sábado, 23 de junho de 2018

A derrocada do califado: veja como o Estado Islâmico perdeu território na Síria e no Iraque em 2017

Apesar de derrota territorial, EI deve continuar atuando no Oriente Médio e inspirando ataques em países ocidentais.

Por Marina Franco, G1




Soldados iraquianos comemoram vitória sobre o grupo Estado Islâmico e libertação da cidade de Mossul (Foto: Erik De Castro/Reuters)

O ano de 2017 foi de derrotas marcantes para o Estado Islâmico (EI). Três anos após o grupo extremista declarar um califado nas vastas áreas que controlava na Síria e no Iraque, os dois países não têm mais cidades dominadas pelos jihadistas. Mas isso não significa o fim do grupo ultrarradical, que ainda deve continuar realizando ataques terroristas.

No dia 7 de dezembro, a principal aliada do regime sírio na guerra civil, a Rússia, que lançou uma campanha aérea contra o EI em 2015, declarou que o país de Bashar Al-Assad está totalmente livre dos combatentes do grupo. Em 21 de dezembro, o governo americano indicou que algumas pequenas áreas da Síria ainda estão sob domínio do grupo e podem levar alguns meses para serem liberadas.

O governo do Iraque, por sua vez, anunciou em 9 de dezembro o fim de qualquer domínio dos jihadistas no país, após uma ofensiva para expulsar os últimos combatentes em áreas desérticas. A ofensiva militar nos dois países contou com o apoio de bombardeios aéreos da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos.

O que é o Estado Islâmico


Grupo radical sunita, um dos ramos do Islamismo, regido pelo autoproclamado califa (sucessor de Maomé) Abu Bakr al-Bagdadi. Chegou a dominar áreas do Iraque e da Síria, impondo uma visão radical e distorcida do Islamismo. Foi criado a partir do braço iraquiano da Al-Qaeda, mas os movimentos romperam em 2014. Seu surgimento veio com a queda de Saddam Hussein no Iraque, e o grupo cresceu com a guerra da Síria, quando os membros do EI se juntaram a rebeldes para lutar contra Bashar al-Assad.



Comandande do conglomerado árabe-curdo Forças Democráticas da Síria (FDS) comemora em praça de Raqqa, na Síria, vitória sobre o grupo Estado Islâmico (Foto: Bulent Kilic/AFP)

As principais derrotas territoriais do EI neste ano incluem as cidades de Mossul, no Iraque, de onde o líder Abu Bakr Al-Baghdadi fez a proclamação do califado em 2014, e Raqqa, na Síria, que foi considerada a “capital” do território.




A perda de território dos EUA (Foto: Arte/G1)


“É um recuo importante para o grupo, uma queda importante de seu poderio, que acaba afetando inclusive a capacidade de atrair novos militantes e toda a atenção que conseguia quando era dona de um vasto território entre a Síria e o Iraque”, diz ao G1 Arlene Clemesha, professora de história árabe da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, no entanto, o enfraquecimento ocorrido em 2017 não significa que o grupo não seja capaz de atuar de outras formas.

“O grupo tem sua origem na Al-Qaeda. Então já atuou mais como uma rede sem a característica que tem hoje, de conquista territorial, e pode voltar a exercer um papel de um grupo que não é dono de um território, mas que atua através de atentados, propaganda, internet, formação de células terroristas”, acrescenta.



Combatente do Estado Islâmico exibe arma e bandeira do grupo em rua de Mossul, no Iraque, em foto de 23 de junho de 2014 (Foto: Reuters/Stringer)

De acordo com a agência de notícias Associated Press (AP), o grupo ainda tem células de militantes que atuam em segredo nos dois países, além de grupos afiliados presentes em países como Egito, Líbia, Afeganistão, Filipinas e na África Ocidental. Segundo as últimas estimativas da coalizão internacional, restam menos de 3 mil combatentes do EI nos dois países.

“A partir desses grupos e de militantes próprios eles podem e certamente irão atuar como redes clandestinas mais ao modo da Al-Qaeda, realizando atentados principalmente em países onde já estiveram fortes, mas também fora da Síria e do Iraque e do próprio Oriente Médio”, diz Arlene.

Propaganda ativa

O EI mantém ativo o seu braço de mídia e propaganda on-line e, como consequência, sua capacidade de inspirar seguidores para promover atentados não só em países da região, como também do Ocidente. No último ano, essa propaganda motivou mais ataques e ameaças de ataques na Europa, segundo mostra um estudo do Institute for the Study of War, com sede em Washington.


Veja abaixo o aumento dos ataques e da ameaça terrorista do EI na Europa nos últimos anos:

Ataques do Estado Islâmico na Europa


De novembro de 2015 a 14 de setembro de 2017


nov 2015dez 2015jan 2016fev 2016mar 2016abr 2016mai 2016jun 2016jul 2016ago 2016set 2016out 2016nov 2016dez 2016jan 2017fev 2017mar 2017abr 2017mai 2017jun 2017jul 2017ago 2017set 20170246810

Fonte: Institute for the Study of War

Tentativas de ataques do Estado Islâmico na Europa

De novembro de 2015 a 14 de setembro de 2017


nov 2015dez 2015jan 2016fev 2016mar 2016abr 2016mai 2016jun 2016jul 2016ago 2016set 2016out 2016nov 2016dez 2016jan 2017fev 2017mar 2017abr 2017mai 2017jun 2017jul 2017ago 2017set 20170246810

Fonte: Institute for the Study of War

“O EI parece inspirar cada vez com mais sucesso pequenos ataques na Europa, apesar de suas perdas territoriais, indicando que sua mensagem ainda é ressonante. A campanha na Europa vai continuar e pode até crescer apesar de suas perdas no Iraque e na Síria”, diz o relatório.


Em 2017, além de promover ataques no Afeganistão, Paquistão, Irã e Egito, o grupo reivindicou uma série de atentados na Europa e nos EUA.

Relembre alguns dos atentados reivindicados pelo EI em 2017:


No primeiro dia do ano, um atirador matou dezenas de pessoas que comemoravam o Ano Novo em uma boate de Istambul.



Médicos e oficiais de segurança são vistos do lado de fora do Reina, após ataque na madrugada de ano novo, em Istambul (Foto: IHA via AP)

Em março, um agressor atropelou dezenas de pessoas na ponte de Westminster, em Londres, e depois matou um policial a facadas perto do Parlamento britânico.

Em abril, um homem armado disparou contra policiais na avenida Champs-Élysées, em Paris, matando um deles e ferindo outros dois.



Soldado armado faz guarda em rua perto da avenida Champs Elysees em Paris após tiroteio
(Foto: REUTERS/Benoit Tessier)

Em maio, a explosão de uma bomba caseira na Arena Manchester na saída do show da cantora Ariana Grande deixou dezenas de mortos e feridos, incluindo crianças e adolescentes.




Moradores de Manchester fazem homenagem a vítimas do ataque em Manchester, no Reino Unido, nesta quinta-feira (25) (Foto: Darren Staples/ Reuters)

Em junho, terroristas usaram uma van para atropelar pedestres que passavam pela London Bridge, um dos cartões-postais da capital britânica, depois sacaram facas e passaram a atacar pessoas que estavam em bares e restaurantes nas proximidades do Borough Market.

Em agosto, uma van foi usada para atropelar várias pessoas nas Ramblas, em Barcelona. Os terroristas tentaram promover outro ataque em Cambrils, cidade a 120 km, menos de 10 horas depois.




Pessoas fogem do local do ataque terrorista em Las Ramblas, Barcelona (Foto: Oriol Duran/ AP Photo)

Em outubro, um homem atirou do 32º andar de um hotel de Las Vegas contra uma multidão que participava de festival de música country, matando 58 pessoas e ferindo mais de 500. No entanto, o FBI não encontrou evidências de ligação com terrorismo internacional.

No final do mesmo mês, uma caminhonete foi usada para atropelar ciclistas em Nova York.

Retorno de combatentes

A reivindicação de um ataque pelo grupo não significa, necessariamente, que houve um comando da organização, segundo explica a especialista em história árabe ouvida pelo G1. “Temos que lembrar que alguns atentados foram posteriormente reivindicados pelo grupo, mas não foram necessariamente organizados a partir do seu centro do comando”, diz Arlene Clemesha.

Ela ainda explica que o aumento de atentados na Europa não está diretamente relacionado com a perda de território do califado.



Peritos trabalham na London Bridge enquanto van branca usada no ataque é rebocada
(Foto: REUTERS/Neil Hall)

“É de se supor que, ao perder território, o grupo tenha que buscar alternativas, daí há a de atentado terrorista para chamar mais atenção na Europa. Mas isso não significa que seja algo tão fácil e automático”, completa.

Em entrevista concedida em novembro à AP, o coordenador de contraterrorismo da União Europeia, Gilles de Kerchove afirmou que pessoas que se inspiram no EI continuam representando uma ameaça no continente, mas que não houve, como muitos temiam, um grande fluxo de combatentes do grupo que voltaram à Europa após a perda de território no Oriente Médio.



Soldados estrangeiros que se juntaram às forças curdas lutam durante ofensiva do Estado Islâmico contra Ras al-Ain (Foto: Rodi Said/Reuters)

“Sem nenhum 'califado' físico, será muito mais difícil para a organização repetir o que fez e atrair muitas pessoas. Isso não significa o fim do jogo. Ainda temos que enfrentar a ideologia. Mais e mais, vemos na Europa pessoas inspiradas pelo terrorismo, terrorismo doméstico”, disse.

Kerchove acrescentou que os serviços de Inteligência descrevem o retorno de combatentes “mais como um gotejamento do que um fluxo”.

Veja a seguir as principais derrotas do EI em 2017:



Mossul, Iraque


Depois de uma exaustiva batalha de quase nove meses para derrotar o EI, o Iraque e as forças curdas anunciaram, no dia 10 a julho, a libertação da segunda maior cidade do país. A reconquista foi considerada a vitória mais importante das forças iraquianas após a tomada pelos extremistas, em 2014.




Exército do Iraque lança míssil contra combatentes do Estado Islâmico durante batalha em Mossul (Foto: Thaier Al-Sudani/ Reuters)

Na batalha, os extremistas lançavam ataques a partir de uma vasta rede de túneis e usavam civis como escudos humanos. Milhares de civis morreram nos combates e aproximadamente um milhão de habitantes foram forçados a deixar a cidade.

Foi de Mossul que, em 2014, o líder do grupo extremista Abu Bakr al-Baghdadi declarou um "califado", juntando partes do Iraque e da Síria. Os jihadistas do EI fizeram da cidade um laboratório de sua administração.




Homem e criança choram ao fugir de área de Mossul controlada pelo Estado Islâmico

(Foto: Goran Tomasevic/ Reuters)

Hawija, Iraque

As forças iraquianas expulsaram o EI da cidade de Hawija, ao norte do país, no dia 10 de outubro depois de quase três semanas de combates. Foi a última grande operação unificada das forças iraquianas e curdas, conhecidas como Peshmerga. Centenas de combatentes e suas famílias se renderam.

Raqqa, Síria

A recuperação total de Raqqa, em 17 de outubro, ocorreu após uma ofensiva do conglomerado de milícias chamado Forças Democráticas Sírias (FDS) e fortes combates que duraram mais de quatro meses com o apoio dos ataques aéreos da coalizão internacional liderada pelos EUA.

A sexta maior cidade da Síria foi considerada a “capital” do EI, onde o grupo realizou decapitações e massacres em sua principal praça pública e matou os prisioneiros ocidentais que protagonizaram os vídeos de propaganda do grupo. Também foi a casa de líderes sêniores do EI, assim como dos conspiradores por trás dos ataques terroristas em Paris e Bruxelas. Por isso, a queda de Raqqa representou uma grande derrota para o grupo.




Um combatente das Forças Democráticas da Síria tira uma selfie perto de entulhos de um local destruído, em Raqqa, na Síria (Foto: Rodi Said/Reuters)

Deir Ezor, Síria

As forças do regime sírio, apoiadas pela aviação russa e por milícias iranianas, entraram na cidade de Deir Ezor em setembro. A cidade foi libertada no dia 3 de novembro. Ela havia sido tomada em 2014 e é o ponto central da principal região produtora de petróleo da Síria. O maior campo de petróleo da região, Al-Omar, também foi recapturado pelas FDS, apoiadas pelos EUA.

Qaim, Iraque


As forças iraquianas derrotaram o EI nesta cidade, que fica bem na fronteira com a Síria, no dia 3 de novembro. O cruzamento fronteiriço, que antes foi parte de uma linha de fornecimento crucial para os combatentes, também passou ao controle do Iraque.




Forças iraquianas e unidades do grupo Hashed al-Shaabi viajam perto da cidade de Qaim, próximo à fronteira com a Síria (Foto: STRINGER / AFP)


Abu Kamal, Síria

Abu Kamal era o último reduto do grupo na Síria. Está localizada na província de Deir Ezor, à beira do Rio Eufrates. Com a retomada, em 9 de novembro, o Exército sírio declarou vitória contra o EI.

Rawa, Iraque

A cidade fronteiriça de Rawa era a última controlada pelo EI no Iraque e foi recapturada no dia 17 de novembro pelo Exército iraquiano com o apoio aéreo da coalizão liderada pelos Estados Unidos.




Imagem de Raqqa feita dois dias depois de as Forças Democráticas Sírias terem anunciado que a operação para expulsar o Estado Islâmico havia acabao (Foto: Gabriel Chaim/AP)

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