by sindrome do apocalipse
Posted: 12/12/2011
Dentre todas as noções que aceitamos para legitimar o Estado como o conhecemos, a mais perigosa é a do progresso. Sem esforço entendemos que é um conceito antropocêntrico, pois animais e plantas não progridem, apenas sobrevivem e é aí que essas ideias divergem: o nosso progresso, enquanto grande civilização com uma demanda imensa de recursos, pressupõe a destruição desses outros. Reconhecendo ou não essa premissa, o brasileiro espera e deseja progresso, logo o dano ambiental colateral é acatado, é aceitável.
Recentemente vigora uma campanha na mídia mainstream em prol do que chamam de “sustentabilidade”. A agenda dessa campanha se limita a propagandear mudanças pontuais no comportamento dos cidadãos, dificilmente questionam velhos e enraizados hábitos e, se o fazem, amenizam o discurso e sugerem mudanças de mais fácil digestão: “faça caminhadas, use transporte coletivo, ande de bicicleta” ao invés de “evitem os carros”, “comam menos carne” ao invés de “não comam carne”, “reciclem” ao invés de “não consumam”. A hipocrisia dessa sustentabilidade hype atinge seus níveis mais altos pelo fato das grandes corporações, principais responsáveis pelos maiores problemas ambientais do planeta, não serem alvos das campanhas, de fato muitas dessas campanhas são fomentadas por essas mesmas empresas. A geração atual aprende sustentabilidade com bancos multinacionais, empresas farmacêuticas e “merchandisings sociais” de telenovelas; a empregada (negra, como podemos esperar da televisão) lava a louça com Tal® detergente e explica para a filha que aquela marca, devidamente anunciada nos créditos finais, planta árvores a cada “não-sei-quantas” embalagens produzidas.
Com tais conceitos formados que o brasileiro toma posições com relação aos projetos que o governo empreende para garantir o desenvolvimento do país e Belo Monte é, sem dúvida, um dos maiores.
Recentemente vigora uma campanha na mídia mainstream em prol do que chamam de “sustentabilidade”. A agenda dessa campanha se limita a propagandear mudanças pontuais no comportamento dos cidadãos, dificilmente questionam velhos e enraizados hábitos e, se o fazem, amenizam o discurso e sugerem mudanças de mais fácil digestão: “faça caminhadas, use transporte coletivo, ande de bicicleta” ao invés de “evitem os carros”, “comam menos carne” ao invés de “não comam carne”, “reciclem” ao invés de “não consumam”. A hipocrisia dessa sustentabilidade hype atinge seus níveis mais altos pelo fato das grandes corporações, principais responsáveis pelos maiores problemas ambientais do planeta, não serem alvos das campanhas, de fato muitas dessas campanhas são fomentadas por essas mesmas empresas. A geração atual aprende sustentabilidade com bancos multinacionais, empresas farmacêuticas e “merchandisings sociais” de telenovelas; a empregada (negra, como podemos esperar da televisão) lava a louça com Tal® detergente e explica para a filha que aquela marca, devidamente anunciada nos créditos finais, planta árvores a cada “não-sei-quantas” embalagens produzidas.
Com tais conceitos formados que o brasileiro toma posições com relação aos projetos que o governo empreende para garantir o desenvolvimento do país e Belo Monte é, sem dúvida, um dos maiores.
Pra gringo ver e usar
A usina hidrelétrica de Belo Monte vem sendo planejada há cerca de trinta anos. Estudos geográficos de viabilidade técnica, falta de verba, alto risco do projeto arquitetônico e dificuldades nas licitações fizeram com que o início da construção atrasasse bastante, agora o governo está disposto a levar a obra adiante e espera que esteja concluída em 2015, planos que podem ser alterados com a realização de greves: os trabalhadores reclamam de baixos salários, condições insalubres de serviço, alimentos estragados e autoritarismo por parte da Eletronorte. Apesar de menos ambiciosa que nos projetos anteriores, Belo Monte será imensa. A área alagada será, aproveitando a popularidade dessa comparação no país, maior que cinco Maracanãs, 512Km² e a barragem será (outra) maior que três estátuas do Cristo Redentor, afirmam que terá potencial para suprir 10% da atual demanda energética do país. Tudo ao custo de 19 bilhões de reais, nas últimas estimativas. Certamente que é um valor altíssimo, mas adianto que, em matéria de eletricidade, o custo/benefício é bem vantajoso se tudo sair como o planejado. A eletricidade gerada em larga escala por meio de rios continua sendo uma das formas mais baratas conhecidas, o Brasil é, portanto, um país abençoado então, certo?
Apesar de representar mais de 40% do território nacional, a região Norte comporta menos de 8% da população, então com quem ficaria o excedente de produção de Belo Monte? E não é pouco, já que o Norte já tem sua porção de hidrelétricas, muitas entre as maiores do mundo como a de Tucuruí no Rio Tocantins, a maior 100% nacional, a de Samuel no Rio Jamari de Rondônia e a de Balbina no Uatumã do Amazonas. Assim, se supormos que o Norte não está exportando energia, percebemos como o que está produzindo alimenta seu setor industrial que se baseia, principalmente, no extrativismo. Note que, mesmo com a poderosa Zona Franca de Manaus, o Pará é o estado com o maior PIB do Norte, aliás, muito do que é produzido na capital do Amazonas só é possível graças à bauxita, ferro e manganês vindos do Pará. É um setor da indústria que exige muita eletricidade, sobre o alumínio, extraído da bauxita, “a energia representa, no mundo, de 25% a 33% do custo da produção. No nosso caso, ela está acima de 45%.” “Nosso caso”, o da Alcoa Inc., Companhia de Alumínio da América, na sigla em inglês, a terceira maior empresa de alumínio do mundo com sede no estado da Pensilvânia, a frase é do presidente da empresa na América Latina, Franklin Feder. Ele se refere ao ônus da produção no Maranhão por meio da Alumar (Alumínio Maranhão), consórcio formado pela Alcoa, Rio Tinto Alcan e BHP Billiton, a segunda é uma mineradora canadense, a maior produtora de alumínio do mundo e a terceira é a terceira maior empresa do planeta em faturamento. Na mesma entrevista, Feder conta sobre como estão investindo em duas hidrelétricas para baratear a produção de minério, sobre Belo Monte pareceu otimista: “É o terceiro maior projeto hidrelétrico do mundo e será construído no Pará, onde temos a mina de Juruti. Acho que ainda vamos participar de Belo Monte.”
A usina hidrelétrica de Belo Monte vem sendo planejada há cerca de trinta anos. Estudos geográficos de viabilidade técnica, falta de verba, alto risco do projeto arquitetônico e dificuldades nas licitações fizeram com que o início da construção atrasasse bastante, agora o governo está disposto a levar a obra adiante e espera que esteja concluída em 2015, planos que podem ser alterados com a realização de greves: os trabalhadores reclamam de baixos salários, condições insalubres de serviço, alimentos estragados e autoritarismo por parte da Eletronorte. Apesar de menos ambiciosa que nos projetos anteriores, Belo Monte será imensa. A área alagada será, aproveitando a popularidade dessa comparação no país, maior que cinco Maracanãs, 512Km² e a barragem será (outra) maior que três estátuas do Cristo Redentor, afirmam que terá potencial para suprir 10% da atual demanda energética do país. Tudo ao custo de 19 bilhões de reais, nas últimas estimativas. Certamente que é um valor altíssimo, mas adianto que, em matéria de eletricidade, o custo/benefício é bem vantajoso se tudo sair como o planejado. A eletricidade gerada em larga escala por meio de rios continua sendo uma das formas mais baratas conhecidas, o Brasil é, portanto, um país abençoado então, certo?
Apesar de representar mais de 40% do território nacional, a região Norte comporta menos de 8% da população, então com quem ficaria o excedente de produção de Belo Monte? E não é pouco, já que o Norte já tem sua porção de hidrelétricas, muitas entre as maiores do mundo como a de Tucuruí no Rio Tocantins, a maior 100% nacional, a de Samuel no Rio Jamari de Rondônia e a de Balbina no Uatumã do Amazonas. Assim, se supormos que o Norte não está exportando energia, percebemos como o que está produzindo alimenta seu setor industrial que se baseia, principalmente, no extrativismo. Note que, mesmo com a poderosa Zona Franca de Manaus, o Pará é o estado com o maior PIB do Norte, aliás, muito do que é produzido na capital do Amazonas só é possível graças à bauxita, ferro e manganês vindos do Pará. É um setor da indústria que exige muita eletricidade, sobre o alumínio, extraído da bauxita, “a energia representa, no mundo, de 25% a 33% do custo da produção. No nosso caso, ela está acima de 45%.” “Nosso caso”, o da Alcoa Inc., Companhia de Alumínio da América, na sigla em inglês, a terceira maior empresa de alumínio do mundo com sede no estado da Pensilvânia, a frase é do presidente da empresa na América Latina, Franklin Feder. Ele se refere ao ônus da produção no Maranhão por meio da Alumar (Alumínio Maranhão), consórcio formado pela Alcoa, Rio Tinto Alcan e BHP Billiton, a segunda é uma mineradora canadense, a maior produtora de alumínio do mundo e a terceira é a terceira maior empresa do planeta em faturamento. Na mesma entrevista, Feder conta sobre como estão investindo em duas hidrelétricas para baratear a produção de minério, sobre Belo Monte pareceu otimista: “É o terceiro maior projeto hidrelétrico do mundo e será construído no Pará, onde temos a mina de Juruti. Acho que ainda vamos participar de Belo Monte.”
“O sangue do Xingu vem em latas de alumínio”
“Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose”, disse Célio Bermann, professor da USP especialista na área energética. O custo social e ambiental da produção de tanto metal é assustador. Voltemos às três usinas do Norte citadas (todas da Eletronorte), o município de Tucuruí, onde funciona a usina homônima, tem o segundo maior orçamento do Pará, graças aos royalties recebidos pela energia. Construída durante a ditadura militar, a obra não demostra muitas preocupações ambientais, o mal planejamento fez com que a área alagada, por não haver circulação da água e contar com árvores submersas, se tornasse um ambiente propício para a reprodução de algas tóxicas que diminuíram bastante o índice de oxigênio do rio dizimando várias populações de peixes. A zona de alagamento se tornou um criadouro de mosquitos e fez explodir os casos de malária na região. A usina de Samuel também não é um exemplo, no ano passado, quando bateu recorde em geração de energia, a população ainda brigava com autoridades por alguma forma de compensação, 15 anos após a construção. Como em Tucuruí, a barragem alagou uma grande área, com o agravante de que uma parte era de plantações das comunidades locais que ainda encontram dificuldade para produzir ou para escoar sua produção. Na zona urbana a usina provoca alagamentos e a contaminação dos poços de água potável. Mas é em Balbina que está o maior desastre ambiental do país (até o momento). A baixa vazão do Rio Uatumã tornam o custo operacional altíssimo, ainda mais alto que o da energia utilizada antes de sua construção no fim da década de 80. O desequilíbrio biológico provocado na porção alagada da floresta fazem com que o lago emita uma quantidade de poluentes (dióxido de carbono e metano) dez vezes maiores que o de uma usina termelétrica.
Sendo imprescindível o progresso, estando inclusive estampado na bandeira, podemos ser levados a crer que é o preço a se pagar. Mas e se esse progresso não for, como dito, apenas antropocêntrico? E se depender também de uma diferenciação a ser aceita dentro de nossa própria espécie? É dessa concepção de progresso que se vale o governo para realizar empreitadas como a de Belo Monte e tantas outras, das margens do rio para as margens da sociedade, os dezenas de milhares de índios que serão retirados da região da usina não tem boas perspectivas para o futuro. Desde o início dos trâmites legais o projeto negligenciou os habitantes ribeirinhos com estudos mal realizados, dados manipulados e indisposições no tratamento das indenizações. A construção da barragem mudará drasticamente o ciclo do Rio Xingu, alterando o modo de vida de comunidades que tiravam proveito da vida no rio para sobreviverem. Também impedirá rotas de transporte fluvial utilizadas pelos índios, afinal, eles não precisam de carros e todo o seu ferro, aço e alumínio, frutos de dois mil anos de progresso técnico, para se locomoverem, uma canoa cumpre bem sua função com ajuda de um rio que não foi barrado. O resto do Brasil sim, precisa de carros e, além disso, precisa de aviões, eletrodomésticos e latas de cerveja. Ciente disso, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney compareceu à inauguração da ampliação da planta da Alumar esse ano e disse tratar-se de “um marco de uma era voltada para a geração de emprego e renda”. Ao falar sobre sua participação no desenvolvimento do Maranhão, seu pai José Sarney diz no portal do Senado: “Alumínio é energia.” Índio não quer energia e é nesse ponto que o governo não é sincero com sua população, pois são os índios os donos legítimos da terra e a usina de Belo Monte é mais um dos desdobramentos de um genocídio étnico praticado por essa nação há meio milênio.
“Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose”, disse Célio Bermann, professor da USP especialista na área energética. O custo social e ambiental da produção de tanto metal é assustador. Voltemos às três usinas do Norte citadas (todas da Eletronorte), o município de Tucuruí, onde funciona a usina homônima, tem o segundo maior orçamento do Pará, graças aos royalties recebidos pela energia. Construída durante a ditadura militar, a obra não demostra muitas preocupações ambientais, o mal planejamento fez com que a área alagada, por não haver circulação da água e contar com árvores submersas, se tornasse um ambiente propício para a reprodução de algas tóxicas que diminuíram bastante o índice de oxigênio do rio dizimando várias populações de peixes. A zona de alagamento se tornou um criadouro de mosquitos e fez explodir os casos de malária na região. A usina de Samuel também não é um exemplo, no ano passado, quando bateu recorde em geração de energia, a população ainda brigava com autoridades por alguma forma de compensação, 15 anos após a construção. Como em Tucuruí, a barragem alagou uma grande área, com o agravante de que uma parte era de plantações das comunidades locais que ainda encontram dificuldade para produzir ou para escoar sua produção. Na zona urbana a usina provoca alagamentos e a contaminação dos poços de água potável. Mas é em Balbina que está o maior desastre ambiental do país (até o momento). A baixa vazão do Rio Uatumã tornam o custo operacional altíssimo, ainda mais alto que o da energia utilizada antes de sua construção no fim da década de 80. O desequilíbrio biológico provocado na porção alagada da floresta fazem com que o lago emita uma quantidade de poluentes (dióxido de carbono e metano) dez vezes maiores que o de uma usina termelétrica.
Sendo imprescindível o progresso, estando inclusive estampado na bandeira, podemos ser levados a crer que é o preço a se pagar. Mas e se esse progresso não for, como dito, apenas antropocêntrico? E se depender também de uma diferenciação a ser aceita dentro de nossa própria espécie? É dessa concepção de progresso que se vale o governo para realizar empreitadas como a de Belo Monte e tantas outras, das margens do rio para as margens da sociedade, os dezenas de milhares de índios que serão retirados da região da usina não tem boas perspectivas para o futuro. Desde o início dos trâmites legais o projeto negligenciou os habitantes ribeirinhos com estudos mal realizados, dados manipulados e indisposições no tratamento das indenizações. A construção da barragem mudará drasticamente o ciclo do Rio Xingu, alterando o modo de vida de comunidades que tiravam proveito da vida no rio para sobreviverem. Também impedirá rotas de transporte fluvial utilizadas pelos índios, afinal, eles não precisam de carros e todo o seu ferro, aço e alumínio, frutos de dois mil anos de progresso técnico, para se locomoverem, uma canoa cumpre bem sua função com ajuda de um rio que não foi barrado. O resto do Brasil sim, precisa de carros e, além disso, precisa de aviões, eletrodomésticos e latas de cerveja. Ciente disso, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney compareceu à inauguração da ampliação da planta da Alumar esse ano e disse tratar-se de “um marco de uma era voltada para a geração de emprego e renda”. Ao falar sobre sua participação no desenvolvimento do Maranhão, seu pai José Sarney diz no portal do Senado: “Alumínio é energia.” Índio não quer energia e é nesse ponto que o governo não é sincero com sua população, pois são os índios os donos legítimos da terra e a usina de Belo Monte é mais um dos desdobramentos de um genocídio étnico praticado por essa nação há meio milênio.
“Nos deram espelhos…”
Quem é índio? A mídia nos apresenta figuras genéricas do que seria um indígena e “um sujeito que vive nu na floresta” acaba sendo uma definição que parece satisfazer a maioria dos brasileiros. Se esse sujeito é brasileiro é uma questão que não estamos habituados a levantar, muito menos quais são seus direitos enquanto tal. Sobra pouco espaço uma vez que, independente do gentílico que possamos atribuir a eles, existe uma dificuldade de identificação e uma predisposição a um julgamento perigoso. Na cartilha reacionária de debate, a desconsideração de uma construção social que define ou influencia certas práticas e comportamentos é um princípio básico e, com isso, muito do que diz respeito à relação do brasileiro (entenda, não índio) com o índio limita-se a julgá-lo como menos brasileiro por não pagar impostos, menos sensato por beber demais ou menos índio por usar um shorts da Adidas. O fato é que no Brasil ainda existem índios que, aculturados ou não, ainda vivem em locais onde o progresso não chegou e é sequer bem vindo, assim o governo se utiliza de uma diplomacia bastante falha para convencê-los, bem como outros no caminho do progresso, a deixarem suas terras, onde vivem há várias gerações. Na hidrelétrica de Samuel, por exemplo, a Eletronorte, como compensação, ficou responsável pela construção de uma ponte que ligaria a estrada à população que ficou ilhada pelo lago da usina, a ponte nunca foi construída. Lembremos também de muitos dos índios afetados pela usina de Tucuruí e que jamais foram indenizados.
Nascidos imersos em um mundo onde a ordem pressupõe a circulação das mais diversas formas de mercadoria, dificilmente conseguiremos compreender o que significa para um índio estabelecer um preço para tudo o que ele conhece, principalmente quando esse preço é pago em uma moeda que, para ele, não faz sentido algum. Abstraímos isso ou acatamos (aquela história do preço do progresso) e chegamos a algumas situações emblemáticas das indenizações federais, uma delas parte de um acordo em que o governo cede uma verba de 30 mil reais por aldeia que escreve uma lista de compras que será feita com intermédio da Funai. Em muitas das aldeias cadastradas os índios se tornaram sedentários já que não tinham mais o trabalho de buscar a comida, outros ficaram doentes, surgiram também conflitos por causa produtos que alguns tinham e outros não. O que isso nos diz sobre os índios? A pergunta certa seria “o que isso nos diz sobre o nosso sistema?” Querem nos fazer acreditar que temos moeda para negociar com os índios e quando eles são pegos na mesma armadilha que todos nós encontramos a carta branca que precisávamos para desenterrar velhos anceios colonialistas.
O utilitarismo é um preceito filosófico que apregoa que busquemos comportamentos que produzam a maior quantidade de bem-estar possível minimizando-se os danos, ou seja, ser utilitarista é não ter receio em optar pelo “menos pior”. É comum, no pensamento utilitarista, a disposição numérica dos indivíduos afetados ou dos fatores da ação para se facilitar uma espécie de cálculo que nos dirá racionalmente qual é a melhor atitude a ser tomada: para um utilitarista duas pessoas são mais importantes que uma, simples. É com esse princípio que atua qualquer instituição do Estado enquanto monopólio do uso da força, a polícia ocupa favelas em megaoperações de guerra urbana pois considera que a possibilidade de vítimas colaterais é pequena. Claro que esse conceito se complica quando está sujeito aos nossos crivos pessoais, em uma situação envolvendo um refém e um sequestrador, a polícia considera a sobrevivência do primeiro e a morte do segundo um saldo mais favorável do que o contrário. Se nas decisões rotineiras o utilitarismo se mostra problemático, quando se trata de política nacional o que vemos é um abacaxi maior que o monstro de concreto pronto para obstruir o Xingu. Em algum momento estabelecemos que índios são cidadãos que “valem menos” que os demais brasileiros, engolimos a história sobre indenização e nos contentamos com a ideia de milhares de famílias indígenas abandonando a beira do rio para viver sob um teto do “Minha Casa, Minha Vida” e descobrir que o melhor que podem fazer, uma fez inseridos nesse meio, é arranjar um emprego. É mais fácil do que ter que pensar em assassinatos políticos, epidemias, desnutrição e massacres de aldeias acontecendo esporadicamente em nosso território sem cobertura de nenhuma grande mídia, como a que teve uma van de reportagem sequestrada pelos operários de Belo Monte que queriam que a causa da greve fosse noticiada.
No discurso de quem apoia Belo Monte sempre há sempre espaço para a afirmação de que o país precisa da usina para continuar a crescer. De que vale estarmos entre as dez maiores economias do planeta e não aparecermos nem perto das cinquenta nações com os maiores índices de desenvolvimento humano? Produção de eletricidade com menos impactos sociais e ambientais não fazem parte dos investimentos ou Belo Monte foi o melhor que conseguiram? Não teremos respostas tão cedo, mas para o pensamento utilitarista colonial, o custo é baixo, alguns milhares de índio não farão com que ganhemos alguns pontinhos de IDH. O Brasil precisar ou não de Belo Monte não torna a obra menos desastrosa e não torna sua realização mais aceitável. Mas, se concluída, não passará muito tempo em nossas consciências a vida e a morte das populações do Xingu e aprenderemos a conviver com mais esses fantasmas dentre tantos outros. Os fios de alta tensão irão possibilitar que após chegar em casa depois de um longo dia de trabalho possamos, mesmo vivendo em tribos de milhões de habitantes, ligar a televisão para nos sentirmos menos sozinhos.
Quem é índio? A mídia nos apresenta figuras genéricas do que seria um indígena e “um sujeito que vive nu na floresta” acaba sendo uma definição que parece satisfazer a maioria dos brasileiros. Se esse sujeito é brasileiro é uma questão que não estamos habituados a levantar, muito menos quais são seus direitos enquanto tal. Sobra pouco espaço uma vez que, independente do gentílico que possamos atribuir a eles, existe uma dificuldade de identificação e uma predisposição a um julgamento perigoso. Na cartilha reacionária de debate, a desconsideração de uma construção social que define ou influencia certas práticas e comportamentos é um princípio básico e, com isso, muito do que diz respeito à relação do brasileiro (entenda, não índio) com o índio limita-se a julgá-lo como menos brasileiro por não pagar impostos, menos sensato por beber demais ou menos índio por usar um shorts da Adidas. O fato é que no Brasil ainda existem índios que, aculturados ou não, ainda vivem em locais onde o progresso não chegou e é sequer bem vindo, assim o governo se utiliza de uma diplomacia bastante falha para convencê-los, bem como outros no caminho do progresso, a deixarem suas terras, onde vivem há várias gerações. Na hidrelétrica de Samuel, por exemplo, a Eletronorte, como compensação, ficou responsável pela construção de uma ponte que ligaria a estrada à população que ficou ilhada pelo lago da usina, a ponte nunca foi construída. Lembremos também de muitos dos índios afetados pela usina de Tucuruí e que jamais foram indenizados.
Nascidos imersos em um mundo onde a ordem pressupõe a circulação das mais diversas formas de mercadoria, dificilmente conseguiremos compreender o que significa para um índio estabelecer um preço para tudo o que ele conhece, principalmente quando esse preço é pago em uma moeda que, para ele, não faz sentido algum. Abstraímos isso ou acatamos (aquela história do preço do progresso) e chegamos a algumas situações emblemáticas das indenizações federais, uma delas parte de um acordo em que o governo cede uma verba de 30 mil reais por aldeia que escreve uma lista de compras que será feita com intermédio da Funai. Em muitas das aldeias cadastradas os índios se tornaram sedentários já que não tinham mais o trabalho de buscar a comida, outros ficaram doentes, surgiram também conflitos por causa produtos que alguns tinham e outros não. O que isso nos diz sobre os índios? A pergunta certa seria “o que isso nos diz sobre o nosso sistema?” Querem nos fazer acreditar que temos moeda para negociar com os índios e quando eles são pegos na mesma armadilha que todos nós encontramos a carta branca que precisávamos para desenterrar velhos anceios colonialistas.
O utilitarismo é um preceito filosófico que apregoa que busquemos comportamentos que produzam a maior quantidade de bem-estar possível minimizando-se os danos, ou seja, ser utilitarista é não ter receio em optar pelo “menos pior”. É comum, no pensamento utilitarista, a disposição numérica dos indivíduos afetados ou dos fatores da ação para se facilitar uma espécie de cálculo que nos dirá racionalmente qual é a melhor atitude a ser tomada: para um utilitarista duas pessoas são mais importantes que uma, simples. É com esse princípio que atua qualquer instituição do Estado enquanto monopólio do uso da força, a polícia ocupa favelas em megaoperações de guerra urbana pois considera que a possibilidade de vítimas colaterais é pequena. Claro que esse conceito se complica quando está sujeito aos nossos crivos pessoais, em uma situação envolvendo um refém e um sequestrador, a polícia considera a sobrevivência do primeiro e a morte do segundo um saldo mais favorável do que o contrário. Se nas decisões rotineiras o utilitarismo se mostra problemático, quando se trata de política nacional o que vemos é um abacaxi maior que o monstro de concreto pronto para obstruir o Xingu. Em algum momento estabelecemos que índios são cidadãos que “valem menos” que os demais brasileiros, engolimos a história sobre indenização e nos contentamos com a ideia de milhares de famílias indígenas abandonando a beira do rio para viver sob um teto do “Minha Casa, Minha Vida” e descobrir que o melhor que podem fazer, uma fez inseridos nesse meio, é arranjar um emprego. É mais fácil do que ter que pensar em assassinatos políticos, epidemias, desnutrição e massacres de aldeias acontecendo esporadicamente em nosso território sem cobertura de nenhuma grande mídia, como a que teve uma van de reportagem sequestrada pelos operários de Belo Monte que queriam que a causa da greve fosse noticiada.
No discurso de quem apoia Belo Monte sempre há sempre espaço para a afirmação de que o país precisa da usina para continuar a crescer. De que vale estarmos entre as dez maiores economias do planeta e não aparecermos nem perto das cinquenta nações com os maiores índices de desenvolvimento humano? Produção de eletricidade com menos impactos sociais e ambientais não fazem parte dos investimentos ou Belo Monte foi o melhor que conseguiram? Não teremos respostas tão cedo, mas para o pensamento utilitarista colonial, o custo é baixo, alguns milhares de índio não farão com que ganhemos alguns pontinhos de IDH. O Brasil precisar ou não de Belo Monte não torna a obra menos desastrosa e não torna sua realização mais aceitável. Mas, se concluída, não passará muito tempo em nossas consciências a vida e a morte das populações do Xingu e aprenderemos a conviver com mais esses fantasmas dentre tantos outros. Os fios de alta tensão irão possibilitar que após chegar em casa depois de um longo dia de trabalho possamos, mesmo vivendo em tribos de milhões de habitantes, ligar a televisão para nos sentirmos menos sozinhos.