São Paulo - Grandes obras de infraestrutura estão mudando o cenário urbano das 12 cidades
brasileiras que vão sediar os jogos da
Copa do Mundo de
Futebol em 2014. O modo como essas intervenções estão sendo feitas têm mobilizado movimentos populares, que apontam violações a direitos fundamentais das comunidades impactadas pelas obras. AAgência
Brasil conversou com representantes dos comitês populares da
Copa -coletivos que estão articulados nacionalmente para cobrar dos governos a adequação das obras ao que
determina a legislação do país, a exemplo do Estatuto das Cidades.
Cada
cidade, no entanto, revela especificidades no seu processo de organização, assim como as soluções resultantes das reivindicações. No Nordeste, a cidade de Fortaleza é exemplo da resistência das comunidades afetadas pelas obras. Organizações populares da região criticam a forma apressada como as negociações são feitas com as famílias em nome dos prazos a serem cumpridos para o evento.
No Sul do país, o Comitê de Porto Alegre dedicou-se a identificar terrenos próximos às casas desapropriadas para evitar grandes deslocamentos das famílias. No Sudeste, os comitês de
São Paulo e Rio de Janeiro elaboraram planos urbanísticos alternativos com a participação dos próprios moradores para evitar a remoção.
O professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Vainer, avalia que a flexibilização que vem sendo operada nas leis brasileiras para atender os compromissos firmados com os organizadores internacionais dos eventos podem provocar graves impactos no ordenamento jurídico e social do país.
"Vivemos hoje um estado de exceção [em decorrência da aproximação da
Copa do Mundo e das
Olimpíadas ]", avalia o professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Vainer.
"A legislação brasileira não vige para a
Copa do Mundo e para as
Olimpíadas . Mas, com aaproximação dos jogos, funciona como se tudo fosse legitimado", declarou o pesquisador. Ele cita, como exemplo de situações que caracterizam uma exceção no andamento das obras do país, o estabelecimento do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), novos regimes fiscais de isenção, suspensão de artigos do Estatuto do Torcedor, criação de termos jurídicos com novas penalidades, como o marketing de emboscada, e liberação do visto para entrada no país de torcedores que adquirirem o ingresso dos jogos.
"Com a Lei Geral da Copa, abriu-se uma exceção absurda. O governo brasileiro abdicou do seu direito de decidir quem entra no território
nacional. Quem comprar entrada para assistir qualquer jogo da Copa tem automaticamente, sem custos, o visto de entrada no país. Na prática, o
Brasilentregou a uma entidade privada o direito de emitir vistos de entrada no país", critica.
Vainer enumera três impactos que podem resultar dessas medidas que chamou de exceção. A primeira diz respeito ao endividamento dos estados e municípios. "Estamos assumindo, sem que tenhamos sido devidamente consultados, o compromisso de pagar nos próximos 20, 30, 40 anos montantes que restringem a capacidade de investimento nas nossas grandes metrópoles", explicou. Ele critica a falta de informação sobre os gastos reais. "Se tomarmos como exemplo os jogos Panamericanos, vamos ter que multiplicar o orçamento previsto inicialmente por dez", declarou.
O segundo impacto destacado pelo professor é o aprofundamento das desigualdades sociais, resultante das remoções de comunidades para dar passagem à obras vinculadas aos eventos. "Não podemos dizer que a segregação urbana tem início com a Copa e com as
Olimpíadas , mas é possível afirmar que esses processos estão aprofundando de maneira marcante essa situação", avaliou.
Ele critica o grande número de remoções em curso. "Estamos assistindo à expulsão de populações pobres e a captura desses terrenos pelo capital depois de valorizados pelos investimentos públicos. Isso é dramático e aprofunda o caráter antidemocrático das nossas cidades. As pessoas estão sendo retiradas das áreas, porque estão no caminho do investimento ou porque poluem a paisagem", apontou.
O pesquisador destaca ainda os impactos relacionadas à segurança. "É grave abrir o precedente para que as Forças Armadas intervenham na ordem pública: isso deveria ser tarefa das polícias. A história brasileira recente mostra claramente esse risco. Você cria situações inaceitáveis, mas que a sociedade acaba se acostumando", explicou.
O pesquisador considera positiva a articulação nacional de comitês populares que questionam o Poder Público em boa parte dessas medidas. "Se olharmos por esse lado, é um balanço extraordinariamente positivo essa vitalidade, essa capacidade de organização". Ele destaca que tem ouvido relatos surpresos da imprensa
internacional sobre o processo de mobilização no
Brasil . "Jornalistas estrangeiros ficam surpresos com a vitalidade da resistência. Muito mais poderosa do que qualquer outro país que passou por essa experiência", relatou.
Ele lamenta que as mobilizações não estejam tendo a repercussão na mídia. "Apesar de algumas vitórias importantes, principalmente relacionadas a alguns casos de remoção de comunidades, essa resistência não tem sido capaz de alterar de maneira expressiva os rumos que os governantes associados a grandes empresas nacionais e internacionais estão dando aos jogos e ao país", declarou.
Camila MacielRepórter da Agência
BrasilEdição: José Romildo//Texto atualizado às 12h56 para acréscimo de informações
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