domingo, 8 de abril de 2012

Belo Monte e o utilitarismo colonial.

by sindrome do apocalipse



Dentre todas as noções que aceitamos para legitimar o Estado como o conhecemos, a mais perigosa é a do progresso. Sem esforço entendemos que é um conceito antropocêntrico, pois animais e plantas não progridem, apenas sobrevivem e é aí que essas ideias divergem: o nosso progresso, enquanto grande civilização com uma demanda imensa de recursos, pressupõe a destruição desses outros. Reconhecendo ou não essa premissa, o brasileiro espera e deseja progresso, logo o dano ambiental colateral é acatado, é aceitável.
Recentemente vigora uma campanha na mídia mainstream em prol do que chamam de “sustentabilidade”. A agenda dessa campanha se limita a propagandear mudanças pontuais no comportamento dos cidadãos, dificilmente questionam velhos e enraizados hábitos e, se o fazem, amenizam o discurso e sugerem mudanças de mais fácil digestão: “faça caminhadas, use transporte coletivo, ande de bicicleta” ao invés de “evitem os carros”, “comam menos carne” ao invés de “não comam carne”, “reciclem” ao invés de “não consumam”. A hipocrisia dessa sustentabilidade hype atinge seus níveis mais altos pelo fato das grandes corporações, principais responsáveis pelos maiores problemas ambientais do planeta, não serem alvos das campanhas, de fato muitas dessas campanhas são fomentadas por essas mesmas empresas. A geração atual aprende sustentabilidade com bancos multinacionais, empresas farmacêuticas e “merchandisings sociais” de telenovelas; a empregada (negra, como podemos esperar da televisão) lava a louça com Tal® detergente e explica para a filha que aquela marca, devidamente anunciada nos créditos finais, planta árvores a cada “não-sei-quantas” embalagens produzidas.
Com tais conceitos formados que o brasileiro toma posições com relação aos projetos que o governo empreende para garantir o desenvolvimento do país e Belo Monte é, sem dúvida, um dos maiores.
Pra gringo ver e usar
A usina hidrelétrica de Belo Monte vem sendo planejada há cerca de trinta anos. Estudos geográficos de viabilidade técnica, falta de verba, alto risco do projeto arquitetônico e dificuldades nas licitações fizeram com que o início da
construção atrasasse bastante, agora o governo está disposto a levar a obra adiante e espera que esteja concluída em 2015, planos que podem ser alterados com a realização de greves: os trabalhadores reclamam de baixos salários, condições insalubres de serviço, alimentos estragados e autoritarismo por parte da Eletronorte. Apesar de menos ambiciosa que nos projetos anteriores, Belo Monte será imensa. A área alagada será, aproveitando a popularidade dessa comparação no país, maior que cinco Maracanãs, 512Km² e a barragem será (outra) maior que três estátuas do Cristo Redentor, afirmam que terá potencial para suprir 10% da atual demanda energética do país. Tudo ao custo de 19 bilhões de reais, nas últimas estimativas. Certamente que é um valor altíssimo, mas adianto que, em matéria de eletricidade, o custo/benefício é bem vantajoso se tudo sair como o planejado. A eletricidade gerada em larga escala por meio de rios continua sendo uma das formas mais baratas conhecidas, o Brasil é, portanto, um país abençoado então, certo?
Apesar de representar mais de 40% do território nacional, a região Norte comporta menos de 8% da população, então com quem ficaria o excedente de produção de Belo Monte? E não é pouco, já que o Norte já tem sua porção de hidrelétricas, muitas entre as maiores do mundo como a de Tucuruí no Rio Tocantins, a maior 100% nacional, a de Samuel no Rio Jamari de Rondônia e a de Balbina no Uatumã do Amazonas. Assim, se supormos que o Norte não está exportando energia, percebemos como o que está produzindo alimenta seu setor industrial que se baseia, principalmente, no extrativismo. Note que, mesmo com a poderosa Zona Franca de Manaus, o Pará é o estado com o maior PIB do Norte, aliás, muito do que é produzido na capital do Amazonas só é possível graças à bauxita, ferro e manganês vindos do Pará. É um setor da indústria que exige muita eletricidade, sobre o alumínio, extraído da bauxita, “a energia representa, no mundo, de 25% a 33% do custo da produção. No nosso caso, ela está acima de 45%.” “Nosso caso”, o da Alcoa Inc., Companhia de Alumínio da América, na sigla em inglês, a terceira maior empresa de alumínio do mundo com sede no estado da Pensilvânia, a frase é do
presidente da empresa na América Latina, Franklin Feder. Ele se refere ao ônus da produção no Maranhão por meio da Alumar (Alumínio Maranhão), consórcio formado pela Alcoa, Rio Tinto Alcan e BHP Billiton, a segunda é uma mineradora canadense, a maior produtora de alumínio do mundo e a terceira é a terceira maior empresa do planeta em faturamento. Na mesma entrevista, Feder conta sobre como estão investindo em duas hidrelétricas para baratear a produção de minério, sobre Belo Monte pareceu otimista: “É o terceiro maior projeto hidrelétrico do mundo e será construído no Pará, onde temos a mina de Juruti. Acho que ainda vamos participar de Belo Monte.”
“O sangue do Xingu vem em latas de alumínio”
“Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose”,
disse Célio Bermann, professor da USP especialista na área energética. O custo social e ambiental da produção de tanto metal é assustador. Voltemos às três usinas do Norte citadas (todas da Eletronorte), o município de Tucuruí, onde funciona a usina homônima, tem o segundo maior orçamento do Pará, graças aos royalties recebidos pela energia. Construída durante a ditadura militar, a obra não demostra muitas preocupações ambientais, o mal planejamento fez com que a área alagada, por não haver circulação da água e contar com árvores submersas, se tornasse um ambiente propício para a reprodução de algas tóxicas que diminuíram bastante o índice de oxigênio do rio dizimando várias populações de peixes. A zona de alagamento se tornou um criadouro de mosquitos e fez explodir os casos de malária na região. A usina de Samuel também não é um exemplo, no ano passado, quando bateu recorde em geração de energia, a população ainda brigava com autoridades por alguma forma de compensação, 15 anos após a construção. Como em Tucuruí, a barragem alagou uma grande área, com o agravante de que uma parte era de plantações das comunidades locais que ainda encontram dificuldade para produzir ou para escoar sua produção. Na zona urbana a usina provoca alagamentos e a contaminação dos poços de água potável. Mas é em Balbina que está o maior desastre ambiental do país (até o momento). A baixa vazão do Rio Uatumã tornam o custo operacional altíssimo, ainda mais alto que o da energia utilizada antes de sua construção no fim da década de 80. O desequilíbrio biológico provocado na porção alagada da floresta fazem com que o lago emita uma quantidade de poluentes (dióxido de carbono e metano) dez vezes maiores que o de uma usina termelétrica.
Sendo imprescindível o progresso, estando inclusive estampado na bandeira, podemos ser levados a crer que é o preço a se pagar. Mas e se esse progresso não for, como dito, apenas antropocêntrico? E se depender também de uma diferenciação a ser aceita dentro de nossa própria espécie? É dessa concepção de progresso que se vale o governo para realizar empreitadas como a de Belo Monte e tantas outras, das margens do rio para as margens da sociedade, os dezenas de milhares de índios que serão retirados da região da usina não tem boas perspectivas para o futuro.
Desde o início dos trâmites legais o projeto negligenciou os habitantes ribeirinhos com estudos mal realizados, dados manipulados e indisposições no tratamento das indenizações. A construção da barragem mudará drasticamente o ciclo do Rio Xingu, alterando o modo de vida de comunidades que tiravam proveito da vida no rio para sobreviverem. Também impedirá rotas de transporte fluvial utilizadas pelos índios, afinal, eles não precisam de carros e todo o seu ferro, aço e alumínio, frutos de dois mil anos de progresso técnico, para se locomoverem, uma canoa cumpre bem sua função com ajuda de um rio que não foi barrado. O resto do Brasil sim, precisa de carros e, além disso, precisa de aviões, eletrodomésticos e latas de cerveja. Ciente disso, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney compareceu à inauguração da ampliação da planta da Alumar esse ano e disse tratar-se de “um marco de uma era voltada para a geração de emprego e renda”. Ao falar sobre sua participação no desenvolvimento do Maranhão, seu pai José Sarney diz no portal do Senado: “Alumínio é energia.” Índio não quer energia e é nesse ponto que o governo não é sincero com sua população, pois são os índios os donos legítimos da terra e a usina de Belo Monte é mais um dos desdobramentos de um genocídio étnico praticado por essa nação há meio milênio.
“Nos deram espelhos…”
Quem é índio? A mídia nos apresenta figuras genéricas do que seria um indígena e “um sujeito que vive nu na floresta” acaba sendo uma definição que parece satisfazer a maioria dos brasileiros. Se esse sujeito é brasileiro é uma questão que não estamos habituados a levantar, muito menos quais são seus direitos enquanto tal. Sobra pouco espaço uma vez que, independente do gentílico que possamos atribuir a eles, existe uma dificuldade de identificação e uma predisposição a um julgamento perigoso. Na cartilha reacionária de debate, a desconsideração de uma construção social que define ou influencia certas práticas e comportamentos é um princípio básico e, com isso, muito do que diz respeito à relação do brasileiro (entenda, não índio) com o índio limita-se a julgá-lo como menos brasileiro por não pagar impostos, menos sensato por beber demais ou menos índio por usar um shorts da Adidas. O fato é que no Brasil ainda existem índios que, aculturados ou não, ainda vivem em locais onde o progresso não chegou e é sequer bem vindo, assim o governo se utiliza de uma diplomacia bastante falha para convencê-los, bem como outros no caminho do progresso, a deixarem suas terras, onde vivem há várias gerações. Na hidrelétrica de Samuel, por exemplo, a Eletronorte, como compensação, ficou responsável pela construção de uma ponte que ligaria a estrada à população que ficou ilhada pelo lago da usina, a ponte nunca foi construída. Lembremos também de muitos dos índios afetados pela usina de Tucuruí e que jamais foram indenizados.
Nascidos imersos em um mundo onde a ordem pressupõe a circulação das mais diversas formas de mercadoria, dificilmente conseguiremos compreender o que significa para um índio estabelecer um preço para tudo o que ele conhece, principalmente quando esse preço é pago em uma moeda que, para ele, não faz sentido algum. Abstraímos isso ou acatamos (aquela história do preço do progresso) e chegamos a algumas situações emblemáticas das indenizações federais, uma delas parte de um acordo em que o governo cede uma verba de 30 mil reais por aldeia que escreve uma lista de compras que será feita com intermédio da Funai. Em muitas das aldeias cadastradas os índios se tornaram sedentários já que não tinham mais o trabalho de buscar a comida, outros ficaram doentes, surgiram também conflitos por causa produtos que alguns tinham e outros não. O que isso nos diz sobre os índios? A pergunta certa seria
“o que isso nos diz sobre o nosso sistema?” Querem nos fazer acreditar que temos moeda para negociar com os índios e quando eles são pegos na mesma armadilha que todos nós encontramos a carta branca que precisávamos para desenterrar velhos anceios colonialistas.
O utilitarismo é um preceito filosófico que apregoa que busquemos comportamentos que produzam a maior quantidade de bem-estar possível minimizando-se os danos, ou seja, ser utilitarista é não ter receio em optar pelo “menos pior”. É comum, no pensamento utilitarista, a disposição numérica dos indivíduos afetados ou dos fatores da ação para se facilitar uma espécie de cálculo que nos dirá racionalmente qual é a melhor atitude a ser tomada: para um utilitarista duas pessoas são mais importantes que uma, simples. É com esse princípio que atua qualquer instituição do Estado enquanto monopólio do uso da força, a polícia ocupa favelas em megaoperações de guerra urbana pois considera que a possibilidade de vítimas colaterais é pequena. Claro que esse conceito se complica quando está sujeito aos nossos crivos pessoais, em uma situação envolvendo um refém e um sequestrador, a polícia considera a sobrevivência do primeiro e a morte do segundo um saldo mais favorável do que o contrário. Se nas decisões rotineiras o utilitarismo se mostra problemático, quando se trata de política nacional o que vemos é um abacaxi maior que o monstro de concreto pronto para obstruir o Xingu. Em algum momento estabelecemos que índios são cidadãos que “valem menos” que os demais brasileiros, engolimos a história sobre indenização e nos contentamos com a ideia de milhares de famílias indígenas abandonando a beira do rio para viver sob um teto do “Minha Casa, Minha Vida” e descobrir que o melhor que podem fazer, uma fez inseridos nesse meio, é arranjar um emprego. É mais fácil do que ter que pensar em assassinatos políticos, epidemias, desnutrição e massacres de aldeias acontecendo esporadicamente em nosso território sem cobertura de nenhuma grande mídia, como a que teve uma van de reportagem sequestrada pelos operários de Belo Monte que queriam que a causa da greve fosse noticiada.
No discurso de quem apoia Belo Monte sempre há sempre espaço para a afirmação de que o país precisa da usina para continuar a crescer. De que vale estarmos entre as dez maiores economias do planeta e não aparecermos nem perto das cinquenta nações com os maiores índices de desenvolvimento humano? Produção de eletricidade com menos impactos sociais e ambientais não fazem parte dos investimentos ou Belo Monte foi o melhor que conseguiram? Não teremos respostas tão cedo, mas para o pensamento utilitarista colonial, o custo é baixo, alguns milhares de índio não farão com que ganhemos alguns pontinhos de IDH. O Brasil precisar ou não de Belo Monte não torna a obra menos desastrosa e não torna sua realização mais aceitável. Mas, se concluída, não passará muito tempo em nossas consciências a vida e a morte das populações do Xingu e aprenderemos a conviver com mais esses fantasmas dentre tantos outros. Os fios de alta tensão irão possibilitar que após chegar em casa depois de um longo dia de trabalho possamos, mesmo vivendo em tribos de milhões de habitantes, ligar a televisão para nos sentirmos menos sozinhos.

Teorias ZeroZen.

                                          
                                               by (www.zerozen.com.br)


by Vinícius Romanini ilustrações de Wagner Zuri

  A disputa entre ciência e religião pela posse da verdade é antiga. No Ocidente, começou no século XVI, quando Galileu defendeu a tese de que a Terra não era o centro do Universo. Essa primeira batalha foi vencida pela Igreja, que obrigou Galileu a negar suas idéias para não ser queimado vivo. Mas o futuro dessa disputa seria diferente: pouco a pouco, a religião perdeu a autoridade para explicar o mundo. Quando, no século XIX, Darwin lançou sua teoria sobre a evolução das espécies, contra a idéia da criação divina, o fosso entre ciência e religião já era intransponível. Nas últimas décadas, a Bíblia passou a ser alvo de ciências como a filologia (o estudo da língua e dos documentos escritos), a arqueologia e a história. E o que os cientistas estão provando é que o livro mais importante da história é, em sua maior parte, uma coleção de mitos, lendas e propaganda religiosa.
Primeiro livro impresso por Guttemberg, no século XV, e o mais vendido da história, a Bíblia reúne escritos fundamentais para as três grandes religiões monoteístas - Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Na verdade, a Bíblia é uma biblioteca de 73 livros escritos em momentos históricos diferentes. O Velho Testamento, aceito como sagrado por judeus, cristãos e muçulmanos, é composto de 46 livros que pretendem resumir a história do povo hebreu desde o suposto chamamento de Abraão por Deus, que teria ocorrido por volta de 1850 a.C., até a conquista da Palestina pelos exércitos de Alexandre Magno e as revoltas do povo judeu contra o domínio grego, por volta de 300 a.C. Os 27 livros do Novo Testamento abarcam um período bem menor: cerca de 70 anos que vão do nascimento de Jesus à destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C.
O coração do Velho Testamento são os primeiros cinco livros, que compõem a Torá do Judaísmo (a palavra significa "lei", em hebraico). Em grego, o conjunto desses livros recebeu o nome de Pentateuco ("cinco livros"). São considerados os textos "históricos" da Bíblia, porque pretendem contar o que ocorreu desde o início dos tempos, inclusive a criação do homem - que, segundo alguns teólogos, teria ocorrido em 5000 a.C. O Pentateuco inclui o Gênesis (o "livro das origens", que narra a criação do mundo e do homem até o dilúvio universal), o Êxodo (que narra a saída dos judeus do Egito sob a liderança de Moisés) e os Números (que contam a longa travessia dos judeus pelo deserto até a chegada a Canaã, a terra prometida).
Das três ciências que estudam a Bíblia, a arqueologia tem se mostrado a mais promissora. "Ela é a única que fornece dados novos", diz o arqueólogo israelense Israel Finkelstein, diretor do Instituto de Arqueologia da Universidade de Tel Aviv e autor do livro The Bible Unearthed (A Bíblia desenterrada, inédito no Brasil), publicado no ano passado. A obra causou um choque em estudiosos de arqueologia bíblica, porque reduz os relatos do Antigo Testamento a uma coleção de lendas inventadas a partir do século VII a.C. O Gênesis, por exemplo, é visto como uma epopéia literária. O mesmo vale para as conquistas de David e as descrições do império de Salomão.
A ciência também analisa os textos do Novo Testamento, embora o campo de batalha aqui esteja muito mais na filologia. A arqueologia, nesse caso, serve mais para compor um cenário para os fatos do que para resolver contendas entre as várias teorias. O núcleo central do Novo Testamento são os quatro evangelhos. A palavra evangelho significa "boa nova" e a intenção desses textos é clara: propagandear o Cristianismo. Três deles (Mateus, Marcos e Lucas) são chamados sinóticos, o que pode ser traduzido como "com o mesmo ponto de vista". Eles contam a mesma história, o que seria uma prova de que os fatos realmente aconteceram. Não é tão simples. O problema central do Novo Testamento é que seus textos não foram escritos pelos evangelistas em pessoa, como muita gente supõe, mas por seus seguidores, entre os anos 60 e 70, décadas depois da morte de Jesus, quando as versões estavam contaminadas pela fé e por disputas religiosas.
Nessa época, os cristãos estavam sendo perseguidos e mortos pelos romanos, e alguns dos primeiros apóstolos, depois de se separarem para levar a "boa nova" ao resto do mundo, estavam velhos e doentes. Havia, portanto, o perigo de que a mensagem cristã caísse no esquecimento se não fosse colocada no papel. Marcos foi o primeiro a fazer isso, e seus textos serviram de base para os relatos de Mateus e Lucas, que aproveitaram para tirar do texto anterior algumas situações que lhes pareceram heresias. "Em Marcos, Jesus é uma figura estranha que precisa fazer rituais de magia para conseguir um milagre", afirma o historiador e arqueólogo André Chevitarese.
Para tentar enxergar o personagem histórico de Jesus através das camadas de traduções e das inúmeras deturpações aplicadas ao Novo Testamento, os pesquisadores voltaram-se para os textos que a Igreja repudiou nos primeiros séculos do Cristianismo. Ignorados, alguns desapareceram. Mas os fragmentos que nos chegaram tiveram menos intervenções da Igreja ao longo desses 2 000 anos. Parte desses evangelhos, chamados "apócrifos" (não se sabe ao certo quem os escreveu), fazem parte de uma biblioteca cristã do século IV descoberta em 1945 em cavernas do Egito. Os evangelhos estavam escritos em língua copta (povo do Egito).
O fato de esses textos terem sido comprovadamente escritos nos primeiros séculos da era cristã não quer dizer que eles sejam mais autênticos ou contenham mais verdades que os relatos que chegaram até nós como oficiais. Pelo contrário, até. Os coptas, que fundariam a Igreja cristã etíope, foram considerados hereges, porque não aceitavam a dupla natureza de Jesus (humana e divina). Para eles, Jesus era apenas divino e os textos apócrifos coptas defendem essa versão. Mesmo assim, eles trazem pistas para elucidar os fatos históricos.
A tentativa de entender o Jesus histórico buscando relacioná-lo a uma ou outra corrente religiosa judaica também foi infrutífera, como ficou demonstrado no final da tradução dos pergaminhos do Mar Morto, anunciada recentemente. Esses papéis, achados por acaso em cavernas próximas do Mar Morto, em 1947, criaram a expectativa de que pudesse haver uma ligação entre Jesus e os essênios, uma corrente religiosa asceta, cujos adeptos viviam isolados em comunidades purificando-se à espera do messias. O fim das traduções indica que não há qualquer ligação direta entre Jesus e os essênios, a não ser a revolta comum contra a dominação romana.
O resultado é que, depois de dois milênios, parece impossível separar o verdadeiro do falso no Novo Testamento. O pesquisador Paul Johnson, autor de A História do Cristianismo, afirma que, se extrairmos, de tudo o que já se escreveu sobre Jesus, só o que tem coerência histórica e é consenso, restará um acontecimento quase desprovido de significado. "Esse 'Jesus residual' contava histórias, emitiu uma série de ditos sábios, foi executado em circunstâncias pouco claras e passou a ser, depois, celebrado em cerimônia por seus seguidores."
O que sabemos com certeza é que Jesus foi um judeu sectário, um agitador político que ameaçava levantar os dois milhões de judeus da Palestina contra o exército de ocupação romano. Tudo o mais que se diz dele precisa da fé para ser tomado como verdade. Assim como aconteceu com Moisés, David e Salomão do Velho Testamento, a figura de Jesus sumiu na névoa religiosa.
O Dilúvio O Gênesis, a história do dilúvio é uma das poucas que ainda alimenta o interesse dos cientistas, depois que os físicos substituíram a criação do mundo pelo Big Bang e Darwin substituiu Adão pelos macacos. O que intrigou os pesquisadores foi o fato de uma história parecida existir no texto épico babilônico de Gilgamesh - o que sugere que uma enchente de enormes proporções poderia ter acontecido no Oriente Médio e na Ásia Menor. Parte do mistério foi solucionado quando os filólogos conseguiram demonstrar que a narrativa do Gênesis é uma apropriação do mito mesopotâmico. "Não há dúvida de que os hebreus se inspiraram no mito de Gilgamesh para contar a história do dilúvio", afirma Rafael Rodrigues da Silva, professor do Departamento de Teologia da PUC de São Paulo, especialista na exegese do Antigo Testamento.
O povo hebreu entrou em contato com o mito de Gilgamesh no século VI a.C. Em 598 a.C., o rei babilônico Nabucodonosor, depois de conquistar a Assíria, invadiu e destruiu Jerusalém e seu templo sagrado. No ano seguinte, os judeus foram deportados para a Babilônia como escravos. O chamado exílio babilônico durou 40 anos. Em 538 a.C., Ciro, o fundador do Império Persa, depois de submeter a Babilônia permitiu o retorno dos judeus à Palestina. Os rabinos ou "escribas" começaram a reconstruir o Templo e a reescrever o Gênesis para, de alguma forma, dar um sentido teológico à terrível experiência do exílio. Assim, a ameaça do dilúvio seria uma referência à planície inundável entre os rios Tigre e Eufrates, região natal de Nabucodonosor; os 40 dias de chuva seriam os 40 anos do exílio; e a aliança final de Deus com Noé, marcada pelo arco-íris, uma promessa divina de que os judeus jamais seriam exilados.
Solucionado o mistério do dilúvio na Bíblia, continua o da sua origem no texto de Gilgamesh. No final da década de 90, dois geólogos americanos da Universidade Columbia, Walter Pittman e Willian Ryan, criaram uma hipótese: por volta do ano 5600 a.C., ao final da última era glacial, o Mar Mediterrâneo havia atingido seu nível mais alto e ameaçava invadir o interior da Ásia na região hoje ocupada pela Turquia, mais precisamente a Anatólia. Num evento catastrófico, o Mediterrâneo irrompeu através do Estreito de Bósforo, dando origem ao Mar Negro como o conhecemos hoje. Um imenso vale de terras férteis e ocupado por um lago foi inundado em dois ou três dias.
Os povos que ocupavam os vales inundados tiveram que fugir às pressas e o mais provável é que a maioria tenha morrido. Os sobreviventes, porém, tinham uma história inesquecível, que ecoaria por milênios. Alguns deles, chamados ubaids, atravessaram as montanhas da Turquia e chegaram à Mesopotâmia, tornando-se os mais antigos ancestrais de sumérios, assírios e babilônios. Estaria aí a origem da narrativa de Gilgamesh. Essa teoria foi recebida por arqueólogos e antropólogos como fantástica demais para ser verdadeira.
No entanto, no verão de 2000, o caçador de tesouros submersos Robert Ballard, o mesmo que encontrou os restos do Titanic, levou suas poderosas sondas para analisar o fundo do Mar Negro nas proximidades do que deveriam ser vales de rios antes do cataclisma aquático. Ballard encontrou restos de construções primitivas e a análise da lama colhida em camadas profundas do oceano provaram que, há 7 600 anos, ali existia um lago de água doce. A hipótese do grande dilúvio do Mar Negro estava provada.
O Êxodo Não há registro arqueológico ou histórico da existência de Moisés ou dos fatos descritos no Êxodo. A libertação dos hebreus, escravizados por um faraó egípcio, foi incluída na Torá provavelmente no século VII a.C., por obra dos escribas do Templo de Jerusalém, em uma reforma social e religiosa. Para combater o politeísmo e o culto de imagens, que cresciam entre os judeus, os rabinos inventaram um novo código de leis e histórias de patriarcas heróicos que recebiam ensinamentos diretamente de Jeová. Tais intenções acabaram batizadas de "ideologia deuteronômica", porque estão mais evidentes no livro Deuteronômio. A prova de que esses textos são lendas estaria nas inúmeras incongruências culturais e geográficas entre o texto e a realidade. Muitos reinos e locais citados na jornada de Moisés pelo deserto não existiam no século XIII a.C., quando o Êxodo teria ocorrido. Esses locais só viriam a existir 500 anos depois, justamente no período dos escribas deuteronômicos. Também não havia um local chamado Monte Sinai, onde Moisés teria recebido os Dez Mandamentos. Sua localização atual, no Egito, foi escolhida entre os séculos IV e VI d.C., por monges cristãos bizantinos, porque ele oferecia uma bela vista. Já as Dez Pragas seriam o eco de um desastre ecológico ocorrido no Vale do Nilo quando tribos nômades de semitas estiveram por lá.
Vejamos agora o caso de Abraão, o patriarca dos judeus. Segundo a Bíblia, ele era um comerciante nômade que, por volta de 1850 a.C., emigrou de Ur, na Mesopotâmia, para Canaã (na Palestina). Na viagem, ele e seus filhos comerciavam em caravanas de camelos. Mas não há registros de migrações de Ur em direção a Canaã que justifiquem o relato bíblico e, naquela época, os camelos ainda não haviam sido domesticados. Aqui também há erros geográficos: lugares citados na viagem de Abraão, como Hebron e Ber- sheba, nem existiam então. Hoje, a análise filológica dos textos indica que Abraão foi introduzido na Torá entre os séculos VIII e VII a.C. (mais de 1 000 anos após a suposta viagem).
Então, como surgiu o povo hebreu? Na verdade, hebreus e canaanitas são o mesmo povo. Por volta de 2000 a.C., os canaanitas viviam em povoados nas terras férteis dos vales, enquanto os hebreus eram nômades das montanhas. Foi o declínio das cidades canaanitas, acossadas por invasores no final da Idade do Bronze (300 a.C. a 1000 a.C.), que permitiu aos hebreus ocupar os vales. Segundo a Bíblia, os hebreus conquistaram Canaã com a ajuda dos céus: na entrada de Jericó, o exército hebreu toca suas trombetas e as muralhas da cidade desabam, por milagre. Mas a ciência diz que Jericó nem tinha muralhas nessa época. A chegada dos hebreus teria sido um longo e pacífico processo de infiltração.
David e Salomão Há pouca dúvida de que David e Salomão existiram. Mas há muita controvérsia sobre seu verdadeiro papel na história do povo hebreu. A Bíblia diz que a primeira unificação das tribos hebraicas aconteceu no reinado de Saul. Seu sucessor, David, organizou o Estado hebraico, eliminando adversários e preparando o terreno para que seu filho, Salomão, pudesse reinar sobre um vasto império. O período salomônico (970 a.C. a 930 a.C.) teria sido marcado pela construção do Templo de Jerusalém e a entronização da Arca da Aliança em seu altar.
Não há registros históricos ou arqueológicos da existência de Saul, mas a arqueologia mostra que boa parte dos hebreus ainda vivia em aldeias nas montanhas no período em que ele teria vivido (por volta de 1000 a.C.) - assim, Saul seria apenas um entre os muitos líderes tribais hebreus. Quanto a David, há pelos menos um achado arqueológico importante: em 1993 foi encontrada uma pedra de basalto datada do século IX a.C. com escritos que mencionam um rei David.
Por outro lado, não há qualquer evidência das conquistas de David narradas na Bíblia, como sua vitória sobre o gigante Golias. Ao contrário, as cidades canaanitas mencionadas como destruídas por seus exércitos teriam continuado sua vida normalmente. Na verdade, David não teria sido o grande líder que a Bíblia afirma. Seu papel teria sido muito menor. Ele pode ter sido o líder de um grupo de rebeldes que vivia nas montanhas, chamados apiru (palavra de onde deriva a palavra hebreu) - uma espécie de guerrilheiro que ameaçava as cidades do sul da Palestina. Quanto ao império salomônico cantado em verso e prosa na Torá hebraica, a verdade é que não foram achadas ruínas de arquitetura monumental em Jerusalém ou qualquer das outras cidades citadas na Bíblia.
O principal indício de que as conquistas de David e o império de Salomão são, em sua maior parte, invenções é que, no período em que teriam vivido, a arqueologia prova que a cultura canaanita (que, segundo a Bíblia, teria sido destruída) continuava viva. A conclusão é que David e Salomão teriam sido apenas pequenos líderes tribais de Judá, um Estado pobre e politicamente inexpressivo localizado no sul da Palestina.
Na verdade, o grande momento da história hebraica teria acontecido não no período salomônico, mas cerca de um século mais tarde. Entre 884 e 873 a.C., foi fundada Samária, a capital do reino de Israel, no norte da Palestina, sob a liderança do rei israelita Omri. Enquanto Judá permanecia pobre e esquecida no sul, os israelitas do norte faziam alianças com os assírios e viviam um período de grande desenvolvimento econômico. A arqueologia demonstrou que os monumentos normalmente atribuídos a Salomão foram, na verdade, erguidos pelos omridas. Ou seja: o primeiro grande Estado judaico não teve a liderança de Salomão, e sim dos reis da dinastia omrida.
Enriquecido pelos acordos comerciais com Assíria e Egito, o rei Ahab, filho de Omri, ordena a construção dos palácios de Megiddo e as muralhas de Hazor, entre outras obras. Hoje, os restos arqueológicos desses palácios e muralhas são o principal ponto de discórdia entre os arqueólogos que estudam a Torá. Muitos ainda os atribuem a Salomão, numa atitude muito mais de fé do que de rigor científico, já que as datações mais recentes indicam que Salomão nunca ergueu palácios.
Judá Entender a história de Judá é fundamental para entender todo o Velho Testamento. Até o século VIII a.C., Judá era apenas uma reunião de tribos vivendo numa região desértica do sul da Palestina. Em 722 a.C., porém, os assírios resolvem conquistar as ricas planícies e cidades de Israel - o reino do norte, mais desenvolvido economicamente e mais culto. Judá, no sul, que não pareceu interessar aos assírios, pôde continuar independente, desde que pagasse tributos ao império assírio.
Assim, enquanto no norte acontece uma desintegração dos hebreus, levados para a Assíria como escravos, no sul eles continuam unidos em torno do Templo de Jerusalém. Judá beneficiou-se enormemente da destruição do reino do norte. Jerusalém cresceu rapidamente e cidades como Lachish, que servia de passagem antes de chegar a Jerusalém, foram fortificadas. Era o momento de Judá tomar a frente dos hebreus. Para isso, precisaria de duas coisas: um rei forte e um arsenal ideológico capaz de convencer as tribos do norte de que Judá fora escolhida por Deus para unir os hebreus. Além disso, era preciso combater o politeísmo que voltava a crescer no norte.
Josias foi o candidato a assumir a posição de rei unificador. Durante uma reforma no Templo de Jerusalém, em seu governo, foi "encontrado" (na verdade, não há dúvidas de que o livro foi colocado ali de propósito) o livro Deuteronômio, com todos os ingredientes para um ampla reforma social e religiosa. O livro possui até profecias que afirmam, por exemplo, que um rei chamado Josias, da casa de David, seria escolhido por Deus para salvar os hebreus. Ungido pelo relato do livro, o ardiloso Josias consegue seu objetivo de centralizar o poder, mas acaba morto em batalha. Judá revolta-se contra os assírios e o rei da Assíria, Senaqueribe, invade a região, destruindo Lachish e submetendo Jerusalém. A destruição de Lachish, narrada com riqueza de detalhes na Bíblia, também aparece num relevo encontrado em Nínive, a antiga capital assíria. E as escavações comprovaram que a Bíblia e o relevo são fiéis ao acontecido. Ou seja: nesse caso, a arqueologia provou que a Torá foi fiel aos fatos.
Jesus Segundo o Novo Testamento, Jesus nasceu em Belém, uma cidadezinha localizada oito quilômetros ao sul de Jerusalém, filho do carpinteiro José e de uma jovem chamada Maria, que o concebeu sem macular sua virgindade. Os evangelhos de Lucas e Mateus afirmam que Jesus nasceu "perto do fim do reino de Herodes". O texto de Lucas afirma que a anunciação aconteceu em Nazaré, onde José e Maria viviam, mas eles foram obrigados a viajar até Belém pelo censo "ordenado quando Quirino era governador da Síria".
Hoje, o que se sabe de concreto sobre Jesus é que ele nasceu na Palestina, provavelmente no ano 6 a.C., ao final do reinado de Herodes Antibas (que acabou em 4 a.C.). A diferença entre o nascimento real de Jesus e o ano zero do calendário cristão se deve a um erro de cálculo. No século VI, quando a Igreja resolveu reformular o calendário, o monge incumbido de fazer os cálculos cometeu um erro. Além disso, é praticamente certo que Jesus nasceu em Nazaré e não em Belém. A explicação que o texto de Lucas dá para a viagem de Jesus até Belém seria falsa. Os registros romanos mostram que Quirino (aquele que teria feito o censo que obrigou a viagem a Belém) só assumiu no ano 6 d.C. - 12 anos depois do ano de nascimento de Jesus. A história da viagem a Belém foi criada porque a tradição judaica considerava essa cidade o berço do rei David - e o messias deveria ser da linhagem do primeiro rei dos judeus.
A concepção imaculada de Maria é um dos dogmas mais rígidos da Igreja, mas nem sempre foi um consenso entre os cristãos. Alguns textos apócrifos dos séculos II e III sugerem que Jesus é fruto de uma relação de Maria com um soldado romano. A menina Maria teria 12 anos quando concebeu Jesus. Na rígida tradição judaica, uma mulher que engravidasse assim poderia ser condenada à morte por apedrejamento. O velho carpinteiro José, provavelmente querendo poupar a menina, casou-se com ela e escondeu sua gravidez até o nascimento do bebê. A data de 25 de dezembro não está na Bíblia. É uma criação também do século VI, quando o calendário foi alterado.
A Bíblia afirma que Jesus teve duas irmãs e quatro irmãos: Tiago, Judas, José e Simão. Mas não se sabe se esses eram filhos de Maria ou de um primeiro casamento de José. Muitos teólogos afirmam que eles eram, na verdade, primos de Jesus - em aramaico, irmão e primo são a mesma palavra. A Bíblia não fala quase nada sobre a infância e a adolescência de Jesus, com exceção de uma passagem em que, aos 12 anos, numa visita ao Templo de Jerusalém durante a Páscoa, seus pais o encontram discutindo teologia com os sábios nas escadarias do templo do monte. É quase certo, porém, que ele cresceu em Nazaré.
Jesus falava certamente o aramaico, a língua corrente da Palestina e, provavelmente, entendia o hebreu por ter tomado lições na sinagoga e por ler a Torá. Os evangelhos apócrifos o pintam como um menino Jesus travesso, capaz de dar vida a figuras de barro para impressionar os colegas e até mesmo a fulminar um menino que esbarrou em seu ombro, para ressuscitá-lo logo em seguida, depois de tomar uma bronca do pai.
Certamente José procurou iniciá-lo na arte da carpintaria e é provável que Jesus tenha trabalhado como carpinteiro durante um bom tempo. Oportunidade não lhe faltou. Escavações recentes revelaram que ao mesmo tempo em que Jesus crescia em Nazaré, bem próximo era construída a monumental cidade de Séfores, idealizada por Herodes Antibas para ser a capital da Galiléia. Séfores estava a uma hora a pé de Nazaré e é muito provável que José e Jesus tenham trabalhado ali. Em Séfores Jesus teria visto a passagem da família real de Herodes Antibas e a opulência das famílias de sacerdotes do Templo de Jerusalém. O fato de Jesus ter passado boa parte da sua vida ao lado de Séfores indicaria que ele não era um camponês rústico como já se pensou, mas tinha contato com a cultura do mundo helênico.
Aos 30 anos, Jesus se fez batizar por João Batista nas margens do rio Jordão. Segundo a Bíblia, durante o batismo João reconhece Jesus como o messias. Há registros históricos da existência de João Batista e, recentemente, arqueólogos encontraram entre o monte Nebo e Jericó, nas margens do rio Jordão, ruínas de um antigo local de peregrinação por volta do século III d.C.
Decidido a cumprir sua missão na terra, Jesus dirigiu-se então para a Galiléia, onde recrutou seus primeiros discípulos entre os pescadores do lago Tiberíades. Passou a viver com seus primeiros seguidores em Cafarnaum, cidade de pescadores próxima do lago de Tiberíades. Por dois anos Jesus pregou pela Galiléia, Judéia e em Jerusalém, proferindo sermões e contando parábolas. Segundo a Bíblia, realizou 31 milagres, incluindo 17 curas e seis exorcismos. Alguns dos mais famosos são a ressurreição de Lázaro, a transformação de água em vinho e a multiplicação dos peixes.
Cafarnaum, onde Jesus teria vivido com seus discípulos, era um povoado de cerca de 1 500 moradores naquela época. Escavações encontraram os restos da casa de um dos discípulos, provavelmente de Simão Pedro (hoje conhecido como São Pedro), além de um barco datado da mesma época da passagem de Cristo pelo lugar. Não há, porém, certeza quanto ao número de discípulos que viviam próximos de Jesus. Nos evangelhos, apenas os oito primeiros conferem - os quatro últimos têm muitas variações. A hipótese mais provável é que o número "redondo" de 12 discípulos foi uma invenção posterior para espelhar, no Novo Testamento, as 12 tribos dos hebreus descritas no Velho Testamento.
Depois de viajar por quase toda a Palestina, Jesus parte para cumprir seu destino - ou, segundo alguns especialistas, seu plano. Durante a semana da Páscoa, o principal evento religioso do calendário judeu, Jesus entra em Jerusalém montado num burro e atravessando a Porta Maravilhosa. Esse foi, certamente, um ato deliberado de provocação aos sacerdotes do Templo e à elite judaica. Jesus faz exatamente o que o profeta Zacarias afirmava na Torá que o messias faria ao chegar. Jesus estava mandando uma mensagem de provocação aos sacerdotes do Templo. No segundo dia da Páscoa, Jesus vai ao Templo e ataca os mercadores e cambistas raivosamente.
Na quinta-feira, percebendo que o cerco apertava, os apóstolos celebram com Jesus a última ceia. A imagem que ficou dessa cena, gravada por Da Vinci e outros pintores, nada tem de verdadeiro. Os judeus comiam deitados de flanco, como os romanos, e as mesas eram ordenadas em formato de U e não dispostas numa linha reta. Durante a ceia, Judas levanta-se para trair seu mestre - ou, como alguns sugerem, para cumprir uma ordem dada pelo próprio Jesus. A captura acontece no Jardim do Getsêmani, onde Jesus e seus discípulos descansavam no caminho para Betânia, onde ficariam hospedados.
Levado para o Sinédrio, o Conselho dos Sacerdotes do Templo, Jesus reafirma sua missão divina e é condenado. Existem provas da denúncia de Caifás a Pilatos. Estudiosos judeus afirmam, porém, que o julgamento perante o Sinédrio jamais ocorreu porque o Sinédrio não se reunia durante a Páscoa. Essa versão teria sido incluída tardiamente na Bíblia após a ruptura definitiva entre cristãos e judeus. Jesus foi morto pelos romanos porque era considerado um agitador político.
Na manhã de sexta-feira, na residência do prefeito Pôncio Pilatos, Jesus é condenado à morte. Ele atravessa as ruas de Jerusalém carregando sua própria cruz e é crucificado entre dois ladrões. O caminho que Jesus percorreu nada tem a ver com a Via Crúcis visitada pelos turistas hoje. Ela é uma criação do século XIV, quando a cidade esteve nas mãos dos cavaleiros cruzados. A maioria dos historiadores e arqueólogos concorda, porém, que o morro do Calvário (Gólgota), localizado ao lado de uma pedreira, foi realmente o lugar da crucificação. Concordam também que seu corpo tenha sido colocado numa das grutas próximas. O que aconteceu então depende da fé de cada um. Há varias versões: que Jesus teria sobrevivido ao martírio, que outra pessoa teria morrido em seu lugar, que seu corpo teria sido roubado ou, claro, que ele teria ressuscitado.
Copyright © Abril S.A. .... Superinteressante - julho 2002



Textos Filosóficos 02

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A paixão de Cristo O filme "A Paixão de Cristo", dirigido por Mel Gibson, tem provocado polêmicas em todo o mundo. Ele mostra as últimas doze horas da vida de Jesus, e especialmente Sua crucificação, de uma forma extremamente brutal. Os que defendem o filme louvam-no como uma das maiores chances para a evangelização em dois mil anos. Os adversários o consideram anti-semita, dizendo que incentivará o preconceito contra os judeus.
Jesus - a mesma atualidade de sempre
Mais uma vez fica evidente: após dois mil anos, a existência de Jesus, Sua morte na cruz e Sua ressurreição continuam causando o mesmo impacto. Esse fato eleva-O acima de todos os outros personagens que influenciaram a História. Enquanto o tema "Jesus" nunca perderá destaque, todas as outras questões que ocupam a humanidade desaparecerão na insignificância.
A questão da culpa
Uns atribuem aos judeus a culpa pela morte de Jesus, como se esse tivesse sido um crime "comum". Os judeus, por sua vez, acusam os cristãos de anti-semitismo consciente, e até mesmo os apóstolos de serem parcialmente antijudaicos. Realmente é verdade que os judeus foram violentamente perseguidos por causa da crucificação de Jesus. Acusados de serem "assassinos de Deus", muitos deles foram mortos por isso. Em meio a essas discussões, esquece-se facilmente o Plano perfeito de Deus para a humanidade.
A oração da Igreja primitiva em Jerusalém destaca o que importa: "verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes (edomita) e Pôncio Pilatos (romano), com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram" (Atos 4.27-28). Tanto as nações (gentios) como os israelitas uniram-se na hora de decidir e executar a crucificação de Jesus - mas essa ação fazia parte essencial do Plano de Deus. Jesus tinha de morrer tanto por Israel como pelas nações, para ser o Redentor de todos. Após Sua ressurreição, o próprio Senhor disse aos discípulos no caminho de Emaús: "Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?" (Lucas 24.26). Em sua pregação no dia de Pentecostes, Pedro expressou-se de modo semelhante: "sendo este (Jesus) entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos" (Atos 2.23).
A morte de Jesus não foi o resultado de ações puramente humanas, pois fazia parte do Plano de Deus para a salvação da humanidade. Jesus é o "dom inefável" de Deus para nós (2 Coríntios 9.15). Ele realizou o desígnio de Deus para nossa salvação e o Pai celestial O entregou, como Cordeiro de Deus inocente, pela nossa culpa (veja João 1.29,36). Naturalmente essa entrega aconteceu através das mãos de pessoas. A geração do povo judeu da época entregou Jesus aos gentios (romanos), para que Ele fosse crucificado. Os israelitas representaram o sacerdócio que ofereceu o Cordeiro para o sacrifício ("...a salvação vem dos judeus" - João 4.22), e Roma, a potência mundial, foi a instância executora. Tanto os judeus como os gentios mataram Jesus. Entretanto, mais do que a geração que vivia na época, foram os pecados de todas as gerações, de todos os seres humanos de todas as épocas, que O mataram - pois Ele morreu pelos nossos pecados, trazendo-nos a redenção. Todos nós somos culpados: "Porque Deus a todos encerrou na desobediência (tanto judeus como gentios), a fim de usar de misericórdia para com todos" (Romanos 11.32).
Quem é culpado pela morte de Jesus?
Na verdade, poderíamos atribuir a culpa da morte de Jesus a Adão, pois através dele o pecado entrou no mundo e foi transmitido a todos os homens. Por isso, era necessário que Jesus ("o último Adão" - 1 Coríntios 15.45), removesse a culpa. Cada pecado de todo ser humano condenou, crucificou e matou Jesus. Sou culpado da morte de Jesus e imensamente grato a Ele por ter morrido por mim, pois do contrário eu continuaria com minha culpa e estaria perdido por toda a eternidade.
O que, porém, acontece com os que discutem a questão da culpa pela morte de Jesus mas não se decidem por Ele, não O aceitam pela fé e até O rejeitam e desprezam? A situação deles, quer sejam judeus ou gentios, é terrível, pois calcam aos pés o Filho de Deus, profanam o sangue da aliança e ultrajam o Espírito da graça (veja Hebreus 10.29). Muito mais grave do que fazer acusações mútuas de culpa é ser, pessoalmente, um inimigo da cruz de Cristo (veja Filipenses 3.18).
Jesus toma a culpa sobre Si
Jesus, perfeitamente inocente, declarou-Se culpado em nosso lugar. Ele tomou nosso pecado sobre Si e o carregou na Sua cruz, não na cruz dos judeus, nem na cruz dos romanos: "porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus" (Colossenses 1.19-20). Muito antes de vir a este mundo, Ele já disse através de Davi, manifestando Sua disposição de sacrificar-Se em nosso lugar: "eis aqui estou, no rolo do livro está escrito a meu respeito; agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei. Proclamei as boas-novas de justiça na grande congregação; jamais cerrei os lábios, tu o sabes, Senhor" (Salmo 40.7-9; veja também Hebreus 10.5-7).
Há discussões, polêmicas e controvérsias sobre a culpa pela morte de Jesus e a questão do anti-semitismo, mas esquece-se completamente que Deus queria entregar-Se em sacrifício através de Cristo. Por trás dessa disposição de ir para a cruz estava Seu infinito amor. Ele tomou toda a culpa sobre Si para nos resgatar. Isso vale tanto para os judeus como para os gentios (todos os não-judeus).
Se Jesus não tivesse entregue Sua vida voluntariamente, teria sido impossível tirá-la dEle, pois Ele afirmou: "Por isso, o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este mandato recebi de meu Pai" (João 10.17-18).
Exclusivamente Jesus tinha o poder de dar a Sua vida, e Ele a entregou nas mãos dos judeus. Ao invés de atribuir-lhes a culpa pela morte de Jesus, todos deveriam recordar que Jesus foi judeu em Sua humanidade, e como tal voltará. Mas Jesus também tinha o poder de reaver Sua vida. O judeu Jesus ressuscitou dentre os mortos e retornou à casa do Pai. Desse modo, o primeiro homem a entrar no lar celestial foi um judeu.
A questão da culpa sob outro ângulo
Por que não se dá aos judeus a "culpa" pela vinda de Jesus a este mundo? Afinal, Ele nasceu de mãe judia e - segundo a descendência humana - era da tribo de Judá! Por que não atribuímos aos judeus a "culpa" pela redenção, pela ressurreição de Jesus, pela Sua ascensão e, finalmente, pela Sua volta (veja Romanos 9.4-5)? Por que não culpamos os judeus pela justiça e paz que serão implantadas neste mundo no futuro reino de Jesus? Pois eles foram escolhidos pelo Pai celestial para que Seu Filho se tornasse homem e para eles Jesus voltará (veja Zacarias 14.4)!
Seria necessário discutir a questão da culpa se Jesus tivesse permanecido morto, pois apenas Sua morte como Justo não nos teria redimido (veja 1 Coríntios 15.13-18). Ele, porém, ressuscitou: Jesus vive! Por isso, juntamente com o apóstolo Paulo, louvamos e exclamamos: "Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém" (Romanos 11.33-36).
Sem sentido, tudo permanece confuso
As acusações mútuas sobre a culpa pela morte de Jesus ou de anti-semitismo mostram apenas que ainda não se compreendeu o verdadeiro sentido da morte de Jesus. Ao invés dos gentios olharem de forma negativa para os judeus e vice-versa, todos juntos deveriam olhar "firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus" (Hebreus 12.2).
Ele fez tudo por você - aceite-O agora mesmo como seu Salvador pessoal! (Norbert Lieth - http://www.ajesus.com.br)

Terça-feira, 22 de outubro de 2002
Arqueologia

Pesquisadores afirmam ter encontrado ossário do irmão de Jesus

John Noble Wilford The New York Times

Uma inscrição em pedra, encontrada perto de Jerusalém em uma língua e escrita de 2 mil anos atrás, traz a frase "Tiago, filho de José, irmão de Jesus".

Este pode ser o artefato mais antigo já encontrado relacionado à existência de Jesus, concluiu um estudioso francês em uma análise da inscrição que será publicada nesta semana na revista Biblical Archaeology Review.

Se a inscrição for autêntica e se referir à Jesus de Nazaré, ela será a documentação mais antiga conhecida de Jesus fora da Bíblia. A revista, que anunciou a descoberta na segunda-feira, a está promovendo como a "descoberta arqueológica mais antiga para corroborar as referências bíblicas a Jesus".

Outros estudiosos estão reagindo com cautela, considerando o achado importante e instigante, mas dizendo que provavelmente será impossível confirmar um elo definitivo entre a inscrição e qualquer uma das figuras centrais da fundação do cristianismo.

Fraude não pode ser descartada, eles disseram, apesar do estilo cursivo da escrita e um exame microscópico da superfície gravada parecer diminuir as suspeitas. Uma investigação da Pesquisa Geológica de Israel não encontrou nenhuma evidência de pigmentos modernos, marcas de instrumentos de corte modernos ou outros sinais de falsificação.

Estudiosos bíblicos disseram em entrevistas que a evidência circunstancial apoiando uma ligação com Jesus é possivelmente forte, mas ainda assim circunstancial.

Apesar de Tiago (Jacó ou Ya'akov), José (Yosef) e Jesus (Yeshua) serem nomes comuns daquela época e local, notaram vários estudiosos, seria altamente improvável eles aparecerem na combinação e ordem de parentesco encontrada na inscrição.

As palavras, em aramaico, "Ya'akov bar Yosef akhui diYeshua", foram gravadas em uma caixa fúnebre de calcário de 51 centímetros de comprimento, conhecida como ossário, que presumivelmente já conteve os ossos de um homem chamado Jacó, que morreu no primeiro século d.C.

Várias vezes o Novo Testamento menciona que Jesus tinha um irmão chamado Tiago, que se tornou líder da nascente comunidade cristã em Jerusalém após a crucificação. Esse Tiago foi o primeiro dos apóstolos ao qual Jesus ressuscitado supostamente apareceu. O historiador judeu do primeiro século, Josephus, registrou que Tiago foi executado por apedrejamento por volta de 63 d.C.

Este Tiago poderia ser um dos muitos Tiagos. Mas o restante da inscrição estreita significativamente as possibilidades. Primeiro, de acordo com a prática comum, seu pai foi identificado, neste caso um José.

Mas raramente o irmão do morto seria acrescentado na inscrição, a menos que o irmão fosse proeminente. Tiago, o apóstolo, poderia querer proclamar uma última vez sua ligação com Jesus.

André Lemaire, um pesquisador da Sorbonne em Paris e um respeitado especialista em inscrições do período bíblico, calculou a probabilidade estatística dos três nomes ocorrerem em tal combinação como extremamente pequena. Provavelmente ao longo de duas gerações na Jerusalém do primeiro século, não mais do que 20 pessoas poderiam se chamar "Tiago, filho de José, irmão de Jesus", e poucas delas poderiam ter sido enterradas em ossários com inscrição. Outros cálculos reduzem ainda mais a probabilidade.

"Parece muito provável que este seja o ossário de Tiago do Novo Testamento", escreveu Lemaire no artigo da revista. "Se for, isto também significaria que temos aqui a primeira menção epigráfica --de cerca de 63 d.C.-- de Jesus de Nazaré".

Em outro trecho de seu artigo ele reconheceu que "nada nesta inscrição de ossário confirma claramente a identidade" deste Tiago como o conhecido na tradição cristã.

Antes disso, informou a Biblical Archaeology Review, a menção mais antiga de Jesus se encontrava em um pedaço de papiro contendo um fragmento do Evangelho de João, escrito em grego por volta de 125 d.C. A maioria dos textos mais antigos existentes do Novo Testamento datam de 300 anos ou mais depois da época de Jesus. Acredita-se que o primeiro Evangelho, de Marcos, foi escrito por volta do ano 70.

Apenas poucos outros artefatos antigos mencionam figuras do Novo Testamento. Em 1990, o ossário de Caifás, o sumo sacerdote que entregou Jesus aos romanos, foi encontrado. Antes, os arqueólogos descobriram uma inscrição em um monumento que apresentava o nome de Pôncio Pilatos.

Como outros estudiosos bíblicos, o dr. James C. VanderKam da Universidade de Notre Dame elogiou Lemaire como um renomado epigrafista, ou especialista em inscrições antigas, cuja pesquisa é meticulosa e as avaliações criteriosas.

"Como a pesquisa vem de André Lemaire, eu a levo muito a sério" disse VanderKam. "Se for autêntica, e parece que é, esta é uma confirmação não-bíblica de muita ajuda da existência de Tiago".

Eric M. Meyers, um arqueólogo e diretor do programa de doutorado em religião da Universidade Duke, disse que a raridade da ocorrência desta configuração de nomes, especialmente a inclusão do nome do irmão, "leva a um senso de credibilidade da alegação".

Mas Meyers questionou se a descoberta, caso se refira a Jesus, "nos dirá algo que já não sabíamos". Ele e outros estudiosos concordam que Jesus, como figura histórica, já foi bem estabelecido há muito tempo.

Joseph Fitzmyer, professor emérito de estudos do Novo Testamento da Universidade Católica em Washington, a saudou como uma descoberta significativa caso se refira a Jesus de Nazaré. "Esta seria uma nova atestação extrabíblica de sua existência, e há muito poucas coisas extrabíblicas que o fazem", disse ele.

Ainda assim, Fitzmyer disse que tem sérias dúvidas de que o terceiro nome na inscrição realmente se refira a Jesus de Nazaré.

"É possível, mas eu hesitaria em dizer provável", disse ele. "Eu não sei como alguém poderia dizer mais que isto".

A forma como o ossário foi descoberto é parte do problema, disseram os estudiosos. Ele de alguma forma caiu nas mãos de saqueadores, que então lucraram o vendendo no mercado de antigüidades. Hershel Shanks, editor da Biblical Archaeology Review, disse que o ossário atualmente é de propriedade de um colecionador cujo nome não foi divulgado.

Como o ossário não veio de uma escavação controlada, onde os arqueólogos traçam cada detalhe e possível pista sobre o contexto da descoberta, os estudiosos disseram que temem que nunca saberão com certeza o significado da inscrição.

"Isto poderia ser algo genuinamente importante, mas nunca poderemos saber ao certo", disse o dr. P. Kyle McCarter Jr., professor de estudos bíblicos e do Oriente Próximo da Universidade Johns Hopkins. "Não saber o contexto de onde o ossário foi encontrado compromete qualquer coisa que possamos dizer, e assim as dúvidas persistirão".

Alguns poucos estudiosos criticaram a revista por publicar um artigo baseado em pesquisa envolvendo peças saqueadas, argumentando que isto encoraja práticas não éticas no mercado de antigüidades. O Discovery Channel anunciou que planeja realizar um documentário para televisão no próximo ano sobre os testes científicos do suposto ossário de Tiago.

Ossários eram usados na prática de enterro em duas etapas que era comum entre os judeus no primeiro século. Quando uma pessoa morria, o cadáver era primeiro colocado em um sepulcro por cerca de um ano. Após a decomposição da carne, os ossos eram recolhidos e então colocados em uma caixa de calcário, um ossário. O ossário em questão não é adornado, com exceção da inscrição com 20 letras aramaicas em um de seus lados.

No artigo, Lemaire reconhece que ninguém sabe se os cristãos da época mantiveram o hábito judaico do enterro em duas etapas.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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se o Estado não está por nós…

Acredito que não haja necessidade de explicar aqui o que se passa no bairro do Pinheirinho em São José dos Campos. Qualquer brasileiro com acesso à internet e que esteja preocupado além de algo como o novo hit do Coldplay, sabe (ou deveria saber) ao menos o básico do que acontece por lá. De qualquer forma um resumo grosseiro não faz mal a ninguém e, na parte histórica, poupo-lhes de algumas visitas à Wikipédia.

 

Do começo


Em fevereiro de 2004, cerca de 150 famílias de sem-teto invadiram uma área de um milhão e trezentos mil metros quadrados pertencentes à massa falida da empresa Selecta S/A. Houve confrontos com a guarda municipal, mas as famílias resistiram.

Depois
A comunidade cresceu, com o passar dos anos muitas famílias se mudaram para o bairro que desenvolveu uma melhor estrutura que muitas favelas do país, com muitas casas entre os barracos, luz elétrica e transporte público. Quase duas mil famílias habitavam Pinheirinho até alguns dias atrás.

 

Quem?


O terreno da empresa falida é de propriedade do investidor Naji Nahas, libanês radicado no Brasil e que ganhou notoriedade como um grande especulador das bolsas de valores brasileiras. Na década de 80, Nahas se utilizou de um método para inflar o valor das ações de suas empresas na Bovespa, a bolsa de São Paulo. A técnica consistia em fazer empréstimos de altíssimo valor, mas de curto prazo, em diversos bancos e investir, por meio de laranjas, em suas próprias empresas. Foi inibido por ações dos diretores da Bovespa, que temiam acontecer em São Paulo o mesmo que já viam ocorrer em diversas bolsas ao redor do mundo por esquemas semelhantes de especulação e estavam receosos com o controle que Nahas tinha de aproximadamente 80% de todos os negócios realizados na Bovespa. Então se viu obrigado a mudar seus papéis para a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, mas não mudou seu modus operandi e em 1989 foi o principal responsável pelo crash na bolsa do Rio, fazendo-a perder para a Bovespa o posto de bolsa mais importante do país. Foi proibido de “jogar” na bolsa, mas não podia desperdiçar sua vocação para os crimes de colarinho branco e em 2008 foi preso na Operação Satiagraha da Polícia Federal, junto com nomes de peso como o banqueiro Daniel Dantas e o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta. Nahas é um dos artífices do esquema de corrupção e lavagem dinheiro fruto de desvios de verba que abasteceram, dentre outros, o ex-prefeito, que embolsou parte dos 3,8 bilhões de reais do esquema, quase metade do orçamento do município na época. Como é comum no Brasil, mais um lapso político/jurídico/midiático/moral ocorre e cá está Naji Nahas novamente tomando emprestado do governo do estado dois mil policiais para fazer valer seus direitos de Grande Empresário.

 

E então


Ameaçados pela ordem de despejo, os cidadãos se armaram em uma mimese decadente da polícia, usando pedaços de pau como cassetetes, tambores recortados como escudos (um deles usava uma antena da DirecTV), capacetes de moto e até cães de briga. Essa resistência ameaçou transformar o lugar numa verdadeira Canudos em solo paulista, mas um efetivo de dois mil policiais militares, munidos de armas que disparam balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio, cassetetes e escudos de contenção, invandiram no domingo (22 de janeiro) o bairro e a resistência formada pouco pode fazer. Contando também com o suporte de blindados e helicópteros, a PM transformou o bairro em uma “praça de guerra”, nas palavras do secretário-geral da presidência, Gilberto Carvalho. Foi criado um cordão de isolamento que impediu que a imprensa se aproximasse e os relatos da operação são recortados, mas imagens como a de mães protegendo crianças de colo dos gases, cidadãos feridos com balas de borracha e crianças correndo de incêndios dão o tom da desocupação. A OAB de São José dos Campos afirma que houveram vítimas fatais no conflito, até o momento fala-se em cinco pessoas sendo, uma delas, uma criança.

não-cidadãos

 

O que mais?


O caso de Pinheirinho é mais um dentre os diversos ocorridos nos últimos meses em que a política deu lugar à truculência policial. Quatro deles são emblemáticos.

 

No Pará: No fim do ano passado, cerca de 300 pessoas, a maioria indígenas, se reuniram no canteiro de obras da usina de Belo Monte na cidade de Altamira e deixaram claro que não sairiam de lá antes das máquinas. A polícia acelerou o processo e, sem que a grande mídia noticiasse sequer a ocupação, retiraram os manifestantes à força.


Na reitoria: Também no fim do ano passado, centenas de estudantes da Universidade de São Paulo invadiram o prédio da reitoria com o objetivo de protestar contra a presença da PM no campus e pela renúncia do reitor Grandino Rodas. Foram retirados em mais uma operação policial que impediu a aproximação da imprensa. Os relatos de violência são inúmeros, mas a mídia não só fez pouco caso disso como se esforçou para passar a imagem dos estudantes como anarquistas depredadores que querem o campus livre para fumarem maconha. Vale uma menção desonrosa ao caso do estudante negro agredido, na mesma USP semanas depois, por um policial que desconfiou que ele não fizesse parte da universidade.


No Recife: Nas manifestações que começaram no fim do ano passado e seguem ocorrendo até hoje e que visam mobilizar a população contra o aumento do preço das passagens de ônibus, a intervenção violenta da polícia se tornou uma constante. Na última, ocorrida ontem (dia 23), os manifestantes se reuniram com flores nas mãos para enfatizar o caráter pacífico da movimentação, em vão, a tropa de choque foi acionada e mais uma rua do país ganhou uma nuvem de gás lacrimogênio.


Na Cracolândia: Demorou anos para que fossem estabelecidos projetos sociais pacíficos com o apoio de profissionais de diversas áreas na região que, pela grande circulação de usuários de crack, ficou conhecida como Cracolândia na cidade de São Paulo. Ainda sim, os projetos engatinhavam quando, por ordem judicial, a polícia passou a realizar operações de repressão aos moradores e frequentadores do lugar. De pacientes, os usuários de crack passaram a ser tratados como baratas que se dispersam pelas ruas da região nas diversas batidas policiais nos prédios tomados por eles. Apesar das diversas denúncias de abuso de autoridade, violência e negligência no trato com os usuários, o governador Geraldo Alckmin afirmou que a operação durará vários meses.

 

E daí?


Infelizmente, o “cidadão médio” não percebe a relação entre esses casos e, muito menos, o que eles nos dizem sobre o período em que vivemos. Pontualmente, é até capaz de tomar partido em prol da polícia, especialmente se estiver em uma classe social mais confortável e mais interessado em baixar o novo hit do Coldplay direto de seu iPhone, claro, para esses o direito à propriedade é inalienável. Infelizmente não são só esses que continuam elegendo tucanos ao governo de São Paulo.

 


A crença ingênua (na melhor das hipóteses) na polícia enquanto uma instituição neutra que tem como objetivo garantir a segurança de todos os cidadãos é outro fator que contribui para sua visão enevoada dessa situação. Para se entender a atual função da polícia dois conceitos devem estar claros na mente do cidadão:


1) Polícia não significa segurança. No programa de José Luiz Datena na Rede Bandeirantes, a mensagem passada é bastante clara, só existem duas causas de crime no país, falta de caráter do criminoso ou falta de polícia. Ignora-se aí a motivação do crime e prevalece o discurso maniqueísta do tal “cidadão de bem”, que não rouba e não mata. Para entender que a marginalização está intimamente ligada à pauperização não é necessário um doutorado em sociologia pela Sorbonne, talvez sequer ajude, tendo em vista a formação do presidente FHC, do mesmo partido que o atual governador de SP. Qualquer medida tomada em segurança pública que ignore a questão social será meramente paliativa. Simplesmente reprimir com a polícia crimes em uma região não dará fim a esses crimes, apenas fará com que se adaptem à vigilância e se desloquem para outras áreas. Não seria profético afirmar que é o que o ocorrerá com São Paulo e Rio de Janeiro, bem como em outras cidades que receberão jogos da Copa do Mundo e das Olimpíadas daqui há alguns anos, já que a prefeitura dessas cidades optou por métodos higienistas de lidar com assaltantes, traficantes e indigentes que apenas estão se mudando para longe, onde gringo não pode ver. Com a palavra, os maiores sociólogos do país, Facção Central:

 

Pra cinco mil Jesus dividiu cinco pães e dois peixes,
Atitude igual evita miolo no tapete.
A indiferença que não te deixa pôr a mão no bolso
É a mesma do louco que corta seu rosto.
Eterna vítima de joelhos, refém do medo
Sua pomba branca tem dois tiros no peito.
Por que prefere gastar no abrigo anti-nuclear
No banco, goma blindada, seu novo lar,
Enriquecer a indústria da segurança privada,
Comprar colete a prova de balas do que doar cesta básica.
A pior polícia do mundo não vai te ajudar
Pra um caso resolver catorze da Scotland Yard
Não vejo um puto lutando pra favela ter escola.
Só pra me trancar e jogar a chave fora.
A burguesa tem vergonha de ser brasileira.
Não pelo o pivete com fome mas porque me deu a senha.

 

2) Polícia não está na rua por todos. Os casos exemplificados só reforçam a noção de que a polícia não representa toda a população, mas uma elite. A desocupação de Pinheirinho, mais do que brutal, é um contracenso em matéria de política pública, afinal, alojar 1500 famílias é extremamente mais dispendioso do que indenizar o proprietário pelo terreno e legalizar o bairro. Porém, como mestre especulador que é, Naji Nahas sabe que essa indenização não se aproximaria do valor potencial de mercado daquela área e só isso explicaria o porquê da polícia de São Paulo ter se tornado sua milícia privada. Atitude semelhante temos em plena capital federal, onde a polícia serve mais uma vez aos interesses de cidadãs ricos em detrimento de populações sem força política. No Santuário dos Pajés os índios Tapuyas estão sendo ameaçados por empreiteiras que planejam transformar o lugar no auto-intitulado “primeiro bairro ecológico de Brasília”. Os operários, munidos de motoserras e, não raramente, acompanhados de policiais, só esperam cair por terra a última liminar da justiça em prol dos índios para darem um mesmo destino as árvores da região e começarem a construir o bairro mais caro da cidade. Nas poucas vezes em que o cidadão-médio reconhece ações falhas da polícia limita-se a comentar como são excessões, frutas podres na corporação, quando na realidade não se afastam tanto do procedimento padrão. A PM de São Paulo matou mais pessoas que todas as polícias dos EUA somadas nos últimos cinco anos e há quem acredite que isso é motivo para comemoração, “porque aqui tem mais bandido”, “estão fazendo seu trabalho”, “nossa pontaria é melhor”… Mesmo na hipótese absurda de todos os assassinados serem “criminosos canalhas” (do “léxico Datena”), isso é realmente uma boa notícia? Quem está a mercê da marginalização senão os setores mais frágeis da sociedade? A resposta nos leva a triste conclusão de que a polícia está exterminando a juventude pobre do país e a cor da pele desses mortos não é mera coincidência. O Facção Central diz:

 

O ódio atravessou a fronteira da favela
Pra decretar que paz é só embaixo da terra.
Não sou eu que a impunidade beneficia,
Me diz quantos Nicolau tão na delegacia
Quer o fim do barulho de tiro a noite
Faz abaixo-assinado contra Taurus-Colt
A fabrica de armas tá a mil na produção
Contrabandeando pro Rio, SP, Afeganistão
E a cada bala no defunto, um boy sai no lucro
Na guerra o mais inocente é o favelado de fuzil russo.

 

Consideremos também a decrepitude da polícia militar no país. A corporação além de genocida é corrupta e as denúncias comprovando isso que vemos na grande mídia são apenas a ponta do iceberg se estamos a par dos nomes dos poderosos ligados a ela. Nas manifestações na USP, uma crítica recorrente era a de que os estudantes exigiam tratamento diferenciado, já que a PM é para todos, mas o problema não é apenas a PM na USP, e sim toda a PM. Porém, aqueles que sofrem diariamente os abusos da polícia e aprenderam a chamá-los de “porcos”, não tem tanta visibilidade quanto estudantes universitários e sua revolta não teria um desfecho tão “brando” quanto o deles.
Como expressar indignação em um país que parece querer matar a saudade de seus Atos Institucionais? Como saber sequer se podemos nos considerar cidadãos? Se um estudante negro não equivale a um estudante branco, 1500 famílias não equivalem a um empresário corrupto e 20 mil índios não equivalem a um consórcio de alumínio, é difícil entender o que é preciso para ser tratado como cidadão no Brasil ($$$ ou não $$$).

Até consertarem essa lógica, antes mesmo de brasileiros, sejamos todos revoltados.

 


Bom final de domingo. A chuva acalmou. Hora de pegar a barca... e retornar à Babilonia. by Deise

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