by Deise Brandão
Circulam nas redes textos alarmantes dizendo que o Estado estaria prestes a proibir o uso de dinheiro em espécie, limitar quanto cada cidadão pode ter em casa e até confiscar valores automaticamente. A discussão voltou à tona após movimentações recentes em comissões do Congresso, incluindo a CCJ. Mas o cenário real é mais complexo — e mais perigoso justamente por isso.
O que é FATO
Existem, sim, projetos de lei e propostas regulatórias no Brasil e em outros países que buscam:
- restringir transações em dinheiro acima de determinados valores;
- ampliar a obrigação de comunicação ao Coaf em operações consideradas “atípicas”;
- fortalecer mecanismos de rastreabilidade financeira, sob o argumento de combate à lavagem de dinheiro, sonegação e crime organizado.
Essas medidas não são novas, nem exclusivas do Brasil. Elas fazem parte de uma tendência global de redução do dinheiro físico e fortalecimento do sistema financeiro digital.
Também é verdade que o uso de dinheiro vivo já é tratado com suspeição crescente por órgãos de controle.
O que NÃO é verdade (ou está exagerado)
- Não existe, neste momento, uma lei aprovada que proíba o cidadão de ter dinheiro em casa.
- Não há confisco automático de valores apenas por posse.
- Não existe um limite legal fixo nacional dizendo que você não pode guardar mais de “X” reais sob pena de perder tudo.
Muitas das cifras citadas (R$ 10 mil, R$ 100 mil, R$ 300 mil) aparecem em contextos diferentes, como:
regras bancárias,normas administrativas,obrigações de comunicação,projetos ainda em discussão,
e são misturadas propositalmente para criar a sensação de um pacote único já em vigor — o que não é verdade.
Onde está o PERIGO REAL
O risco não é um “confisco imediato”, mas algo mais sutil e estrutural.
O modelo que está sendo desenhado em vários países é este:
Tudo é permitido — desde que você explique.
E explicar significa:justificar origem,justificar destino,justificar intenção,justificar padrão de consumo.
Isso inverte a lógica da presunção de liberdade.
O cidadão deixa de ser livre até prova em contrário e passa a ser suspeito por padrão.
O dinheiro em espécie sempre foi:anônimo,descentralizado,resistente a bloqueios,
último instrumento de autonomia prática.
Reduzir seu uso não é só questão financeira, é questão de poder.
Não é “combate ao crime” apenasO discurso oficial sempre vem embalado em palavras bonitas:
“segurança”“transparência”“controle”“proteção da sociedade”
Mas, historicamente, toda arquitetura de vigilância começa assim:
devagar, técnica, burocrática, aparentemente razoável.
O problema não é investigar crimes.
O problema é tratar todo cidadão como um criminoso em potencial.
Não, o Brasil ainda não vive uma proibição total do dinheiro vivo.
Mas sim, há um movimento claro para:reduzir sua circulação,associar sua posse à suspeita,
condicionar a liberdade econômica à autorização estatal.
Não é distopia pronta.
É ensaio.
E ensaios servem justamente para testar até onde as pessoas aceitam.
O alerta não é para entrar em pânico. É para não normalizar.
Porque quando o dinheiro vira crime, a liberdade vira exceção.
