sábado, 15 de maio de 2021

Presidentes de siglas manifestam apoio a Toffoli e descontentamento com PF


O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal),a quem a PF pediu para investigarSérgio Lima/Poder360

PODER360

Pelo menos 4 presidentes de partidos, além de líderes de bancada, o 1º vice-presidente da Câmara e outros deputados, assinaram nota contrária ao pedido da Polícia Federal para investigar o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli.

“Gostaríamos de externar, primeiramente, nossa preocupação com a conduta adotada pela Polícia Federal após a Procuradoria Geral da República já ter opinado pelo arquivamento de todas as investigações decorrentes da colaboração do condenado Sérgio Cabral, justamente por falta de consistência em suas informações”, diz o texto.

“Ao mesmo tempo, gostaríamos de registrar nossa solidariedade ao Ministro Toffoli que, de maneira injusta e criminosa, foi alvo de ataques inaceitáveis pelo supracitado delator”, afirma a nota.

Até a publicação deste texto, o a nota tinha as assinaturas dos seguintes políticos:
Baleia Rossi – presidente do MDB;
Bruno Araújo – presidente do PSDB;
Marcos Pereira – presidente do Republicanos;
Paulo Pereira da Silva – presidente do Solidariedade;
Marcelo Ramos – 1º vice-presidente da Câmara;
Rodrigo de Castro – líder do PSDB na Câmara;
Renildo Calheiros – líder do PC do B na Câmara;
Joenia Wapichana – líder da Rede e única deputada do partido;
Marcelo Freixo – líder da Minoria na Câmara;
Carlos Sampaio – deputado pelo PSDB de SP;
Fábio Trad – deputado pelo PSD de MS;
José Guimarães – deputado pelo PT do CE;
Lafayette de Andrada – deputado pelo Republicanos de MG;
Margarete Coelho – deputada pelo PP do PI;
Orlando Silva – deputado pelo PC do B de SP;
Perpétua Almeida – deputada pelo PC do B do AC;
Rodrigo Maia – deputado pelo DEM do RJ e ex-presidente da Câmara.

O Poder360 apurou que é Rodrigo Maia quem está recolhendo assinaturas para o documento.

A nota refere-se à notícia de 3ª feira (11.mai.2021). A PF pediu autorização ao STF para investigar Toffoli baseando-se em delação premiada do ex-governador do Estado do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB).
Ele disse que Toffoli recebeu R$ 4 milhões em troca de favorecimento em processos sobre 2 prefeitos do Estado do Rio de Janeiro no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A nota da qual os deputados são signatários defende a maneira como o ministro do Supremo atuou quando presidia o TSE. “Registramos a forma imparcial e correta com que conduziu aquela Corte Eleitoral, primando, sempre, em sua atuação, pela isenção e senso de justiça.”

Leia a íntegra da nota:

“Na noite de ontem, soubemos pela Folha de S.Paulo, que a Polícia Federal, fundamentada exclusivamente na colaboração premiada do ex-Governador Sérgio Cabral, encaminhou para a Suprema Corte pedido de abertura de inquérito para investigar o ministro Dias Toffoli, então presidente do TSE.

Diante deste fato, nós, subscritores da presente nota, gostaríamos de externar, primeiramente, nossa preocupação com a conduta adotada pela Polícia Federal após a Procuradoria Geral da República já ter opinado pelo arquivamento de todas as investigações decorrentes da colaboração do condenado Sérgio Cabral, justamente por falta de consistência em suas informações.

Ao mesmo tempo, gostaríamos de registrar nossa solidariedade ao Ministro Toffoli que, de maneira injusta e criminosa, foi alvo de ataques inaceitáveis pelo supracitado delator.

Nós, que convivemos com o ministro Dias Toffoli enquanto presidente do TSE, registramos a forma imparcial e correta com que conduziu aquela Corte Eleitoral, primando, sempre, em sua atuação, pela isenção e senso de justiça.”

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De acordo com matéria publicada pela revista Crusoé, o ministro Dias Toffolli, do Supremo Tribunal Federal (STF), é apontado pela Polícia Federal (STF) como suspeito de ter obstruído investigações criminais relativas à delação do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

Na semana passada, a PF encaminhou um ofício ao STF pedindo a abertura de inquérito para investigar supostos repasses ilegais ao ministro Dias Toffoli. A suspeita é que o magistrado teria vendido sentenças favoráveis para prefeitos do Estado Fluminense.


Sérgio Cabral afirmou, em seu acordo de delação, que o ministro da Suprema Corte teria recebido R$ 3 milhões para alterar voto e mais de R$ 1 milhão para conceder liminar a dois prefeitos cariocas que apresentaram recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a cassação dos mandatos. Toffolli foi ministro do TSE entre os anos de 2012 e 2016.

Duas semanas antes de deixar a presidência do STF, em setembro do ano passado, o ministro arquivou de uma só vez 12 inquéritos abertos para apurar a denúncia do ex-governador do Rio.

De acordo com a Crusoé, os processos foram arquivados com aval da Procuradoria-Geral da República (PGR), antes de algum ministro assumir a relatoria dos casos.

“Pode-se afirmar, em tese, que o excelentíssimo Ministro José Antônio Dias Toffoli obstruiu 12 investigações criminais na condição de presidente do Supremo Tribunal Federal, no ano de 2020” — narra a PF.

Segundo a corporação, o ministro do STF teria arquivado as investigações “em decorrência de ter mantido tratativas espúrias com o colaborador Sérgio Cabral e [por] ser implicado criminalmente em anexo da colaboração premiada na condição de membro do grupo criminoso atuante na venda de decisões judiciais”.





Distorcer é poder

 Marcia Tiburidisse:

22 de abril de 2015

O descompromisso e a desonestidade com o que se diz são características de nossa sociedade há tempos. Um modo especializado de desonestidade vem sendo usado constantemente. Se trata da inversão.

Sabemos que devemos prestar atenção no que nos é dito. Por outro lado, é um dever ético prestar atenção no modo como nós mesmos dizemos o que dizemos. Claro que ninguém vai conseguir atingir um grau máximo de consciência e expressar-se sempre da melhor forma. Por outro lado, é fato que as pessoas espontaneamente manipulam o que o outro diz. Mas não é porque as coisas são assim que elas não deveriam ser diferentes. Aí, no “dever-ser” é que começa o nível ético das relações.

A inversão é um tipo de distorção. No nível das relações entre pessoas particulares, sobretudo no que concerne à esfera privada, podemos dizer que a distorção é fruto de algo que chamamos genericamente de neurose. Ela atinge todas as relações. Pais e filhos, casais, amigos, todos aqueles que convivem e que, por conviver, falam uns com os outros, distorcem.

A neurose é uma categoria psicanalítica, mas ela é também uma categoria ética. Ela é uma manifestação da linguagem em que a desonestidade é inconsciente. O neurótico quer provar suas “teorias”, que ele pode criar nas mais variadas circunstâncias. E, para prová-las basta acionar o mecanismo da distorção. A distorção requer interpretação. Captar algo dito pelo outro e usá-lo para provar algo completamente diferente é a sua aplicação mais simples. Em geral, aquilo que se quer provar – a teoria do neurótico – não tem realidade alguma. Há, certamente, no modo de proceder do neurótico algo de cruel consigo mesmo e com o outro. Ele quer provar algo sobre si mesmo e o outro lhe serve como caminho da prova. O outro é manipulado no ato da manipulação do argumento.

A lógica da inversão depende da capacidade para distorcer. Ela pode parecer bem racional, mas em geral, apela, como qualquer falácia, a um espécie de drible argumentativo. Pela inversão basta colocar uma coisa no lugar da outra. Trocar o lugar de quem fala. A lógica da inversão está presente tanto na culpabilização da vítima, quanto na vitimização do culpado.

A inversão, por sua vez, não é uma mera projeção, como pode parecer. Ela é uma tática de poder que vai além da neurose e tem com ela a diferença de ser uma desonestidade consciente.

Alguém que na esfera privada é neurótico, na esfera pública pode ser um canalha. A posição do canalha é sempre burra, e fácil de desvendar. Mas vivemos no império da canalhice onde a burrice, tanto como categoria cognitiva quanto moral, venceu. Desvendá-la não tem mais muito valor. Ela se transformou no todo do poder.


Psicose de Vagner Queiroz

No âmbito público, a tática da inversão vem sendo usada de um modo abjeto. O exemplo de um deputado homofóbico acusando o deputado Jean Wyllys de “heterofobia” seria patético se não estivéssemos em um país em que a promoção da canalhice tem sempre lugar garantido. O político, conhecido por suas declarações homofóbicas, que fazem apologia do preconceito e da violência, tentou fazer uso da tática da inversão pondo em cena algo perverso: de um lado, ele pensa que pode “lucrar” como vítima (como se existisse alguma vantagem em ser vítima), de outro ele tenta destruir a vítima real pondo-a na posição de algoz.

Enquanto o outro é tratado como culpado (Jean Wyllys enquanto “heterofóbico”), o suposto “culpado” está, na verdade, sendo atacado. O algoz se fez de vítima e ao fazer da vítima o culpado, ele o vitima em uma segunda potência.

Outro exemplo interessante se encontra na postura de alguns agentes públicos, que tem o dever de fiscalizar a lei, mas optam por atacar aqueles que efetivamente a cumprem, invertendo o jogo, como aconteceu recentemente na tentativa de jogar a opinião pública contra a juíza carioca Cristiana Cordeiro em razão das medidas socioeducativas impostas a adolescentes. Na era da distorção, cumprir a Constituição, defender a diferença ou os excluídos da sociedade de consumo, virou exceção, algo que é tratado como hediondo se a decisão acontece em desacordo com os preconceitos difundidos pelos meios de comunicação de massa.

O neurótico se torna vítima (aquele que se coloca como “desamado”) enquanto é culpado (do discurso no qual se constitui a neurose, uma fala oca e inútil, que serve apenas para jogar o mal estar neurótico sobre o outro). Tanto quanto o canalha o neurótico é sempre uma vítima de si mesmo que acaba vitimando os outros. A diferença entre o neurótico e o canalha é que se pode – em certo sentido – curar a neurose. O canalha é incurável. A pergunta é: por que nos deixamos representar por ele?

quinta-feira, 13 de maio de 2021

PL nº 8.045/2010: Principais mudanças (e polêmicas): projeto de novo Código de Processo Penal


Publicado por Neemias Prudente
há 7 anos (VOLTA Á DISCUSSÃO AGORA????)

RESUMO: O artigo busca apontar as principais mudanças (e polêmicas) previstas no projeto de Novo Código de Processo Penal (PL 8045/2010).

PALAVRAS-CHAVE: Projeto de Novo Código de Processo Penal; PL 8045/2010; Mudanças; Polêmicas.

SUMÁRIO: Introdução; 1) Princípios fundamentais; 2) Investigação criminal; 3) Juiz das garantias; 4) Inquérito policial; 5) Ação penal; 6) Interrogatório; 7) Dano moral; 8) Direitos da vítima; 9) Índios; 10) Provas; 11) Procedimentos; 12) Aplicação imediata da pena; 13) Recursos; 14) Medidas cautelares pessoais; 15) medidas cautelares reais; 16) Ações de impugnação; 17) Cooperação jurídica internacional; Conclusão; Referências.
Introdução

“Arriva la nuova procedura, ma serve anche una nuova mentalità”1 (Franco Coppi).

O atual Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689, de 1941) conta com mais de 72 anos e, durante todo esse período, sofreu apenas algumas alterações pontuais. Portanto, encontra-se inadequado e defasado, principalmente em relação às mudanças introduzidas pela CF/1988 (que redemocratizou o país).

Por esse motivo, tramita na Câmara dos Deputados, o PL 8045/2010, que visa reformar o Processo Penal brasileiro, instituindo novo código.2 O projeto, para além de modernizar a legislação, torna-a mais eficiente e harmônica com os tempos atuais, bem como mais adequada a CF/1988 e ao Estado Democrático e Social de Direito.3

O projeto, dividido em 6 livros (da persecução penal, do processo e dos procedimentos, das medidas cautelares, das ações de impugnação, das relações jurisdicionais com autoridade de estrangeira e disposição finais), prevê grandes modificações no processo penal brasileira, entre elas: agiliza os procedimentos; diminui o número de recursos; estabelece uma série de direitos ao acusado e a vítima; revê o funcionamento do tribunal do júri; define claramente a função de cada um dos sujeitos processuais; estabelece expressamente o processo penal do tipo acusatório, buscando garantir a imparcialidade do órgão julgador e a presunção de inocência do acusado; proporciona garantia de sigilo da investigação e a preservação da intimidade dos envolvidos; cria a figura do juiz de garantias; propõe novas medidas cautelares em substituição a prisão preventiva; põe fim a prisão especial; traz mudanças no interrogatório, no uso de escutas telefônicas, no valor da fiança, além de muitas outras mudanças.

Sem embargo, confira a seguir as principais mudanças (e polêmicas) previstas no projeto de Novo Código de Processo Penal.

1. Princípios fundamentais

Conforme o projeto, todo processo penal realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa, garantida a efetiva manifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais (art. 3).

Supre-se uma importante lacuna em nossa legislação, ao expressamente adotar o sistema acusatório de processo penal (art. 4), onde os papéis dos sujeitos processuais são mais bem definidos – a investigação cabe à Polícia e ao Ministério Público; O Ministério Público também tem a atribuição de acusar; e o juiz tem a incumbência de julgar. Fica o juiz proibido de substituir o Ministério Público na função de acusar e de levantar provas que corroborem os fatos narrados na denúncia, sem prejuízo da realização de diligências para esclarecimento de dúvidas.

A interpretação das normas processuais penais orientar-se-á pela proibição de excesso, privilegiando a dignidade da pessoa humana e a máxima proteção dos direitos fundamentais, considerada, ainda, a efetividade da tutela penal (art. 5).

2. Investigação criminal

Fica garantido, na investigação criminal, o sigilo necessário à elucidação do fato e a preservação da intimidade e da vida privada da vítima, das testemunhas, do investigado e outras pessoas indiretamente envolvidas (art. 10).

O investigado e o seu defensor têm o direito de ter acesso a todo material já produzido na investigação criminal, exceto no que diz respeito, estritamente, às diligências em andamento (11).

Também haverá a possibilidade de produção de provas pelo investigado, sendo garantido a ele (por meio de seu advogado, defensor público ou de outros mandatários com poderes expressos) tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistas pessoas (art. 13).

Ainda, conforme reza o art. 753, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, no exercício do seu poder de polícia, que abrange a apuração de crimes praticados nas dependências de responsabilidade da respectiva instituição, poderão instaurar inquérito policial a ser presidido por servidor no desempenho de atividade típica de polícia, bacharel em direito.

3. Juiz das garantias

Uma das mais importantes e atuais novidades do projeto é a criação da figura do juiz das garantias, que seria responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado (art. 14).

O juiz de garantias se torna o responsável por atos como: zelar pelos direitos do preso, determinar o trancamento ou a prorrogação do inquérito, bem como decidir sobre os pedidos de interceptação telefônica, quebra de sigilo, pedido de arquivamento.

Com as mudanças, caberá ao juiz das garantias atuar na fase da investigação ficando o outro juiz do processo responsável pela tarefa de julgar o caso.4 Cria-se, assim, uma causa de impedimento para o juiz de garantias: não poderá ele funcionar no processo (art. 16). No entanto, o referido impedimento não se aplicará às comarcas ou seções judiciárias onde houver apenas um juiz (art. 748).

4. INQUÉRITO POLICIAL

Pelo projeto, a investigação criminal é poder-dever do delegado de polícia, no caso do inquérito policial (art. 18). Previu-se que o delegado conduzirá a investigação com isenção e independência (art. 19).

Fica definido que o exercício da atividade de polícia judiciária pelos delegados não exclui a competência de outras autoridades administrativas (art. 18, § 2.º), tais como as investigações criminais realizadas pelo Ministério Público (ainda que realizada apenas de forma supletiva) e as sujeitas a inquérito policial militar.

A abertura do inquérito será comunicada imediatamente, pelo delegado, ao ministério público (art. 20, § 1.º).

No caso de prisão em flagrante delito, não havendo representação da vítima (ação penal pública condicionada) no prazo de 5 dias, o preso será colocado imediatamente em liberdade (art. 22, parágrafo único).

Havendo indícios de que a infração penal foi praticada por policial, ou com a sua participação, o delegado deve comunicar imediatamente a ocorrência a respectiva corregedoria de polícia e ao ministério público (art. 23).

Importante salientar que, enquanto não instaurada a ação penal, a tramitação do inquérito deve ocorrer entre o ministério público e a polícia judiciária (art. 31).

Quanto ao prazo de tramitação do inquérito policial, fica mantido o prazo de 15 dias para o réu preso, mas amplia-se a tramitação do inquérito para 90 dias se ele estiver solto, podendo ser prorrogado (art. 31). Não obstante, o inquérito policial não poderá exceder o prazo de 720 dias, sendo que o esgotamento de tal prazo autoriza seu arquivamento pelo juiz das garantias (art. 32). Cria-se aqui uma espécie de extinção da punibilidade do investigado pelo decurso do tempo de instauração do inquérito, diverso da prescrição penal.

Após a conclusão do inquérito, propõe-se que os autos não mais tenham o juiz como destinatário, mas o Ministério Público (art. 34). Este órgão, quando recebe o inquérito já encerrado, pode oferecer denúncia, requerer novas provas e esclarecimentos, como também requerer o arquivamento do inquérito, quando entender incabível a acusação, o que poderá ou não ser deferido pelo juiz (arts. 35 e 38).

5. Ação penal

O projeto acaba com a ação penal privada. Nesses casos, o processo passa a ser iniciado por ação pública, condicionada a representação do ofendido, podendo ser extinta com a retratação da vítima, desde que feita até o oferecimento da denúncia (art. 45).

Entre as principais novidades do projeto, está a que prevê que a ação penal nos crimes contra o patrimônio, desde que atinjam exclusivamente bens particulares e praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, seja condicionada à representação (a vítima diz se quer ou não a ação). Nestes crimes, quando a lesão causada for de menor expressão econômica, ainda que já proposta a ação, se prevê a “conciliação” entre o acusado e a vítima, que implicará a extinção da punibilidade (art. 46).5
6. Interrogatório

Também há mudanças no instituto do interrogatório, que passa ser tratado como meio de defesa e não mais de prova, ou seja, é um direito do investigado ou do acusado (art. 64).

Pelo projeto, o preso deve ser assistido por um advogado ou defensor público desde o interrogatório policial, e não apenas na fase de interrogatório judicial. No caso de flagrante delito, se, por qualquer motivo, não for possível contar com a assistência de advogado ou defensor público no local, o auto de prisão em flagrante será lavrado e encaminhado ao juiz das garantias sem o interrogatório do conduzido. A autoridadepolicial aguardará o momento mais adequado para fazer o interrogatório, a menos que o próprio interrogando manifeste livremente a vontade de ser ouvido naquela oportunidade. Se o interrogatório não for realizado, a autoridadefará apenas a qualificação do investigado (art. 64).

O projeto prevê que seja respeitado à capacidade de compreensão e discernimento do interrogado, não se admitindo o emprego de métodos ou técnicas ilícitas e de quaisquer formas de coação, intimidação ou ameaça contra a liberdade de declarar. A autoridade responsável pelo interrogatório também não poderá oferecer qualquer vantagem ao interrogado, se não tiver amparo legal para fazê-lo (art. 65).

Antes do interrogatório, o investigado ou acusado será informado do inteiro teor dos fatos a ele imputados; de que poderá reunir-se em local reservado com seu defensor; de que suas declarações poderão eventualmente ser utilizadas em desfavor de sua defesa; do direito de permanecer em silêncio e de que esse silêncio não poderá ser usado como confissão ou mesmo ser interpretado em prejuízo de sua defesa (art. 66).

O interrogatório será constituído de duas partes: a primeira sobre a vida do acusado e a segunda sobre os fatos. Ao final, a autoridade indagará ao acusado se tem algo mais a declarar em sua defesa (art. 67). Se quiser confessar a autoria de um crime, será questionado se o faz de livre e espontânea vontade (art. 72).

No interrogatório do índio, se necessário, solicitará a colaboração de antropólogo com conhecimento da comunidade a que pertence o interrogando ou de representante do órgão indigenista federal, para servir de intérprete e prestar esclarecimentos (art. 71).

A regra geral é de que a realização do interrogatório seja feito pessoalmente. Todavia, excepcionalmente (e por decisão fundamentada), é permitido o interrogatório do réu preso por videoconferência, desde que a medida seja necessária para prevenir risco à segurança pública, para viabilizar a participação do réu doente ou impedido de comparecer a juízo por outro motivo pessoal ou ainda para impedir influência do réu no depoimento da testemunha ou da vítima (art. 76).

7. Dano moral

A vítima poderá, no prazo de 10 dias, pedir a recomposição civil do dano moral causado pela infração. Pelo projeto, a reparação é admitida no caso de dano moral (art. 81). Já no caso de dano material, a vítima vai buscar essa indenização - que poderequerer perícias - na Justiça Cível (art. 83).
8. Direitos das vítimas

Uma das principais inovações do projeto é que a vítima vai ter seus direitos assegurados legalmente, dentro de um capítulo específico. O texto sistematiza os direitos da vítima, já previstos em norma em vigor, e estabelece novos direitos, visando a dar satisfações mínimas a vítima. A proposta traz modificações no tratamento geral da vítima, seja pelos órgãos do Estado (polícia, ministério público, juiz), seja também pelos particulares envolvidos (advogado, parentes da vítima etc.).

Considera-se ‘vítima’ “a pessoa que suporta os efeitos da ação criminosa, consumada ou tentada, dolosa ou culposa, vindo a sofrer, conforme a natureza e as circunstâncias do crime, ameaças ou danos físicos, psicológicos, morais ou patrimoniais, ou quaisquer outras violações de seus direitos fundamentais.” (art. 90).

São direitos assegurados a vítima, entre outros (art. 91):

I - ser tratada com dignidade e respeito condizentes com a sua situação;

II - receber imediato atendimento médico e atenção psicossocial6;

III - ser encaminhada para exame de corpo de delito quando tiver sofrido lesões corporais;

IV - reaver, no caso de crimes contra o patrimônio, os objetos e pertences pessoais que lhe foram subtraídos, ressalvados os casos em que a restituição não possa ser efetuada imediatamente em razão da necessidade de exame pericial;

V - ser comunicada (por via postal ou endereço eletrônico cadastrado): a) da prisão ou soltura do suposto autor do crime; b) da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia; c) do eventual arquivamento da investigação; d) da condenação ou absolvição do acusado;

VI - obter cópias de peças do inquérito policial e do processo penal, salvo quando, justificadamente, devam permanecer em estrito sigilo;

VII - ser orientada quanto ao exercício oportuno do direito de representação, de ação penal subsidiária da pública, de ação civil por danos materiais e morais, da adesão civil à ação penal (permite que a vítima, por simples adesão, possa obter a condenação do autor na recomposição civil dos danos morais já no próprio processo penal) e da composição dos danos civis para efeito de extinção da punibilidade, nos casos previstos em lei;

VIII - prestar declarações em dia diverso do estipulado para a oitiva do suposto autor do crime ou aguardar em local separado até que o procedimento se inicie;

IX - ser ouvida antes de outras testemunhas, respeitada ordem prevista no caput do art. 276;

X - peticionar às autoridades públicas para se informar a respeito do andamento e deslinde da investigação ou do processo, bem como manifestar as suas opiniões;

XI - obter do autor do crime a reparação dos danos causados, assegurada a assistência de defensor público para essa finalidade;

XI - intervir no processo penal como assistente do Ministério Público ou como parte civil para o pleito indenizatório;

XIII - receber especial proteção do Estado quando, em razão de sua colaboração com a investigação ou processo penal, sofrer coação ou ameaça à sua integridade física, psicológica ou patrimonial, estendendo-se as medidas de proteção ao cônjuge ou companheiro, filhos, familiares e afins, se necessário for;

XIV - receber assistência financeira do poder público, nas hipóteses e condições específicas fixadas em lei;

XV - ser encaminhada a casas de abrigo ou programas de proteção da mulher em situação de violência doméstica e familiar, quando for o caso;

XVI - obter, por meio de procedimentos simplificados, o valor do prêmio do seguro obrigatório por danos pessoais causados por veículos automotores;

É dever de todos o respeito a estes diretos, especialmente dos órgãos de segurança pública, do Ministério Público, das autoridades judiciárias, dos órgãos governamentais competentes e dos serviços sociais e de saúde (art. 91, § 1.º); As autoridades terão sempre o cuidado de preservar o endereço e outros dados pessoais da vítima (art. 91, § 2.º); Estende-se esses direitos aos familiares próximos e ao representante legal, quando a vítima não puder exercê-los diretamente (art. 92).

9. ÍNDIOS

A infração penalque tenha por fundamento a disputa sobre direitos indígenas, ou quando praticada pelo índio, será apreciada pela Justiça Federal. Pelo texto constitucional em vigor, cabe aos juízes federais processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas. O projeto insere essa norma no Código de Processo Penal e acrescenta que também a infração praticada pelo índio inclui-se na competência da Justiça Federal (art. 97, parágrafo 1º).

10. PROVAS

Torna inadmissível as provas obtidas de forma ilícita e as delas derivadas, sem exceção (art. 167).

Admite o uso de prova emprestada de outro processo judicial ou administrativo, desde que comprovado o contraditório (art. 169).

Foram inseridas disposições especiais relativas à inquirição de crianças e adolescentes (arts. 192-195).

No tocante ao reconhecimento de pessoas, a pessoa cujo reconhecimento se pretender, será colocada ao lado de outras, no mínimo de 5, que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la. É dizer, passa a ser obrigatório colocar o suspeito ao lado de no mínimo 5 pessoas (art. 196).

O projeto acaba com a acareação entre acusados, deixando esse procedimento somente para as pessoas que têm obrigação legal de dizer a verdade: testemunhas e vítimas (art. 199). Assim, a vítima e testemunhas não mais serão colocadas em confronto com o acusado, evitando a revitimização daquelas.

Quanto à busca e apreensão, o art. 232, interpretado conjuntamente com o art. 233, inova e passa a exigir, a contrario sensu, que haja mandado de busca domiciliar para cumprir mandado de prisão, se a pessoa a ser presa está em local não livremente acessível ao público.

As escutas telefônicas somente serão autorizadas em crimes cuja pena máxima for superior a 2 anos, situação que caracteriza as infrações de médio e grave potencial ofensivo, salvo se a conduta delituosa for realizada exclusivamente por meio dessa modalidade de comunicação (art. 247).

Além disso, o prazo de duração da interceptação, em geral, não deverá exceder a 60 dias, mas poderá chegar a 360 dias ou até mais, quando necessário ou se tratar de crime permanente (art. 252).

O art. 260 prevê a divulgação às outras pessoas citadas nas conversas da existência da interceptação, salvo por decisão do juiz se houver prejuízo à investigação.

11. PROCEDIMENTOS

Quanto aos procedimentos, o projeto prevê que o prazo máximo para a audiência de instrução e julgamento passe para 90 dias (art. 274).7

O projeto cria o “incidente de aceleração processual”. Esgotado o prazo para a instrução do processo, o juiz pode lançar mão dessa ferramenta para garantir que atos sejam realizados nos finais de semana, feriados ou fora da jornada de trabalho. Pode ainda convocar servidores extras para realizar os atos de comunicação e expediente necessários (art. 274, § 2.º).

O projeto também incorpora o procedimento sumaríssimo dos juizados especiais criminais ao Código de Processo Penal (arts. 285-313) e introduz novas regras para o tribunal do júri (arts. 321-409).

No procedimento sumaríssimo, nas infrações penais em que as consequências do fato sejam de menor repercussão social, o juiz, à vista da efetiva recomposição do dano e conciliação entre autor e vítima, poderá julgar extinta a punibilidade, quando a continuação do processo e a imposição da sanção penal puder causar mais transtornos àqueles diretamente envolvidos no conflito (art. 308, § 4.º).

No Tribunal do Júri, terão preferência, na organização da pauta, os acusados presos. A proposta tem por objetivo tornar mais célere o julgamento de processos do Tribunal do Júri em que o acusado, embora pronunciado e solto em relação ao processo do crime doloso contra a vida, encontra-se preso em virtude de outro processo, seja por prisão preventiva ou em cumprimento de pena privativa de liberdade em razão de (condenação por) outro crime (art. 342).

Após os debates, no Tribunal do Júri, passa a ser permitido aos jurados romperem a incomunicabilidade para debate (deliberação expressa) entre si (por até uma hora), a respeito do que devem julgar (art. 398). É dizer, passa a ser permitido a comunicabilidade entre os jurados.

12. APLICAÇÃO IMEDIATA DA PENA

No capítulo que versa sobre o procedimento sumário, cria-se a figura da “aplicação imediata da pena”, com o objetivo de tornar mais rápida e menos onerosa o processo. Para os casos em que a pena aplicável ao crime não for superior a 8 anos, o Ministério Público e o acusado, por meio de seu defensor, poderão pedir a aplicação imediata da pena até o início da audiência de instrução e julgamento.

A aplicação imediata da pena será feita se houver confissão, total ou parcial em relação aos fatos imputados na acusação, com a vantagem de que a pena será aplicada no mínimo previsto. Sempre que couber, será aplicada a substituição da pena privativa de liberdadeou a suspensão condicional da pena. A pena poderá ainda ser diminuída em até 1/3 da pena mínima prevista se as circunstâncias pessoais do agente e a menor gravidadedas consequências do crime assim o indicarem (art. 283). Todavia, não havendo acordo entre as partes, o processo prosseguirá na forma do rito ordinário (art. 284).

Cumpre ressaltar que essa aplicação imediata da pena não equivale à transação, pois é verdadeira condenação, inclusive com dosagem de pena a ser feita pelo Juiz, que irá reduzir substancialmente a reprimenda.

Tal proposta, de um lado, repercutirá na redução dos inquéritos em tramitação, desafogando os serviços das delegacias de polícia e, por outro lado, evitará que acusados circunstancialmente envolvidos com o crime não se assentem no banco dos réus. Além disso, a solução alternativa de aplicação de pena não privativa de liberdade, hoje cabível apenas após toda a tramitação do processo, é antecipada.

13. RECURSOS

O projeto acaba com os chamados recursos de ofício, quando o juiz remete sua decisão ao tribunal competente para necessário reexame da matéria, independente da manifestação das partes.

Todo e qualquer recurso dependerá de iniciativa da parte que se sentir prejudicada com a decisão (art. 461). Além disso, para ganhar tempo, já na interposição do recurso a parte terá que apresentar as razões para o apelo (art. 462).

Ainda dispõe que os recursos sejam interpostos e processados independentemente de preparo e de pagamento de custas ou despesas (art. 472).

Prevê ainda que apenas um recurso seja feito em cada instância do judiciário, a fim de apressar o andamento processual (evitando retardar o andamento do processo). Assim, restringe-se o número de recursos, quais sejam (art. 59): agravo (arts. 473-479), apelação (arts. 480-491), embargos infringentes (arts. 492-496), embargos de declaração (arts. 497-498), recurso ordinário (arts. 499-503), recurso especial e extraordinário (arts. 504-514).

O texto limita o uso dos embargos de declaração. Pela proposta, para cada acórdão caberá apenas um embargo de declaração, no prazo de cinco dias (art. 497).

Reza ainda o art. 752 que são os tribunais de todos os graus de jurisdição proibidos de criar novos recursos em seus respectivos regimentos internos.

14. MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS

Pelo projeto, procura-se ampliar o rol das cautelares, a fim de que alcancem maior número de crimes (hipóteses de cabimento) e, além disso, prever situações destinadas à garantia de eficácia do provimento jurisdicional, bem como medidas que possibilitem a reparação do dano, adimplemento de eventual pagamento de multa ou prestação pecuniária, até a localização do acusado para assegurar a aplicação da lei penal.

Antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a prisão fica limitada a três modalidades: flagrante, preventiva e temporária (art. 535).

Uma novidade no projeto de código é a determinação de que não haverá emprego de força, como a utilização de algemas, salvo se indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso, ou para preservar a integridade física do executor, do preso ou de terceiros. Sendo expressamente vedado o emprego de algemas i) como forma de castigo ou sanção disciplinar, ii) por tempo excessivo e iii) quando o investigado/acusado se apresentar, espontaneamente, ao juiz ou ao delegado de polícia (art. 537).

Outra novidade é o fim das chamadas prisões especiais. Na prática, quem tem o privilégio previsto em lei específico, como advogados, vai manter a prerrogativa. Somente seriam recolhidos em quartéis ou em outro local distinto do estabelecimento prisional quando, pelas circunstâncias de fato ou pelas condições pessoais do agente, ficar constatado que há risco à sua integridade física.8Os presos provisórios ficarão separados dos condenados. E observado as mesmas condições, o preso não será transportado juntamente com outros (art. 547).

Sobrevindo condenação recorrível, o tempo de prisão provisória será utilizado para calculo e gozo imediato dos benefícios previstos na LEP, como progressão de regime, livramento condicional, saída temporária, indulto e comunicação das penas. (art. 548).

Prevê que é nulo o flagrante preparado, com ou sem a colaboração de terceiros, quando seja razoável supor que a ação, impossível de ser consumada, só ocorreu em virtude daquela provocação (Art. 551).

É terminantemente vedada a incomunicabilidade do preso (art. 552, § 1.º).

No caso de Prisão em Flagrante, o juiz terá o prazo de até 24 horas para: i) relaxar a prisão se ela tiver sido efetuada de forma ilegal, ii) convertê-la em preventiva, iii) arbitrar fiança ou aplicar medidas cautelares cabíveis, ou iv) conceder liberdade provisória (art. 555).

Quanto a prisão preventiva, o texto do projeto traz três regras básicas que deverão nortear esse tipo de instituto, com o objetivo de que ele seja utilizado somente em situações mais graves: - jamais será utilizada como forma de antecipação da pena; - o clamor público não justifica, por si só, a decretação da prisão preventiva; - somente será imposta se outras medidas cautelares pessoais revelarem-se inadequadas ou insuficientes, ainda que aplicadas cumulativamente (art. 556).

A prisão preventiva só poderá ser aplicada no caso de crimes dolosos com pena superior a 3 anos de prisão, exceto se cometido por meio de violência ou grave ameaça à pessoa. A prisão preventiva também não cabe nos crimes culposos e no caso de o agente estiver com uma doença gravíssima e seu estado de saúde seja, portanto, incompatível com a aplicação da medida ou exija tratamento permanente em local diverso. O Juiz também poderá autorizar o cumprimento da prisão preventiva em domicilio quando i) o agente for maior de 75 anos, ii) gestante a partir do sétimo mês de gestação ou se esta for de alto risco ou iii) imprescindível aos cuidados especiais devidos a criança menor de seis anos de idade ou com deficiência (art. 557).

Os prazos para a prisão preventiva são os seguintes: a partir da prisão em flagrante, 180 dias entre as fases de investigação e até a conclusão do processoem primeira instância. Na fase de segunda instância, a prisão preventiva poderá durar outros 360 dias, e, em última instância (Superior Tribunal deJustiça e Supremo Tribunal Federal), outros 180 dias. Esses prazos valem para a hipótese de a pena para o crime ser inferior a 12 anos de detenção. Se superior, são acrescidos 60 dias a cada fase. Se, após o início da execução, o preso fugir, os prazos interrompem-se e, após a recaptura, serão contados em dobro. A prisão preventiva terá a duração máxima de 4 anos, ainda que a contagem seja feita de forma descontínua (art. 559). Cabe destacar que o juiz ao decretar ou prorrogar prisão preventiva, já deverá, logo de início, indicar o prazo de duração da medida (560).

Após 90 dias deprisão preventiva, ela será obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente, para avaliar se persistem, ou não, os motivos que levaram à sua aplicação, podendo substituí-la, se for o caso, por outra medida cautelar (art. 562).

No tocante a prisão temporária, o projeto determina que esse instituto somente deverá ser usado se não houver “outro meio para garantir a realização do ato essencial à apuração do crime, tendo em vista indícios precisos e objetivos de que o investigado obstruirá o andamento da investigação” dos crimes previstos no art. 563. Isso significa que a prisão preventiva não poderá mais ser utilizada sob o pretexto de garantir qualquer ato de investigação, mas somente os considerados “essenciais” e, mesmo assim, somente a partir de “indícios precisos e objetivos” de que o investigado, livre, possa criar obstáculos à investigação.

Já os prazos continuam os mesmos da atual legislação: máximo de 5 dias, admitida uma única prorrogação, por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. No entanto, outra novidade é que o juiz poderá condicionar a duração da prisão temporária ao tempo estritamente necessário para a realização do ato investigativo. Essa medida cautelar não poderá ser utilizada com o único objetivo de interrogar o investigado (arts. 563 e 564).

Quanto ao instituto da fiança, nos crimes punidos com detenção ou prisão simples (qualquer que seja o limite máximo da pena cominada) ou reclusão, com pena fixada em limite não superior a 5 (cinco) anos (exceto se praticados com violência ou grave ameaça à pessoa), a fiança será concedida diretamente pelo delegado de polícia, logo após a lavratura do auto de prisão em flagrante (art. 568, § 1.º).

Pelo projeto, o valor da fiança será fixado entre 1 a 200 salários mínimos, nas infrações penais cujo limite máximo da pena privativa de liberdade fixada seja igual ou superior a oito anos e de 1 a 100 salários mínimos nas demais infrações penais. Para determinar o valor da fiança, a autoridade considerará a natureza, as circunstâncias e as consequências do crime, bem como a importância provável das custas processuais, até o final do julgamento. No entanto, dependendo da situação econômica do preso e da natureza do crime, pode também ser reduzida até o máximo de 2/3 ou ainda ser aumentada, pelo juiz, em até 100 vezes (art. 572).

O juiz, verificando ser impossível ao réu prestar a fiança, por motivo de insuficiência econômica, poderá conceder-lhe liberdade provisória (art. 573).

Ainda, o projeto lista 15 tipos de outras medidas cautelares pessoais, alternativas a prisão provisória (art. 533): I) fiança (arts. 567-586); II) recolhimento domiciliar (arts. 588-590); III); monitoramento eletrônico (arts. 591-594); IV) suspensão do exercício de profissão, atividade econômica ou função pública (art. 595); V) suspensão das atividades de pessoa jurídica (art. 596); VI) proibição de frequentar determinados lugares (art. 597); VII) suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave (art. 598); VIII) afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima (art. 599); IX) proibição de ausentar-se da comarca ou País (art. 600); X) comparecimento periódico em juízo (art. 601); XI) proibição de se aproximar ou manter contato com pessoa determinada (art. 602); XII) suspensão do registro de arma de fogo e da autorização para porte (art. 603); XIII) suspensão do poder familiar (art. 604); XIV) bloqueio de endereço eletrônico na internet (art. 605) e XV) liberdade provisória (arts. 610-611).

15. MEDIDAS CAUTELARES REAIS

Inclui a indisponibilidade dos bens do acusado, lícitos ou ilícitos, como medida cautelar. Assim, pelo projeto, são medidas cautelares reais (art. 612): i) indisponibilidade de bens (arts. 615-623), ii) sequestro de bens (arts. 624-634)), iii) hipoteca legal (arts. 644-e iv) e arresto de bens (art. 646-649).

O projeto permite que bens abandonados ou cujo proprietário não tenha sido identificado sejam postos em indisponibilidade ou sequestrados pela Justiça (art. 615 e 624, § 1.º);

A inovação de maior alcance é a que permite a alienação cautelar dos bens sequestrados, sem que haja a necessidade de aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória, se houver receio de depreciação patrimonial ou perecimento pelo decurso de tempo, bem como esta for a melhor forma de preservar o valor desses bens, por causa do custo de conservação (art. 630).

16. AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO

Entre as ações de impugnação está a revisão (arts. 655-662), o habeas corpus (arts. 663-681) e o mandado de segurança (art. 682-692). O projeto tentou dar um tratamento ordenado a tais institutos que, em linhas gerais, mantêm a mesma disciplina do atual CPP.

17. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

Reza o projeto que será aplicado o disposto no Livro V às atividades de ‘cooperação jurídica internacional’ em matéria penal, salvo quando de modo diverso for estabelecido em tratados dos quais o Brasil seja parte, observada, ainda, a legislação específica (art. 693).

Desta forma, o pedido de ‘cooperação internacional’ será executado por meio de (art. 694): i) extradição (arts. 700-707), ii) ação de homologação de sentença estrangeira (arts. 708-712), iii) carta rogatória e auxílio direto (arts. 713-730), iv) transferência de pessoas condenadas (arts. 731-734) e v) transferência de processos penais (art. 735-737).

Conclusão

O projeto (leia-se: um projeto, uma minuta) de Lei 8045/2012, que procura reformar o Processo Penal brasileiro com a instituição de novo código, apesar de ter defeitos e falhas, conta com pontos extremamente positivos.

Diante de diversas correntes de pensamento, acreditamos que o melhor caminho é o debate e o aprimoramento do projeto. Com a contribuição de todos os setores, se dará ao país um novo e moderno Código de Processo Penal.

Por fim, adverte Jacinto Coutinho: “pode-se ter um novo Código de Processo Penal, constitucionalmente fundado e democraticamente construído, mas ele será somente linguagem se a mentalidade não mudar”.9

REFERÊNCIAS

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de novo Código de Processo Penal (PL 8.045). Disponível em: <http://www.câmara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=A9FFBBF923A6D0266293E4FEF0471C94.node1?codteor=831788&filename=PL+8045/2010>. Acesso em: 01 de dezembro de 2013.

1 Tradução livre: “chega um novo processo, mas é preciso também uma nova mentalidade.”

2 O PL 8045 é fruto do projeto de Lei n. 156/2009, de autoria do Senador José Sarney (que por sua vez é baseado no anteprojeto elaborado por uma comissão externa de juristas criada em 04 de junho de 2008, através do Ato n. 011/2008, com o objetivo de reformar essa legislação). Tal projeto 156/2009, após aprovação no Senado, foi encaminhado à Câmara dos Deputados por meio do ofício n. 2427, de 21/12/2010, para ser submetido à revisão, nos termos do art. 65 da Constituição Federal. Na Câmara, o projeto recebeu o número 8.045/2010.

3 Segundo Renato Casagrande, a reforma teve, como justificativa, “tornar o processo penal mais ágil, célere, eficaz e justo”, em razão de viver-se “um momento de violência amplamente disseminada em nossa sociedade, o que coloca em relevo a necessidade de eficácia punitiva penal.” Assim, o projeto tem três objetivos principais: 1) sintonizar o código com a Constituição Federal; 2) Dotar os diferentes operadores da Justiça de definições claras sobre a tarefa de cada um, buscando agilizar o processo penal; 3) Limitar a possibilidade de apresentação de recursos protelatórios, que levam a impunidade.

4 Cada comarca deve ter um juiz responsável pela investigação – o juiz de garantias – e outro que fará o julgamento e determinará a sentença a ser aplicada ao réu. Nota-se uma enorme dificuldade prática de sua implementação de norte a sul do país. Em muitas comarcas do país existe apenas um juiz para analisar e julgar todos os processos (40%). A obrigatoriedade de participação de dois juízes em todos os processos vai onerar o Poder Judiciário e não significará, necessariamente, maior imparcialidade nas decisões. Todavia, para outros, o juiz que faz a investigação está contaminado para julgar. Nas comarcas onde houver um magistrado, a legislação da Organização Judiciária determinará quem atuará como juiz de garantias, que, para ele, poderá ser o juiz de uma circunscrição próxima. Assim, o novo CPP não obrigaria a presença de dois juízes em todas as comarcas.

5 O novo texto fomenta (ainda que timidamente) a diminuição da incidência do sistema, ao incentivar (e dar uma abertura) a políticas criminais de restauração dos danos e pacificação dos conflitos (não se caminha para a imposição de pena e sim satisfação dos interesses da vítima). O Direito Penal, de modo geral, é entendido como uma questão de interesse público, isto é, não limitado às pretensões e interesses da vítima. O Estado se vê obrigado a agir, tão logo tenha notícia de um crime de ação penal pública, muitas vezes contrariamente aos desejos da vítima (pois em determinados casos, a ação penal poderá causar novos transtornos à vítima - vitimização secundária, como a publicidade dos fatos e com a sua inserção involuntária ou compulsória no sistema penal). O projeto busca diminuir um pouco esses efeitos nos crimes patrimoniais, praticados sem violência e sem grave ameaça. Nestes casos, se propõe ouvir a vítima, apoiá-la e averiguar se ela prefere um caminho extrajudicial que lhe conforte, ampare e permita reparar o dano causado pelo ofensor. Assim, nestas infrações, o projeto prevê que o juiz possa extinguir a punibilidade, quando a continuação do processo e a imposição da sanção penal puderem causar mais transtornos àqueles diretamente envolvidos no conflito. Ou seja, quando houver espaço para soluções extrajudiciais que favoreçam a conciliação entre autor e vítima. Com isso, evita-se tais conflitos (de pequena monta que abarrotam o judiciário). Fazendo com que o judiciário se ocupe dos casos mais complexos e relevantes (Cf. Entrevista com Eugênio Pacelli. Código permitirá ao país criar a cultura da pacificação. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/cidadania/edicoes/331/código-permitira-ao-pais-criaracultura-da-pacificacao>. Acesso em: 01 de novembro de 2013).

6 Diferente de vários países europeus - que possuem organizações da sociedade civil em apoio e proteção às vítimas de infrações penais -, o Brasil ainda não possui um movimento organizado em moldes semelhantes. Na Europa, as organizações prestam atendimento psicológico, jurídico e social, principalmente aos carentes, atuando em colaboração com o governo, como, por exemplo, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (Apav), criada em 1990, que chega a atender imigrantes ilegais em Portugal.

7 Só para constar, verifica-se pelo projeto que, quando o réu se oculta para ser citado, foi excluída a possibilidade de citação por hora certa (que é um retrocesso e favorece a impunidade). Neste caso será feita citação por edital (art. 148).

8. Assim, o autor de um crime que tenha provocado comoção nacional, no primeiro caso, e um juiz, promotor ou policial, no segundo, terão direito a ficar em local distinto daquele reservado aos demais presos.

9 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Novo Código de Processo Penal pede nova mentalidade. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 06 de abril de 2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-abr-06/revisao-código-processo-penal-demanda-sistema-acusatorio>. Acesso em: 01 de dezembro de 2013.

Neemias PrudenteNeemias Prudente
Mestre em Ciências Criminais (UNIMEP/SP). Especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC/UFPR). Especialista em Direito Penal e Processual Penal (IPE/PR). Bacharel em Direito (PUC/PR). Licenciado em Filosofia (UNINTER). Criminalista, Antipenalista, Proletário, Escritor, Palestrante, Ufólogo, Corredor, Cervejeiro, Nietzschiano e Ex-Servidor Público Federal. Amante do Conhecimento e Oposição a Governos Autoritários e Antidemocráticos. Sobrevivendo e Escrevendo enquanto espera uma Invasão Alienígena ou algum meteoro en passant !!!

Os 11 furos do caso Bilynskyj, o delegado e influencer armamentista cuja namorada ‘se suicidou’

Furos na investigação beneficiam versão delegado Paulo Bilynsky, que recebeu apoio da família Bolsonaro. A família da modelo Priscila Bairros acredita em assassinato.


16 de Junho de 2020, 16h49



Foto: Fepesil/TheNews2/Folhapress


FUZIL SEM NÚMERO. Marca sem identificação”.

Essa descrição consta no boletim de ocorrência da morte da modelo Priscila Delgado de Bairros, registrado no dia 20 de maio, em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo. O porte de fuzil sem número de série é um crime inafiançável. Nove dias depois, a Secretaria de Segurança de São Paulo disse que a polícia errou e o que foi originalmente identificado como uma arma, na verdade, era um “acessório”.

Essa é só mais uma das controvérsias que cercam a morte de Priscila no apartamento do delegado Paulo Bilynskyj, que tomou seis tiros e foi ferido na perna, na mão, no peito, na costela e no braço. Segundo o policial, Bairros, noiva do delegado, disparou contra ele após um surto de ciúmes e depois se suicidou. A família da jovem suspeita que Bilynskyj, delegado influencer que usa o Instagram para falar de armamentos, possa ter assassinado ela.

Ainda não está claro o que aconteceu na manhã de 20 de maio. Mas até agora uma coisa ficou evidente: as posições da Polícia Civil e do Ministério Público sobre o que aconteceu na manhã de 20 de maio aliviam a barra do delegado.

Após passar 13 dias internado, Bilynskyj recebeu alta, prestou depoimento e manteve versão.

Acompanhe o caso.

Na descrição do B.O., constam que seis armas e milhares de munições foram encontradas no apartamento: duas pistolas (uma da Polícia Civil), uma metralhadora, uma espingarda (com registro vencido, ainda no nome de Helenice Vaz de Azevedo Corbucci) e dois fuzis. Um deles é aquele registrado no B.O..

Os upper receivers listados no boletim são como a base da parte superior, que conecta o cano ao corpo da arma longa.Foto 1: Michel Delsol/Getty Images | Foto 2: Reprodução

Solicitei, então, à SSP o boletim com a correção da informação sobre a peça em questão. No B.O., é identificado como “fuzil” e, logo abaixo, são descritos dois “upper receiver” (que pode se referir a uma peça onde ficam agregadas componentes essenciais para o funcionamento de uma arma ou o conjunto de todas as peças) com “acessórios”. Mas, em entrevista telefônica, o órgão disse que não houve correção no documento porque era apenas um “acessório” e não uma arma em si. Ou seja, o B.O. não foi editado porque a SSP considerou que nós, jornalistas, não entendemos o que estava escrito. O erro não seria deles, mas um erro nosso de interpretação. Como você pode ler abaixo, está escrito: “FUZIL – Nº SEM NÚMERO – Marca: SEM IDENTI.


Se o delegado tinha mesmo um fuzil não numerado em casa, deveria ser preso. Mas, como foi determinado que tecnicamente a arma não existe, Bilynskyj está solto. A questão é que, ainda que a SSP tenha razão e trate-se apenas de um acessório, a posse dele também pode configurar crime, com pena de três a seis anos, dependendo das variáveis, segundo advogados criminalistas que entrevistei.

No B.O., há dois upper receivers sem numeração e mais os acessórios, como o reddot (um apetrecho que dá aquela mira de luz), a lanterna e um gripp (a empunhadura que vem acoplada em um cano). Tudo isso costuma vir conectado no upper. É ali que encaixam.

Os upper receivers listados no boletim são como a base da parte superior da arma, que conecta o cano ao corpo da arma longa, como um fuzil. Dentro deles, há várias peças essenciais. Ou seja, não é um “acessório” como a SSP defende: é uma peça fundamental para um fuzil funcionar. Sem ele, a arma não funciona. É como o tronco de um corpo, que conecta os membros.

Ouvi então o advogado criminalista João Carlos Dalmagro Jr., que é atirador desportivo e conhece bem a legislação e o controle sobre armamentos. “A descrição do B.O. leva a crer que se está tecnicamente diante de parte de uma arma. Se o upper receiver estiver acoplado ao cano, onde o número de série deve estar gravado, a consequência penal da posse desse conjunto é a mesma da de uma arma em si. Então, precisa de autorização do Exército para aquisição”, me disse Dalmagro.

Ele vai além: “A impressão que se tem a partir desse boletim de ocorrência é que o upper receiver faz parte desse conjunto, mas para ter certeza disso seria necessário ver o que foi apreendido”. Dalmagro também chama atenção à forma como os acessórios foram listados no B.O, que leva a crer que o fuzil e as peças são uma coisa só. “Os acessórios estão listados na mesma linha que os upper receiver, ao contrário do que ocorre na descrição da metralhadora, de onde se extrai que ela foi apreendida “com” acessórios e bandoleira, mencionando-se inclusive o número dos mesmos (1 red dot e 1 grip com lanterna). Tudo leva a crer que é uma coisa só“, pontua.


Questionada se os acessórios estavam acoplados no upper receiver e cano, a SSP disse não ter essa informação.

A resposta é curiosa. Ao mesmo tempo que diz não ter detalhes dos acessórios, a secretaria tinha a informação suficiente para pressionar o UOL no dia 30 para alterar o título de uma matéria sobre o número de fuzis de Bilynskyj. O título era “Polícia errou ao contar fuzil a mais em casa de delegado, diz secretaria” e foi alterado para “Fuzil relatado em BO do caso Bilynskyj é um acessório, diz SSP”.
A pena para a posse ilegal de arma de fogo de uso restrito – ou parte dela, como seria, em tese, o caso de um upper receiver “completo” – é de reclusão de três a seis anos. Se estivermos falando de arma de fogo de uso proibido, a pena sobe: entre quatro e 12 anos. Dalmagro lembra ainda de um detalhe. “Com a alteração trazida pelo pacote anticrime, nesta última hipótese (arma de fogo de uso proibido), o delito é considerado hediondo. A hediondez do crime, além do aumento da pena em si, veda o indulto e endurece as possibilidades de progressão de regime e livramento condicional”.

O upper receiver é um produto controlado. As pessoas podem ter peças sobressalentes, se forem dos fuzis que elas já têm, como a do Colt apreendido, por exemplo.



Upper receiver não é “acessório”, mas peça fundamental para o fuzil funcionar, como fica claro na imagem acima.

Foto: Divulgação

Lembram daquelas 117 peças de fuzis apreendidas em 2019 com o amigo de Ronnie Lessa, PM acusado de envolvimento na morte da vereadora carioca Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes? O upper receiver é esse tipo de peça. É como um lego. Você pode combinar vários uppers e lowers de calibres diferentes. Como as peças são menores que o fuzil completo, elas são mais fáceis de se contrabandear. As peças renderam prisão e processo ao miliciano e ao amigo.


As 117 peças de fuzil encontradas com o amigo de Ronnie Lessa.

Foto: Divulgação

Uma história quase perfeita

A história do crime contra o delegado, que é sensação entre bolsonaristas e que recebeu o apoio dos filhos do presidente – inclusive com pedidos de doação de sangue –, tem outros pontos intrigantes.

Mesmo sem nenhum laudo pronto, a Polícia Civil indicou a versão do seu colega Bilynskyj como “presumível”, ou seja provável, mesmo ainda sem comprovação. Ao UOL, Ronaldo Tossunian, delegado seccional de São Bernardo do Campo, disse que “a versão apresentada e as circunstâncias não eram inverossímeis à questão apresentada pelo delegado”.

No boletim consta “suicídio consumado” para a morte de Priscila. O Ministério Público, que deveria investigar o que ocorreu na manhã do dia 20, já adiantou o que vem pensando até aqui. A promotora do caso disse que está “acompanhando o bom trabalho que a polícia vem desempenhando”.

A Corregedoria da Polícia Civil abriu um inquérito paralelo para investigar as circunstâncias do caso, que podem ser classificados como tentativa de homicídio, feminicídio e até uma tentativa de homicídio na qual o delegado matou a modelo em legítima defesa (o que, neste caso, ainda teria o adicional de falso testemunho).

Outra questão interessante são os exames residuográficos, feitos para detectar a presença de pólvora na pele. O exame de Priscila ficou pronto no mesmo dia e deu positivo. Bilynskyj só fez o exame mais de 24 horas depois sob a justificativa de que ele foi encaminhado ao hospital. Mas Priscila também foi. Ainda não há resultados do de Bilynskyj. “Nunca vi um exame como este dar positivo”, me disse um investigador com quase uma década de polícia. Isso porque é difícil que os resíduos se fixem no corpo. Ele não é 100% confiável ou conclusivo.

Em entrevista ao Fantástico, Bilynskyj afirmou: “eu vi que ela atirou nela“. Mas o laudo da perícia pode causar reviravolta na investigação da morte de Pricila. Segundo a revista Época, a perícia feita no apartamento concluiu que a bala que matou a modelo não partiu da arma que estava no chão do lado do seu corpo com o carregador removido.

Bilynskyj disse ainda que Priscila nunca fez curso de tiro, mas que municiou a arma sozinha. Os pais da modelo afirmam que ela nunca teve contato com armas. O advogado da família da modelo acredita que Paulo a desarmou e atirou contra a então namorada, com a mesma arma que ela usou contra ele.

Uma semana depois da primeira perícia, uma nova foi feita no local com uma simulação usando duas armas ao invés de uma. Isso significa que a primeira versão dos fatos – de que o suicídio e os tiros em Paulo foram dados com a mesma arma – mudou ou estava sendo reavaliada. Havia ali ainda uma faca, sem sinais de sangue.

O casal começou a paquerar pelo Instagram no fim de 2019 e, em abril, foram morar juntos. Nas duas semanas em que dividiram o mesmo teto, os tuítes de Bilynskyj foram de “Homem é tudo igual, fiel, carinhoso e só consegue olhar pra uma mulher só” a “A cada 3 segundos uma mulher ilude 10 homens no Brasil. #verdades“. De 29 tuítes publicados entre abril e maio no perfil do delegado, 19 são sobre relacionamento atribulado. Mulheres que iludem, que não tem coração, homens traídos – mensagens que destoam bastante de quem está, como dizia Bairros às amigas, apaixonado e planejando casamento para o início de junho.

Os próximos capítulos da trama estão por vir.

Correção: 17 de junho, 13h20

Uma versão anterior desse texto dizia que 29 tuítes de Bilynskyj haviam sido publicados de abril a março. Os tuítes foram publicados, na verdade, entre abril e maio. A informação foi corrigida.

Correção: 24 de junho, 16h

Uma versão anterior grafou incorretamente, na legenda da foto, o número de peças de fuzis encontradas com o amigo de Ronnie Lessa. A informação foi corrigida.

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