apenas pingava, ele fez discurso alegando que não havia investigação ou processo na Procuradoria-Geral da República: “Não sou acusado de nada.” De fato não era, porque o procurador Roberto Gurgel levou três anos para pedir ao Supremo abertura de inquérito contra o ex-colega de Ministério Público (Demóstenes também foi procurador em Goiás). Só o fez após muita pressão do Congresso.
Num episódio com tantas interrogações, cabe mais essa: por que a PGR demorou tanto para tomar providência, se desde setembro de 2009 havia lá um relatório da Polícia Federal incriminando o senador do DEM? O atraso permitiu que ele, indignado, como se fosse um ficha-limpa, falasse em “injúrias, calúnias e difamações” e recebesse a solidariedade de 44 dos 81 senadores.
Demóstenes pode ter dupla personalidade, mas na hora de faturar grana ilegal ele foi sempre coerente. Calcula-se que desde 2006 embolsou cerca de R$ 50 milhões só em trabalho sujo. Por dinheiro, Demóstenes foi capaz até de uma boa ação, como afirmar, ainda como vestal: “Os políticos estão perdendo a vergonha na cara.” Ao negar todas as acusações, ele também esqueceu o que disse em 2007: “Todo bandido nega tudo.”
Autor: Zuenir Ventura
Não se conhece um colega parlamentar, um companheiro de partido, um correligionário ou um adversário político que tenha dito “eu sabia, ele nunca me enganou”. Primeiro a surpresa, depois a incredulidade quanto às revelações desse estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hide, o médico e o monstro.
Atribuir esse comportamento contraditório ao puro cinismo talvez não explique tudo. Demóstenes parece ter vivido com autenticidade suas duas vidas, a que exibia e a que escondia — uma parte dele, a conhecida, combatia o mal, e a outra, clandestina, a da banda podre, estava a serviço do próprio mal.
Sua dupla personalidade permitiu que desempenhasse com competência o papel de líder do DEM no Senado de conduta irrepreensível, símbolo da oposição no Congresso, e por outro lado o subserviente lobista do contraventor Carlinhos Cachoeira, chefe da máfia dos caça-níqueis.
Quando ainda não jorrava a cachoeira de autodenúncias, apenas pingava, ele fez discurso alegando que não havia investigação ou processo na Procuradoria-Geral da República: “Não sou acusado de nada.” De fato não era, porque o procurador Roberto Gurgel levou três anos para pedir ao Supremo abertura de inquérito contra o ex-colega de Ministério Público (Demóstenes também foi procurador em Goiás). Só o fez após muita pressão do Congresso.
Num episódio com tantas interrogações, cabe mais essa: por que a PGR demorou tanto para tomar providência, se desde setembro de 2009 havia lá um relatório da Polícia Federal incriminando o senador do DEM? O atraso permitiu que ele, indignado, como se fosse um ficha-limpa, falasse em “injúrias, calúnias e difamações” e recebesse a solidariedade de 44 dos 81 senadores.
Demóstenes pode ter dupla personalidade, mas na hora de faturar grana ilegal ele foi sempre coerente. Calcula-se que desde 2006 embolsou cerca de R$ 50 milhões só em trabalho sujo. Por dinheiro, Demóstenes foi capaz até de uma boa ação, como afirmar, ainda como vestal: “Os políticos estão perdendo a vergonha na cara.” Ao negar todas as acusações, ele também esqueceu o que disse em 2007: “Todo bandido nega tudo.”
Autor: Zuenir Ventura